Cuidando do intangível
A capital paulista possui importante patrimônio imaterial e procura formas legais para protegê-lo
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Mozart Gomes/CMSP
São Paulo é a cidade mais rica do País, como é possível perceber vendo as indústrias, o comércio e os serviços oferecidos. Essa lista, no entanto, fica ainda maior com as riquezas não palpáveis do Município, perceptíveis para qualquer morador ou visitante: o sotaque específico de um bairro, uma disputa histórica entre dois times de futebol, um culto religioso e tantas outras características que fazem São Paulo ser o que é. Esse tesouro é formado pelos bens imateriais, também chamados de patrimônio cultural intangível, patrimônio cultural imaterial, cultura tradicional e popular, patrimônio oral ou patrimônio vivo.
Apesar de imateriais, esses bens podem ser protegidos e incorporados oficialmente ao patrimônio. Um dos meios é registrá-los, e neste ano isso ocorreu pela primeira vez em São Paulo com a forma de atendimento da Casa Godinho, armazém localizado no Centro. O procedimento equivale ao tombamento. De acordo com o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), responsável pelo registro, o estabelecimento “mantém o atendimento ao cliente no balcão, direto e pessoal, característico dos antigos empórios de secos e molhados e ainda faz parte do cotidiano de compras de várias gerações de paulistanos, sendo, portanto, uma referência na memória afetiva dos moradores de São Paulo e uma notável referência espacial no Centro da cidade” (saiba mais sobre a Casa Godinho na pág. 22).
Um dos primeiros brasileiros a perceber a necessidade de proteger o patrimônio cultural imaterial foi o escritor paulistano Mário de Andrade. Em seu diário de viagens ao Norte e ao Nordeste do País, publicado no livro O Turista Aprendiz, ele escreveu na noite de 6 de janeiro de 1929, Dia de Reis: “Hoje o Boi do Alecrim [folguedo de um bairro de Natal] saiu pra rua e está dançando pros natalenses”. Andrade descreve a gratidão das pessoas porque ele e Luís da Câmara Cascudo, folclorista potiguar, conseguiram que elas pudessem dançar na rua sem pagar a licença da polícia.
O escritor critica as dificuldades impostas para a realização da festa, dizendo que “civilização brasileira consiste em empecilhar as tradições vivas que possuímos de mais nossas”. Embora concorde que os blocos precisassem tirar licença, “pra controlar as bagunças e os chinfrins [confusões]”, ele lamenta que “essa gente pobríssima, além dos sacrifícios que já faz pra encenar a dança”, ainda pagasse licença. Andrade afirma, ainda, que “seria justo mais é que protegessem os blocos, Prefeitura, Estado: construíssem palanques especiais nas praças públicas centrais, instituíssem prêmios em dinheiro dados em concurso”, a fim de incentivar a tradição. “Pra essa gente seria, além do gozo da vitória, uma fortuna”, conclui Mário de Andrade.
Os bens imateriais são protegidos em várias instâncias. A Convenção pela Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) ressalta a necessidade de “conscientização, especialmente entre as novas gerações, da importância do patrimônio cultural imaterial e de sua salvaguarda”.
No âmbito nacional, a Constituição menciona que entre os bens culturais incluem-se “as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver” e deixa claro que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. Já a Lei Orgânica de São Paulo afirma que as medidas de preservação adotadas pelo Município deverão abranger “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente, ou em conjunto, relacionados com a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade”.
Material e/ou imaterial
A divisão entre bem imaterial e material não é consenso entre os especialistas em políticas culturais. O antropólogo Edgard de Assis Carvalho, ex-presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), da Secretaria Estadual de Cultura, acha absurda essa separação. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito do Cine Belas Artes, criada pela Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), ele chamou a atenção para o caso do acarajé, que o governo federal declarou ser um bem imaterial. “Como se para fazer um acarajé não precisasse pegar o feijão; e também tem as mulheres que cozinham o feijão”. Por isso, muitos pesquisadores utilizam o termo paisagem cultural, unindo os conceitos de bem material e imaterial.
