Rui Tavares Maluf
“Há vereadores que podem dar uma dinâmica diferente à cidade”
Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br
Gute Garbelotto/CMSP
Para o cientista político Rui Tavares Maluf, a sociedade paulistana começa a se conscientizar e a cobrar soluções para a cidade, o que é fundamental para haver uma geração de vereadores mais engajados. Apesar disso, Maluf acredita que a classe média ainda não cobra os políticos como deveria e os estímulos vindos dos cidadãos não serão suficientes para aumentar significativamente a quantidade de mulheres na política.
Maluf, autor dos livros Amadores, Passageiros e Profissionais: Carreira Política na Câmara Municipal de São Paulo e Prefeitos na Mira: Análise Política dos Processos de Afastamento dos Prefeitos Paulistas, é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Ele recebeu a reportagem da revista Apartes em seu escritório, na capital paulista, para falar sobre os desafios e perspectivas da carreira de vereador na cidade.
Qual cenário encontra quem quer entrar para um partido e fazer carreira no Legislativo municipal?
Rui Tavares Maluf: A exceção é alguém se dedicar a fazer a vida pública na cidade de São Paulo. Para muitos, a ideia de ingressar é até desmotivadora, porque os custos são muito altos e praticamente não temos partidos organizados, estruturados na sociedade. O PT talvez hoje seja o único, um pouco o PSDB, o PMDB. As coisas ficam muito dependentes da sorte de cada um. Quando o partido está no poder, se o candidato esteve no Executivo, você compensa isso: um secretário municipal que vai disputar o cargo de vereador tem mais visibilidade. Por menos que os partidos possam representar claramente programas de governo e ideologias, ainda assim seria de bom tom que o interessado em um cargo eletivo procure os que têm uma história, para bem ou para mal. Não estou entrando em juízo de valor, mas os partidos que hoje elegem presidente da República, vice-presidente, senador, governador, deputado, ou seja: PT, PMDB, PSDB e os partidos de porte médio que gravitam ao redor deles, como PTB e PDT, são os que têm alguma história. Não foram criados no estalo, de última hora, apenas para atender a uma liderança, um grupo particular. O aspirante deve verificar até que ponto seu pensamento guarda alguma relação com o que os partidos pregam em seus estatutos ou por meio de suas principais lideranças. Não é uma situação fácil, porque o Brasil não se preocupa muito em alinhar a política partidária descrita nos estatutos com o que os partidos fazem na vida pública.
E se o aspirante se identificar com partidos pequenos ou jovens?
O filtro para alguém fazer a escolha não é tanto o tamanho do partido. Se o partido é pequeno, mas representa uma corrente de opinião legítima da sociedade, seu tamanho não é documento. Se o partido é jovem, só deve seduzir se seu programa e suas bandeiras foram desfraldados em função de temas convincentes e não veio apenas para compor com os partidos maiores, sem perspectiva de mudar a cidade. O que acontece é que a cada dez partidos que nasceram nas últimas décadas, oito praticamente surgiram tão somente por questões de natureza eleitoral, descolados de qualquer questão programática. Também conta um pouco a idade, mas um partido que nasce desfraldando bandeiras, geralmente antes era um movimento social importante. Foi assim com o antigo MDB, depois PMDB, com a bandeira da redemocratização muito forte. O PT também surgiu assim e o PSDB mais ou menos assim, porque era uma dissidência do PMDB. Eram ligados a questões de fundo da sociedade brasileira e não à questão de ser ou não eleito.
Como o aspirante se prepara?
Historicamente, não há um curso organizado de formação para essa finalidade. Em parte, o preparo resulta da vivência. Nesses casos, o preparo de liderança e conhecimento das políticas públicas se dá pela ligação com problemas comunitários da área onde vive. Isso acontece, sobretudo, em segmentos de baixa renda, em que os casos concretos são um grande laboratório. Curiosamente, muitos segmentos da classe média que têm mais oportunidade de educação estão de costas para isso. Quando o indivíduo começa a se interessar pela política, quer logo ser eleito, sem ligação maior com seus valores, sem questionar qual partido combina mais consigo. É uma naturalização do jogo. Mas, grosso modo, tem havido cursos com essa finalidade, circunstanciais e outros que vão sendo estruturados. Pela experiência que tenho como professor, os alunos mais jovens desses cursos querem entrar na política pela via eleitoral. Um terço estuda por conveniência, para atender a demanda de promoção por já estarem empregados no setor público.
