Nº16 – Direitos humanos

Questão de gênero, questão de gente

Medidas para combater preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais enfrentam polêmica dentro e fora da Câmara

Fausto Salvadori | fausto@saopaulo.sp.leg.br

ASSASSINADA – Zilda e Jackson, pais de Laura (no destaque): família destruída pela transfobia

Ricardo Moreno/CMSP

Laura Vermont adorava se ver espelhada nas selfies. Dia sim, dia também, enchia as redes sociais com imagens da mulher alegre e baladeira que adorava fazer carão na câmera frontal do celular para sambar de salto 15 nas invejosas. “Laura, tu é um abuso”, escrevia. Tinha orgulho de ser como era: linda, loira e travesti. Mais do que tudo, tinha orgulho dos pais, a quem “agradecia a Deus de joelhos por serem tão maravilhosos”. Com muitos emoticons de coraçõezinhos.

Quando olhavam para a filha, Zilda Laurentino, 50 anos, e Jackson de Araújo, 44, viam a criança que sempre amaram, fosse na forma do menino que criaram nos primeiros anos de vida, fosse como a menina que se tornou aos 14 anos, quando passou a usar vestidos e adotou o nome de Laura Vermont. “No começo foi um pouco de choque, depois achei normal. Era minha filha”, conta Jackson. Já a sobrinha Yasmin, uma fofura de 5 anos, via nela a “tia Laula”, com quem brincava de dançar e compartilhar maquiagem.

OPORTUNIDADE – Luana (à esquerda) aposta num futuro melhor, graças ao programa Transcidadania

Fábio Lazzari/CMSP

Mas tinha quem olhasse para Laura Vermont sem conseguir vê-la. Começou na escola. Professores enxergavam nela um menino e a chamavam pelo nome masculino da lista de presença, o que para ela era o mesmo que receber um tapa na cara. Alguns alunos viam em Laura alguém que não era nem Adão, nem Eva, e que por isso merecia ser xingada em bando e até esmurrada na hora da saída. Os pais trocaram Laura de colégio, mas as mesmas cenas se repetiram. Com 16 anos, abandonou a escola.

Na madrugada de 20 de junho deste ano, cinco jovens olharam para Laura e viram algo que nem merecia viver. Cercada pelo grupo na Avenida Nordestina, na Vila Nova Curuçá, zona leste de São Paulo, quando voltava a pé para casa, ela levou chutes, murros e, por fim, pauladas. Socorrida pelos pais, morreu no pronto-socorro. Tinha 18 anos.

Ao chegar nesse ponto da história, Zilda desaba. Não está mais falando com o repórter, mas com Deus: “Oh, meu Pai do céu, até quando isso? Fala para mim…”, pede. “Milhares de mães e pais estão passando o mesmo que nós. Tem que haver um meio de acabar com esses preconceitos doidos.”

DIREITO AO NOME

Os ódios que atingem gays, lésbicas e transgêneros, chamados de homofobia, lesbofobia e transfobia, promovem um massacre com centenas de mortos todos os anos. Só em 2014, esse sentimento cheio de nomes matou 326 pessoasno País, segundo um levantamento feito pela organização não governamental (ONG) Grupo Gay da Bahia. Uma morte a cada 27 horas.

ARTICULADOR – Felipe Nery, na galeria do Plenário: ele percorreu 600 cidades combatendo a “ideologia de gênero”

André Bueno/CMSP

O combate a todos esses “preconceitos doidos” entrou na lista das leis aprovadas na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) em 1999, quando o então vereador Vicente Viscome transformou 28 de junho em Dia do Orgulho Gay. Há dois anos, o tema entrou novamente no calendário oficial da cidade, com a criação do Dia Municipal de Combate à Homofobia, Lesbofobia e Transfobia, celebrado em 17 de maio e proposto pelo ex-vereador Floriano Pesaro (veja outras iniciativas sobre o tema no box no final da página).

Em 2010, outra conquista veio com a Lei 15.281, projeto do então vereador Carlos Neder, que obrigou os serviços municipais de saúde a chamar travestis e transexuais por seus nomes sociais – aqueles com os quais as pessoas se identificam, e não os das certidões de nascimento. “Incluímos a questão do nome social porque várias pessoas, ao adentrarem as unidades de saúde, muitas vezes ficavam constrangidas pela maneira como eram tratadas, em desacordo com a compreensão do seu corpo e da sua sexualidade”, explica Neder.