Entretanto, Rogério Menezes, pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Ministério da Cultura, ressalta no livro Os Sambas, as Rodas, os Bumbas, os Meus e os Bois, de sua autoria, que “se do ponto de vista conceitual, a distinção entre patrimônio material e imaterial é discutível, do ponto de vista da preservação, essa distinção se mostrou necessária”.
Para proteger um bem imaterial, existem três instrumentos básicos: mapeamento e inventário de referências culturais, registro e ação de salvaguarda. O primeiro se divide em três fases, o levantamento preliminar, a identificação e a documentação. O especialista do Iphan explica em seu livro que o mapeamento e inventário procura “descrever e documentar cada bem imaterial identificado como referência cultural significativa para os grupos sociais relacionados a um território ou tema cultural”. Com isso, segundo ele, é possível compreender os processos de formação histórica, produção, reprodução e transmissão que caracterizam tais bens, assim como as condições, os problemas e os desafios para sua continuidade.
Segundo Menezes, nessa fase da pesquisa é muito importante a participação dos detentores, transmissores e usuários dos bens culturais, não apenas como informantes, mas também como intérpretes dos sentidos e valores atribuídos a esses bens e como agentes das ações de salvaguarda.
Após o inventário, há o registro, instrumento legal que viabiliza a constituição do repertório de bens culturais que integram o universo do patrimônio cultural a ser reconhecido, preservado e valorizado pelo Poder Público. O procedimento é realizado juntamente e em complementação ao tombamento. O pesquisador do Iphan explica que o registro equivale ao tombamento: “tombam-se edificações, sítios e objetos; registram-se saberes e fazeres, celebrações, formas de expressão e lugares”. Segundo Menezes, como não é possível assegurar a integridade física do bem imaterial por meio de fiscalização e procedimentos de conservação e restauração, “o objetivo do registro é propiciar sua continuidade, com base na produção de conhecimento, documentação, reconhecimento, valorização, apoio e fomento”.
Já o plano de ações de salvaguarda envolve o apoio à transmissão dos saberes e habilidades relacionados ao bem cultural; a promoção e divulgação do bem cultural; a valorização de mestres e executantes; a melhoria das condições de produção, reprodução e circulação; e a organização dos detentores e de atividades comunitárias.
Mozart Gomes/CMSP
Uma ação de salvaguarda, às vezes, pode ser simples. A pesquisadora Natália Guerra Brayner, do Iphan, no livro Patrimônio Cultural Imaterial: Para Saber Mais, conta o caso da renda bico de singeleza, feita em Marechal Deodoro (AL). Em 2003, a população da cidade estava preocupada, pois apenas uma senhora, dona Marinita, já bastante idosa, sabia produzir essa renda. Foram realizadas, então, oficinas de aprendizagem do bico de singeleza ministradas por dona Marinita para outras mulheres. Depois, a renda passou a ser feita por um número maior de artesãs, garantindo a permanência desse bem cultural.
Menezes faz questão de destacar que um plano de salvaguarda “deve respeitar e valorizar os modos de expressão, de transmissão e de organização próprios das comunidades envolvidas”, condição fundamental para a continuidade desses bens culturais. Para o pesquisador, os planos devem visar, a médio e longo prazos, à gestão autônoma da salvaguarda desses bens culturais por parte de seus detentores e produtores.
Bem paulistano
Em 2007, por projeto apresentado pelo então vereador Chico Macena (PT), foi criado o Programa Permanente de Proteção e Conservação do Patrimônio Imaterial do Município de São Paulo. Pela lei, as propostas para registro têm de ser dirigidas ao Conpresp. O órgão, composto por nove integrantes, com representantes da Prefeitura, CMSP e sociedade em geral, analisa e decide sobre a solicitação. Pelas regras do programa, um bem que for declarado patrimônio terá seu título reavaliado de dez em dez anos e poderá perder a distinção, caso não existam mais as características que o levaram a ser protegido.
No Conpresp, estão sob análise outros pedidos de registro de bens imateriais, como a Festa de San Genaro (na Mooca), as Trovas Acadêmicas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, o dérbi paulistano (o jogo de futebol entre Corinthians e Palmeiras), o sotaque da Mooca, o cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João, o virado à paulista, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (no Largo do Paiçandu) e a Festa do Divino (na Freguesia do Ó).