A complexidade de São Paulo pode enterrar a carreira dos políticos locais, como disse o prefeito Fernando Haddad?
Certamente. Se a pessoa, ao entrar para a vida política, não se prepara, é mais do que justo. Se uma família responsável quer que seu jovem seja bem-sucedido, a recomendação é que ele se prepare para chegar ao cargo de diretor de uma empresa. Por que seria diferente para a política? Se a gente admite que a função pública é até mais nobre, porque lida com o que é de todos, deveríamos esperar que as pessoas fossem muito mais preparadas. Não quero que isso se confunda com uma visão preconceituosa. Temos o direito, como cidadãos ou estudiosos, por estarmos na terceira década contínua de democracia, de cobrar mais preparo dos políticos, sobretudo de quem quer entrar na política. Se uma pessoa preparada terá dificuldades para encaminhar vários dos nossos problemas, imagina quem chega sem qualquer preparo. Quando muito, vai aprender alguma coisa no transcorrer do seu mandato. Muitos outros dificilmente terão chance de reeleição. E, mesmo assim, estou cansado de ver vereadores, não só na capital, mas pelo País, em terceiro ou quarto mandato, com uma compreensão muito pequena de seu município, muito mais ligada a interesses pequenos, nem sempre reprováveis moral e eticamente, mas menores, localizados, apenas da sua base eleitoral. São legítimos, mas o político precisa ter uma visão global da cidade. E esse é um desafio interessante para São Paulo, porque, tirando algumas funções que um município obviamente não tem, como Exército ou uma Justiça própria, a complexidade de nossa cidade é maior do que a de muitos países próximos do nosso. Esse deveria ser um elemento sedutor para quem quer entrar na política, mas ao mesmo tempo de alerta: para começar por São Paulo é preciso se preparar melhor. Três coisas devem aparecer em um exame de consciência para que o interessado em se candidatar faça um trabalho com seriedade: pensar no partido e conhecê-lo; conhecer os problemas de sua cidade minimamente e estudar as leis que a regem, partindo da Lei Orgânica do Município.
Qual sua opinião sobre a renovação na Câmara Municipal de São Paulo?
Se tivermos como base 1982, ano da primeira eleição democrática para a Câmara paulistana após a ditadura de 1964, a taxa de renovação vem diminuindo. Se você comparar os vereadores da legislatura que terminou em 2012 com a que tomou posse em 2013, até há renovação, mas, sendo mais rigoroso e considerando apenas quem se elegeu pela primeira vez, a renovação tende a cair muito.
Por um lado, São Paulo é um município interessante para fazer uma carreira política. Por outro são apenas 55 cadeiras. Se muita gente permanece sendo reeleita por muito tempo, desestimula outras pessoas. E a idade média dos nossos vereadores tem subido absurdamente. Não é um fenômeno só paulistano; no Rio é a mesma coisa e é preocupante. Não tenho nada contra os mais velhos, mas temos que abrir espaços para outros também contribuírem e serem nossas futuras lideranças. Tem que haver um equilíbrio. O ideal seria a metade se renovar e a outra metade do Parlamento permanecer. Reeleger as figuras que merecem e substituir aqueles que não deram conta do recado. O novato interessado em um cargo eletivo deve torcer para que a cidadania se torne minimamente mais preocupada com essa cidade. Não depende só dele, nem só dos partidos políticos, mas de uma tomada de consciência da sociedade, de quanto ela é responsável pelos acontecimentos.
Se a sociedade cobra os valores errados, os políticos estão se preparando para dar os valores errados também?
Não é tão mecânico, mas é um pouco o que você está dizendo. Há uma linha de transmissão. Se a sociedade está de costas para tudo, a gente colhe esses frutos podres. Vejamos a nossa cidade, que há uns 15 anos era razoavelmente limpa para seu tamanho e hoje é imunda. Imaginar que a sujeira é o resultado simplesmente de moradores de rua que abrem os sacos de lixo é uma ingenuidade atroz. Já fiz monitoramentos que mostram que todos os grupos da cidade a sujam. É curioso. As pessoas estão sempre reclamando de enchentes. Será que só as grandes obras resolveriam o problema das enchentes? Isso sem falar do custo econômico e ambiental de toda essa sujeira. O que me incomoda é ver que estamos, na Câmara Municipal de São Paulo, com uma bagagem de várias legislaturas acumuladas, tendo como referência a redemocratização, e sentimos dificuldade de ter uma vereança mais contundente assumindo isso. Temos bons vereadores, mas, provavelmente, alguns estão em uma zona de conforto porque boa parte da cidadania está indiferente, sobretudo nas classes médias.
