Hora de ouvir
Câmara realiza 43 audiências públicas para debater novo Plano Diretor
Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Para o laboratorista Anderson Fernandes Portela, que completou 33 anos em 26 de outubro, a audiência pública regional sobre o Plano Diretor Estratégico (PDE), realizada pela Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) naquele dia, na zona leste de São Paulo, foi “um presente de aniversário”. “Se a gente não sair da nossa casa para colocar nossas prioridades agora, por mais dez anos vamos continuar esquecidos”, disse.
Anderson estava entre as cerca de 300 pessoas que participaram do evento, uma das 43 audiências públicas que a CMSP pretende realizar, até o final do ano, para debater o Projeto de Lei (PL) 688/2013, que cria o novo Plano Diretor do Município de São Paulo. Espécie de Constituição do planejamento urbano, o PDE serve para dizer como a cidade vai se organizar para produzir qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento econômico nos próximos dez anos.
Ouvindo 11 milhões
Elaborado pela Prefeitura, o Projeto de Lei foi encaminhado em setembro à Câmara. Com base nos debates realizados nas 43 audiências públicas, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente vai propor um substitutivo ao PL, que deve ser apresentado no início do ano que vem.
A audiência do dia 26, realizada no Centro Educacional Unificado (CEU) Jambeiro, em Guaianazes, foi a primeira das quatro grandes audiências regionais planejadas para o debate do Plano. Além das regionais, voltadas para debater questões mais amplas das zonas norte, sul, leste, oeste e central, as temáticas debaterão temas do PDE, como criação de moradia e proteção ambiental. Haverá, ainda, audiências para abordar questões de cada uma das Subprefeituras.
Não é fácil ouvir uma cidade de 11,8 milhões de habitantes. O vereador Nabil Bonduki (PT), relator do projeto do PDE, que já havia participado das discussões sobre a versão anterior do Plano Diretor, em 2002, reconhece: “É muito difícil fazer um processo participativo numa cidade tão grande”. Por isso, Nabil afirma que é necessário “ter vários instrumentos de participação para garantir que esse é o projeto que a cidade quer”. Além das audiências públicas, a população pode enviar suas sugestões pelo site planodiretor.camara.sp.gov.br.
Planos para a ZL
“Estamos aqui para ouvir o que vocês querem para São Paulo”, disse o vereador Paulo Frange (PTB), membro da Comissão de Política Urbana, dirigindo-se aos moradores da zona leste que foram ao o auditório do CEU Jambeiro. Os vereadores destacaram a importância da participação popular na elaboração do substitutivo. “Quem conhece o lugar é quem mora. Vocês são as pessoas mais indicadas para falar sobre esses assuntos locais”, afirmou o presidente da Comissão, vereador Andrea Matarazzo (PSDB).
Nas falas dos moradores da zona leste, uma das questões mais levantadas foi a necessidade de regularização fundiária. Apenas nos distritos de Lajeado e Guaianazes, cerca de 80% dos lotes são irregulares, segundo dados apresentados no encontro pelo subprefeito de Guaianazes, Alfredo Ennser. A situação dos pequenos comércios, vários deles considerados irregulares pela legislação atual, foi outro tema abordado. O secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando Melo Franco, afirmou que o PDE vai retirar as restrições para uso não residencial que atingem várias ruas da região. “Tirando isso, contribuímos bastante para não haver irregularidade e gerar emprego”, afirmou.
Uma das principais estratégias do PDE é a de levar mais pessoas para morar e trabalhar nos locais próximos às redes de transporte instaladas nas áreas entre os Rios Pinheiros e Tietê – entre elas, a Avenida Jacu-Pêssego, na zona leste. “Queremos que a zona leste cresça tanto quanto o centro de São Paulo”, afirmou o vereador Gilson Barreto (PSDB).
Participantes da audiência reclamaram que os incentivos dados à Jacu-Pêssego poderiam prejudicar o comércio que já existe em Itaquera. “O adensamento da Jacu-Pêssego vai matar o centro comercial de Itaquera”, reclamou a arquiteta Débora Rodrigues, 40 anos, que pela primeira vez esteve numa audiência pública. “Gostei. Agora vou participar de todas. Sou briguenta.”
O relator Nabil Bonduki disse que levaria em conta essa sugestão, entre outras, na elaboração do substitutivo. “Trabalhamos com a informação de que a zona leste é uma região de poucos empregos, mas as questões levantadas aqui nos fazem olhar também para os empregos que já existem”, afirmou.
Nem todas as colocações tinham relação com o Plano Diretor. Os moradores aproveitaram para falar de vários problemas, como violência urbana, falta de creches, o destino do lixo, espaços para idosos, mudanças nas linhas de ônibus. “O pessoal tem muita coisa entalada na garganta. A periferia precisa de desenvolvimento”, disse o desempregado William Ferreira, 33 anos, que ficou sabendo da audiência pela TV. “A gente faz a nossa parte participando. Agora, eles (os vereadores) não podem só ouvir nossa opinião. Têm que colocar na prática, também.”
Protesto e confronto
Nem todas as discussões sobre o Plano Diretor ocorreram com tranquilidade. Em 15 de outubro, uma manifestação de aproximadamente 300 militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) terminou em confronto com guardas civis municipais e PMs na entrada do Palácio Anchieta, sede da Câmara Municipal.
Após a confusão, o presidente da Casa, José Américo (PT), recebeu uma comissão do MTST. Segundo Guilherme Boulos, da coordenação nacional do movimento, o grupo reivindica que, no substitutivo ao Plano Diretor, os vereadores mantenham a demarcação de todas as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) previstas no projeto original da Prefeitura e acrescentem outras.
José Américo disse que as solicitações eram justas e convidou os militantes a participarem das audiências sobre o Plano, afirmando que a Casa está aberta a todos os segmentos da sociedade. “Recebemos aqui dentro até os Black Blocs. Acho que fomos a única instituição que dialogou com eles”, afirmou.