A socióloga Fátima Antunes, que trabalha no Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal de Cultura, explica que os pedidos para que um bem seja registrado podem ser encaminhados ao Conpresp pela Prefeitura, por associações civis e pelos próprios munícipes, desde que seja por intermédio de um abaixo-assinado com, no mínimo, 10 mil assinaturas.
Angelo Dantas./CMSP
Alguns projetos de vereadores paulistanos sobre o registro de bens imateriais estão sendo analisados pela Câmara Municipal: o culto evangélico, a umbanda, as feiras livres e a obra de Adoniran Barbosa. “O brasileiro tem memória curta, por isso é importante garantir que as músicas desse gênio sejam conhecidas pelos jovens”, justifica o vereador Toninho Paiva (PR), que apresentou um projeto sobre a obra de Adoniran. Caso os projetos sejam aprovados, serão encaminhados ao Conpresp.
A presidenta do Conpresp, arquiteta Nádia Somekh, admite que, tendo uma equipe tão pequena, é difícil tratar tanto dos bens imateriais quanto dos materiais. “Não temos fôlego para analisar os pedidos, somos apenas 17 pessoas”, afirmou. O representante da Câmara no Conselho, vereador Adilson Amadeu (PTB), também lamenta que o órgão tenha tão poucos funcionários. “Eles estão sobrecarregados”, enfatizou. Ele defende que haja concurso público para a contratação de servidores para cuidar do patrimônio cultural.
Natália Guerra Brayner, do Iphan, no livro Patrimônio Cultural Imaterial: Para Saber Mais, ressalta que o cuidado com os bens intangíveis não deve ser apenas do Poder Público. Entre as sugestões para que um cidadão comum ajude a preservar riqueza que é de todos, ela aponta: ensinar aos filhos o valor dos bens culturais, procurar conhecer e valorizar os mestres e artistas locais, envolver-se na luta pela preservação dos patrimônios ameaçados de desaparecimento e acompanhar as ações dos órgãos governamentais em prol da preservação das manifestações culturais locais.
Entrevista
Nádia Somekh é diretora-geral do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), da Secretaria Municipal de Cultura, e presidenta do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Nos dois órgãos, ela pretende agilizar a análise dos processos de tombamento e registro e propõe que o novo Plano Diretor democratize a proteção ao patrimônio histórico.
Como a Prefeitura de São Paulo pode proteger um bem imaterial?
Nádia Somekh: A ideia é fazer um registro, porque não tem como proteger de outra forma. O bem imaterial tem uma vida. Ele precisa ser registrado e, eventualmente, até o movimento de transformação também precisa ser preservado.
Como o Conpresp está realizando os registros?
Existem muitos pedidos, mas precisamos ser seletivos, pois a equipe é muito reduzida. Vamos precisar de esforço para registro desses bens imateriais e já temos um trabalho imenso com os bens materiais. Percebemos que existem estabe-lecimentos comerciais notáveis e pratos de São Paulo que necessitariam do registro de bem imaterial, como a Fidalga, a Chapelaria Paulista, o filé do Moraes, o sanduíche de pernil do Estadão, o bauru do Ponto Chic e outros. Mas a gente tem de ter uma equipe para fazer isso.
De que forma ocorre o processo de registro?
Como é uma novidade, ainda não temos um procedimento consagrado. Temos de regulamentar, mas dentro da formulação da política de preservação do patrimônio histórico. Queremos tratar o patrimônio de uma forma compreensiva e mais ampla do que vem sendo tratado. O balanço que a gente fez é que o patrimônio é tratado com ações fragmentadas. A gente quer democratizar para a população o acesso aos bens. O patrimônio é uma herança, então a população é que tem de saber, mais do que os detentores do conhecimento técnico, o que é para ser protegido.
Tem alguma sugestão para o Plano Diretor?
Queremos incentivar a descentralização, criar uma sala em cada subprefeitura para acolher o desejo da população em relação ao tombamento de bens materiais e registros do patrimônio imaterial, além de um plano de salvaguarda. Isso nos ajudaria no registro, pois se a própria população puder fazer, facilita a proteção. É importante que o cidadão também seja responsável pelo registro. As salas poderão democratizar ainda mais o processo de preservação da memória da cidade. Essa é uma proposta que o Conpresp e o DPH da Secretaria de Cultura vão apresentar.