Qual a tendência para as manifestações da sociedade e as respostas do Legislativo municipal?
Estamos na iminência de uma hecatombe urbana. Mas verificamos sinais positivos vindos de grupos da sociedade que começam a interagir de forma mais continuada com os poderes municipais e que podem contribuir para que a Câmara seja não só uma caixa de ressonância dos problemas da cidade, mas um elemento de articulação com o Poder Executivo. A questão da mobilidade, por exemplo, afetou ricos e pobres. Temos a maturidade de saber que não é pelo movimento de ciclistas que resolveremos o transporte, mas é um caminho importante e dá vida à discussão, além de forçar outras. Porque leva a pensar em uma cidade mais articulada. A questão de planejamento urbano, de qualidade de vida, integrada à dinâmica econômica da cidade, é a palavra-chave para São Paulo. Alguns outros grupos sociais têm se articulado de modo a nos dar a esperança, junto a um determinado perfil de vereadores que têm chegado à Câmara, de que as coisas podem começar a ser diferentes. Tenho notado que, em pelo menos quatro partidos, há vereadores de primeiro mandato que podem dar uma dinâmica diferente à cidade, sabendo relacionar melhor os movimentos que estão aparecendo. O discurso de alguns parlamentares vem resultando de coisas mais interessantes que estão acontecendo na cidade.
Dos três perfis mencionados no livro, o senhor vê representantes na atual legislatura municipal?
Sim, há amadores, passageiros e profissionais. É uma questão sociológica. Os profissionais são evidentes, são os que ficaram na Casa. Os que retornaram, após um tempo afastados, estão mais para o grupo dos passageiros no nível do poder municipal, onde ficam no máximo três mandatos. Mas são profissionais da política. Os amadores são os que não conseguem ser reeleitos ou nem tentam; abandonam a carreira se perdem a eleição.
Como o senhor vê a eleição de celebridades?
Em alguns momentos são jogadores de futebol, em outros são apresentadores de televisão ou atores. Em princípio, nada contra. Não é porque alguém é uma celebridade que não tem o direito de disputar. Mas simplesmente ser uma celebridade não credencia a ser eleito. É um fenômeno mundial que se torna mais forte quando o sistema político é mais permissivo: se há partidos políticos frágeis, que na maior parte de sua vida pública se pautam mais por ganhar eleições e ocupar cargos, em detrimento de ter metas e princípios importantes para a sociedade; se há combinação de voto proporcional com lista aberta. Não há solidariedade entre os candidatos do partido. Isso tudo potencializa que as celebridades, no seu aspecto menos nobre, tenham mais chances do que outros. Há algumas com muito a agregar à vida pública e seriam bem-vindas. Mas uma celebridade com ligação com a vida política, independentemente de ter ou não mandato, já é conhecida por seus posicionamentos e sua eleição não surpreende, como acontecia na época da ditadura. O exemplo do deputado federal Tiririca mostra que as pessoas também podem usar seu voto de modo crítico, em vez de anular, elegendo alguém que é motivo de chacota. Assim, o voto na celebridade pode ser uma válvula de escape, para protestar contra algo ruim.
Qual sua perspectiva quanto à idade e à participação feminina entre os próximos vereadores?
