Livros pra juventude
Logo que a literatura infantojuvenil brasileira surgiu, CMSP foi procurada por escritores para que obras do gênero fossem distribuídas nas escolas
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
A literatura infantojuvenil brasileira ainda engatinhava nas primeiras décadas do século 20. Em 1910, o poeta Olavo Bilac e o educador Manoel Bomfim lançaram o livro Através do Brasil, um dos primeiros sucessos do segmento. Dez anos depois, Monteiro Lobato publicou A menina do narizinho arrebitado, que passou a ser o primeiro capítulo da obra Reinações de Narizinho e se tornou um clássico. Na época, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) foi procurada por autores que escreviam para os jovens e queriam divulgar essas obras.
Em 1º de dezembro de 1917, o professor, jornalista e poeta Alvaro Maria d’Almada Guerra protocolou um ofício manuscrito destinado ao então presidente da CMSP, Raymundo da Silva Duprat (o barão de Duprat), e aos outros vereadores informando que havia publicado Palestras com a mocidade, “livro de caráter didático e propaganda nacionalista”. O autor solicitava que a Câmara comprasse mil exemplares para ajudar no pagamento da edição e que a obra fosse distribuída entre alunos e professores de São Paulo. Hoje, esse processo e um exemplar do livro fazem parte do acervo do Arquivo Geral da CMSP. A obra pode ser acessada no Portal da CMSP.
Aos 49 anos, Alvaro Guerra, nascido em Piraí (RJ), era um nome conhecido no meio literário. Já havia publicado, por exemplo, No lar e Páginas cristãs. Em 1909, foi um dos fundadores da Academia Paulista de Letras (APL). Palestras com a mocidade é um livro de 128 páginas dedicado à juventude brasileira. O autor explicou por que resolveu escrevê-lo citando o político romano Cícero: “que serviço mais relevante podemos prestar à República do que ensinar e instruir a mocidade?”. Segundo Guerra, “ser moço é ser forte, nobre, generoso e justo, é ter todos os sonhos de justiça”.
O livro oferecido à Câmara Municipal é composto por aulas sobre literatura nacional, geralmente com análises sobre escritores. Guerra conta que Castro Alves, conhecido como o poeta dos escravos por ter defendido a abolição da escravatura, tinha “a fronte ampla aureolada por linda cabeleira romântica” e que a multidão que o ouvia admirava tanto a qualidade de seus versos quanto a forma como discursava.
O autor também mostra sua satisfação ao ver meninos na Praça da República, no Centro de São Paulo, que admiravam o busto do escritor Álvares de Azevedo. “Com prazer verifiquei que aquelas crianças já conheciam o nome do poeta, já citavam algumas de suas produções”, afirma. Ele encerra o livro com uma declaração de confiança no futuro do País: “amemos o que é nosso, só assim daremos a este MUITO NOSSO Brasil o pouco que ainda lhe falta para que ele não mais se figure aos povos civilizados como um país de bugres ou de símios”.
O pedido de Guerra seguiu para a Comissão de Finanças e foi encaminhado à Prefeitura. Lá, o livro chegou às mãos de um funcionário que leu a obra e fez críticas positivas, em um despacho manuscrito ao diretor-geral do órgão: “o livro é, ao mesmo tempo, interessante e útil, quer como obra didático-literária, quer como bem orientado meio de propaganda nacionalista”. A conclusão do despacho defende a distribuição dos exemplares, pois “esses moços precisam ler livros assim – de doutrina sã, elevada, nobremente patriótica”.
Em ofício de 15 de junho de 1920, destinado à Presidência da CMSP, o prefeito Firmiano Morais Pinto também fez boas críticas à obra. Mas ressaltou que a disponibilização “às escolas, linha de tiro [treinamento militar para jovens, atualmente mais conhecido como Tiro de Guerra] e outras sociedades deve competir mais ao Estado do que à Municipalidade”.
A discussão sobre a compra e distribuição do livro continuou na CMSP. Em 5 de fevereiro de 1921, os vereadores Raymundo da Silva Duprat, que já tinha sido prefeito, e Luciano Gualberto apresentaram uma proposta que autorizava a Prefeitura a adquirir mil exemplares para distribuir entre alunos e professores das escolas instaladas no Município. Quando a proposta chegou às comissões de Justiça e de Finanças, ficou decidido que a compra dos livros não deveria ser autorizada pelo prefeito, mas sim pelo presidente da CMSP, e a compra foi permitida.
Alvaro Guerra morreu em 1942 e, indiretamente, continua a estimular o hábito de leitura entre os jovens, pois desde 1973 é nome de uma biblioteca pública municipal em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Lições e conselhos
Também na década de 20 do século passado, outro escritor infantojuvenil, José Corrêa da Silva Junior, procurou os vereadores para oferecer 500 exemplares de seu livro A alegria de ser criança, para que fossem comprados pela Câmara e distribuídos entre os alunos das escolas subvencionadas pelo Município.
Em um requerimento manuscrito, datado de 1º de abril de 1929 e que está no Arquivo Geral da CMSP, Corrêa Junior cita o “alto propósito que preocupa o espírito dos atuais legisladores municipais, de pugnar [lutar] em defesa da educação intelectual e moral das crianças paulistas, dotando-as com elementos necessários à consecução [conquista] de tão nobre fim”. O requerente também afirma que livros infantis levam aos menores “ensinamentos que concorrerão para torná-los perfeitos como cidadãos”.
A alegria de ser criança, com 54 páginas e 20 ilustrações, traz poesias, fábulas e crônicas com ensinamentos cívicos e éticos. Alguns dos temas são válidos ainda hoje, como o respeito aos pais, ao meio ambiente e ao local onde se vive. Por exemplo, no capítulo São Paulo, Corrêa Junior propaga: “ama com orgulho a tua cidade. Não só pela grandeza física, pelo seu extraordinário progresso material – mais ainda e, sobretudo, pela poesia de seu destino”.
Há, entretanto, algumas lições antiquadas para os dias atuais. Enquanto muitas obras infantis contemporâneas defendem a liberdade, a criatividade e ousadia, na fábula O lenço de seda e o lenço de algodão, a moral é “quem diz o que quer, ouve o que não quer”. Já em A pedra que queria imitar a montanha, a conclusão é “não desejes senão o que estiver ao teu alcance”.
O livro traz, também, preleções sobre questões sociais. No poema Conselhos a um estudante pobre, Corrêa Junior afirma que tanto o rico quanto o pobre têm motivos para se orgulhar, pois se o pobre é grande no trabalho, o rico é grande pela caridade. E conclui: “se és pobre, sê feliz, bendize o teu destino, sê risonho!”.
O requerimento de aquisição foi encaminhado às comissões de Justiça e de Finanças. Ambas autorizaram o presidente da CMSP, Luiz Antonio Pereira da Fonceca, a realizar a compra, sob a alegação de que “o livro citado tem obtido merecidos elogios tanto da imprensa como de educadores e intelectuais paulistas”.
Em 27 de abril de 1929, Fonceca determinou a compra. Um exemplar do livro foi anexado ao processo e pode ser acessado no Portal da Câmara.
Em 1965, Corrêa Junior, alagoano de Pilar que morava em São Paulo desde os 18 anos, recebeu o Título de Cidadão Paulistano, proposto pelo vereador Pedro Geraldo Costa.