O que muda após o registro de bem imaterial?
Na prática, não muda nada. Mas fica registrado, não vai se perder, ninguém vai esquecer.
Como analisa as críticas de que o Conpresp seria pouco democrático e transparente?
Acho que o conselho é bastante democrático à medida que ele se dispõe a receber todas as iniciativas. Eu recebo todo mundo, quem quer se manifestar. Insisto que o Conpresp mantenha a composição atual porque sou uma pessoa muito objetiva e pragmática, e gosto de trabalhar com resultados. Maior do que ele está, fica que nem o Condephaat, com 26 conselheiros, mas que tem bem mais lentidão.
De que forma seriam essas salas?
Seria um escritório nas subprefeituras, como uma sala de informações turísticas. Essa ideia eu peguei em Quito, capital do Equador. Eles têm uma rede de descentralização e há um local aonde o munícipe pode levar um projeto de tombamento, de registro. Mas não é só jogar para o Poder Público resolver o problema. Temos de compartilhar essa salvaguarda. No Uruguai eles têm uma tradição de registrar o bem imaterial e o valorizam por meio de guias turísticos, que mostram os pontos importantes do país.
Existe solução para o Cine Belas Artes?
O tombamento é um instrumento limitado. A fachada do cinema está tombada pelo Condephaat, mas as salas continuam fechadas. Ou seja, não resolveu o problema. O que precisamos é de uma solução. Que seja privada, com o proprietário do prédio utilizando aquele espaço com o que a sociedade está pedindo: salas de cinema. Ou o Poder Público resolve. Eu gosto muito da mobilização popular pela sua memória, pela sua história. Mas a gente precisa trabalhar pra ter resultados. Sou pragmática e me abstive de votar pelo tombamento porque achava que não era a melhor solução. É preciso uma negociação, o local está fechado e o proprietário está perdendo dinheiro.
Uma experiência multisensorial
Entrar na Casa Godinho ativa a memória afetiva e histórica sobre a cidade de São Paulo. São peças de bacalhau expostas logo na entrada, garrafas de cachaça e vinho em prateleiras de imbuia, potes de grãos, temperos a granel, balança antiga, empadas consideradas as melhores da cidade e muitos outros produtos típicos de um armazém de secos e molhados. Tudo isso em uma loja que funciona no mesmo endereço desde 1924.
“É impressionante a quantidade de idosos que se emocionam e dizem ‘eu vinha aqui com meus pais quando era criança’”, conta com orgulho o proprietário da Godinho, Miguel Romano. “Alguns achavam até que ela não existia mais.”
Esse patrimônio foi reconhecido pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), que justificou assim a decisão de declarar a Casa Godinho como primeiro bem imaterial da cidade: “É um dos raros remanescentes de um tipo de estabelecimento comercial que predominou em São Paulo entre o final do século 19 e meados do século 20, especializado na venda de secos e molhados e preferencialmente mantido por imigrantes de origem portuguesa e seus descendentes”.
A Casa Godinho foi fundada em 1888 pelo português José Maria Godinho, na Praça da Sé, sendo transferida depois para a Rua Líbero Badaró, 340, no centro de São Paulo, onde funciona até hoje. O fato de o empório manter a mesma ambientação da época e comercializar basicamente os mesmos tipos de produtos também pesou na decisão do Conpresp.
Segundo Romano, a loja não faz propaganda e sua fama vem do boca a boca. Depois da decisão do Conpresp, anunciada em janeiro, o número de clientes aumentou. De acordo com o proprietário, nunca houve intenção de alterar a caracterização do estabelecimento, mas mudar era uma opção. Com o registro de bem imaterial, “agora é uma obrigação manter a tradição”.
Apesar de comprar na Casa Godinho ser uma viagem ao passado, o estabelecimento se prepara para o futuro: tem site, Facebook e Twitter e está ampliando seu espaço, mas sem perder as características. “Eu ficaria muito chateado se, em 2023, quando o Conpresp fizer a revisão, a gente perder esse título”, afirma Romano
CPI tenta salvar o Belas Artes
Em 2012 ocorreu um fato raro em qualquer Câmara Municipal do Brasil: uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada para tentar salvar um cinema. Vereadores se reuniram para tentar salvar o Cine Belas Artes, considerado por muitos paulistanos como um símbolo da agitação cultural da cidade.