Para mim será uma surpresa se as mulheres aumentarem significativamente a sua presença. Em São Paulo há pouca participação feminina na vida pública e isso não se deve ao machismo, porque na iniciativa privada as mulheres de diferentes segmentos estão mandando, com participação crescente na produção de riqueza e divisão de responsabilidades. No inconsciente de muitas mulheres pode não haver razão para se dedicar a uma atividade que a sociedade reprova, já que a vida pública é vista negativamente por quase todos. A mulher seria compreensivelmente mais sensível a esse julgamento; as coisas são mais custosas para ela, que vem adiando casamento, maternidade. Se elas veem que há possibilidade de retorno remuneratório e reconhecimento, isso não vem muito da vida pública. A mulher que vai para a vida política é a que tem fortes convicções ideológicas, em geral ligadas aos partidos mais à esquerda. Em São Paulo nós tivemos, lamentavelmente, uma experiência negativa, na fase democrática recente, da participação de mulheres na Câmara. Talvez elas tenham sido uma referência negativa para outras tantas. Tivemos mulher com mandato cassado por improbidade, vereadora presa e vereadora com atitudes desonestas, ainda que tenha conseguido manter o mandato na época. A igualdade vem com esses aspectos negativos. Nas regiões do Brasil consideradas mais machistas e onde o emprego público exerce papel maior na empregabilidade, porque a dinâmica econômica é menor, a tendência é haver participação significativa de mulheres na política, inclusive no Executivo. Em alguns lugares a vereança é um salário, é uma questão de sobrevivência, um emprego com pagamento garantido. O Rio de Janeiro não está nesse perfil, mas conta com participação feminina também grande por ter sido capital federal e ter mantido lá importantes instituições federais públicas.
O senhor diz que a maioria dos vereadores começa e termina a carreira na Câmara. A que se devem os casos dos que se tornaram deputados, senadores, prefeitos e até presidentes?
Acredito que o sentido pessoal de missão seja um elemento comum, uma predestinação a algo muito mais amplo. Isso também ocorre em função de outras permissividades dos partidos, das conveniências de buscarem recrutar nomes às pressas sem cuidado com a relação entre as figuras e os partidos. A busca às pressas facilita que sejam eleitas figuras menos comprometidas, com baixíssimo apego ao partido político.
Como se explica a profissão vereador para uma criança ou um adolescente?
Eu até aceito o termo profissão porque na democracia não há como fugir dessa realidade. Você dificilmente tem a possibilidade de alguém se dedicar à vida pública se ela não vira uma profissão. Há custos financeiros, pessoais, emocionais e intelectuais envolvidos. A vida pública pode ser ingrata, pode expor a pessoa pública a acusações injustas, pode maximizar pequenos erros mais do que em qualquer outra área profissional, sem contar o risco de perder uma eleição quando se imaginava que estava ganha. Se por um lado há dificuldades para a eleição de um vereador, sobretudo na cidade de São Paulo, o Legislativo municipal é o grande laboratório de uma experiência política por lidar com questões mais objetivas, menos etéreas do que as de ordem federal e estadual.
A vida pública é de uma importância incomparável, pois aqueles que tratam formalmente de toda uma sociedade são figuras que, quando honestas e bem preparadas, sempre terão razão em seu íntimo para perceber que são relevantes para a sociedade. Cabe a nós, cidadãos, polirmos essa profissão, dedicarmos a ela carinho e respeito. É isto que eu diria a uma criança, um neto que quisesse ser vereador: reflita bem antes, tenha clareza do que isso significa, esteja moralmente e eticamente bem preparado. Saiba se o desejo está ligado à vocação ou é algo efêmero, passageiro, uma curiosidade. Se decidir entrar, dê o melhor de si, saiba que o fato de ter reveses não deve levar você a desistir, mas não seja um obcecado pelos cargos. A pessoa tem de ter um despojamento porque são da própria mecânica do processo democrático essas escolhas que levam pessoas com boas qualificações e com bom histórico de realizações a não serem eleitas. O povo pode errar ou pode ter uma sabedoria que não fomos capazes de captar em uma decisão.
REQUISITOS PARA SE CANDIDATAR A VEREADOR
- Ter pelo menos 18 anos
- Ser alfabetizado
- Ser brasileiro nato ou naturalizado
- Estar em pleno exercício
- dos direitos políticos
- Ter feito o alistamento eleitoral
- Votar na mesma cidade em que quer ser eleito
- Estar filiado a um partido pelo menos um ano antes das eleições
- Não estar cumprindo serviço militar obrigatório
- Não se enquadrar nas características de inelegibilidade da Lei Complementar (LC) 64/1990
Sugestão de leitura do professor Rui Tavares Maluf aos aspirantes à carreira política:
SAIBA MAIS
Livro
Rui Tavares Maluf. Editora Biruta. 2010.