Desde 1943, o cinema funcionava na Rua da Consolação, perto da Avenida Paulista. Com uma programação diferente da dos cinemas de shopping, o Belas Artes atraía cinéfilos. Mas em 2011 ele foi fechado porque seu proprietário não chegou a um acordo com o dono do prédio sobre o aluguel.
A população se mobilizou, foi fundado o Movimento pelo Belas Artes e abaixo-assinados totalizaram quase 100 mil assinaturas. O Poder Público começou a analisar a questão. O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp), baseado em um parecer da Procuradoria Geral do Município (PGM), decidiu que não iria tombar o cinema, alegando ser juridicamente inviável porque o tombamento pelo uso seria inconstitucional. Segundo o procurador Antonio Miguel Aith Neto, da PGM, o procedimento não teria, “por si só, o condão de reanimar a atmosfera do cinema, recriar o clima de inquietação intelectual, inspirar o alumbramento dos frequentadores”.
Já o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) tombou apenas a fachada do cinema, o que não garantiu o funcionamento do Belas Artes, que continua fechado.
A CMSP resolveu agir. A CPI do Belas Artes ouviu representantes do Conpresp, do Condephaat, do Ministério da Cultura e do Movimento pelo Cine Belas Artes. Também compareceram às reuniões o promotor Washington Luís Lincoln de Assis, autor de uma Ação Civil Pública em defesa do cinema, assim como seu proprietário, André Stum. O dono do imóvel, Flávio Maluf, foi convidado, mas não foi a nenhuma reunião.
A CPI concluiu que “para a preservação do Cine Belas Artes como patrimônio cultural do povo paulistano são imprescindíveis a desapropriação do imóvel pelo Poder Público Municipal e a realização de parceria público-privada para exploração comercial do imóvel expropriado nos moldes como, por décadas, funcionou o Cine Belas Artes”.
O relatório final da CPI também afirma que é preciso mudar a lei para obrigar o Conpresp a adotar “um regimento interno que confira maior transparência a suas reuniões e decisões”. Por fim, a Comissão ainda recomendou que a Prefeitura registrasse o Cine Belas Artes no Programa Permanente de Proteção e Conservação do Patrimônio Imaterial.
O texto foi aprovado pelos os membros da CPI: o presidente Eliseu Gabriel (PSB), o relator Floriano Pesaro (PSDB), Abou Anni (PV), Chico Macena (PT), Juscelino Gadelha (PSB) e Marta Costa (PSD), exceto o vice-presidente, Marco Aurélio Cunha (PSD).
Cunha explicou sua decisão: “Entendo que a desapropriação de um imóvel privado é um pouco forte demais para a gente colocar como uma obrigatoriedade ou grande sugestão”. E concluiu: “Acho perigoso indicar utilidade pública e desapropriação de uma propriedade em função de um conteúdo que é maravilhoso, mas um tanto quanto intangível”.
NA FILA DE ESPERA
Candidatos a bens imateriais de São Paulo
- Cruzamento das avenidas Ipiranga e São João
- Sotaque da Mooca
- Culto Evangélicio
- Festa de San Genaro (na Mooca)
- Irmandade de N. Sra. do Rosário dos Homens Pretos (no largo do Paiçandu)
- Trovas acadêmicas do largo São Francisco
- Umbanda
- Dérbi paulistano (Corinthians X Palmeiras)
- Festa do Divino (na Freguesia do Ó)
- Obra de Adoniram Barbosa
- Feiras livres
- Virado à paulista
SAIBA MAIS
Livros
Os Sambas, as Rodas, os Bumbas, os Meus e os Bois. Rogério Menezes. Iphan, 2010. Disponível em www.iphan.gov.br
Patrimônio Cultural Imaterial: Para Saber Mais. Natália Guerra Brayner. Iphan, 2007. Disponível em www.iphan.gov.br
Documentos
Relatório da CPI do Cine Belas Artes. Disponível em www.saopaulo.sp.leg.br