Para quem se identifica com determinado papel de gênero, masculino ou feminino, ser tratado por um nome de outro gênero pode ser muito doloroso. “Tinha uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial) perto de casa, mas eu ficava doente e não ia. Não queria ser chamada pelo meu nome de registro na frente dos outros”, conta Michele Carvalho, 32 anos, que depois dos 13 abandonou o nome masculino, que não combinava com o rosto de mulher que via no espelho.

GÊNERO SIM – Militantes pedem respeito à diversidade no PME

André Bueno/CMSP

Neste ano, o Ministério da Saúde autorizou o uso do nome social a qualquer portador do cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). Neder afirma que a lei municipal criada em 2010 foi “inovadora”, mas lembra que ainda há muito mais para ser feito. “Há outras propostas que precisam ser incorporadas no âmbito municipal e estadual, como o combate ao preconceito nas escolas”, diz.

CAMINHOS

É nas escolas que a intolerância costuma entrar como uma espécie de matéria extracurricular invisível, mas presente. No ensino público, nada menos do que 87% da comunidade escolar (alunos, pais, professores e funcionários) revelaram possuir algum grau de preconceito contra homossexuais, segundo pesquisa realizada em 2009 pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Para Luana Rodrigues, 31 anos, a principal lição que aprendeu na escola foi o que é ser discriminada. Nascida com genitália masculina, ela nunca teve problemas em casa por se vestir de menina. “Minha mãe sempre aceitou bem e meus irmãos, por respeito à minha mãe, também apoiaram. Só tive problema em relação à sociedade”, conta. A sociedade e seus problemas apareceram pela primeira vez para Luana com o rosto da professora, que a impediu de assistir à aula, e da diretora, que chamou sua mãe à escola para reclamar das “vestes” da menina. Na matemática do preconceito, a rejeição dos professores se somou aos xingamentos dos alunos e o resultado foi a saída de Luana da escola, na 5ª série. Sem educação formal, só conseguiu espaço para trabalhar nas esquinas da prostituição. “Não era o que eu queria. É o que fui obrigada a fazer”, lamenta.

IDEOLOGIA – Padre Eduardo identifica “ardis verbais” para “destruir a família”

Gute Garbelotto/CMSP

Histórias de evasão escolar motivadas por preconceito de gênero são tão comuns que levaram a Prefeitura de São Paulo a colocar em prática, neste ano, o programa Transcidadania, que fornece bolsas de estudo para travestis que queiram voltar a estudar. “Voltar à escola sem ser discriminada foi maravilhoso”, conta Luana. Após concluir os estudos, tem um sonho: conquistar seu primeiro emprego com carteira assinada.

Na Câmara Municipal, o projeto de lei (PL) 256/2015, do vereador Toninho Vespoli (PSOL), propõe transformar o Transcidadania em lei. “O objetivo é garantir que o programa continue a ser aplicado e não deixar que a população transexual fique à mercê da boa vontade de um ou outro prefeito”, explica Vespoli.

O preconceito que atingiu Luana, uma travesti de escola pública da região central de São Paulo, também perturbou a vida do fotógrafo André Giorgi, 27 anos, que é gay e estudou numa escola particular de alto padrão. “Meu filho sofreu um bullying absurdo. Infernizavam tanto a vida dele que eu tinha de levá-lo ao colégio todo dia, porque não queria mais ir”, conta a jornalista Maju Gomes Giorgi, 49 anos, mãe de André. Ela é ativista da ONG Mães pela Diversidade, criada por mães e pais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais (LGBT) para “dizer ao mundo que nossos filhos não são de chocadeira e que merecem direitos e deveres iguais”.

GÊNERO NÃO – Religiosos contra a diversidade rezam diante da CMSP

Fábio Lazzari/CMSP

A cartunista Laerte Coutinho, 64 anos, que há sete assumiu identidade feminina, diz que também conheceu o preconceito de gênero na escola, só que pelo outro lado. “Eu fazia parte dos grupos que hostilizavam meninos considerados mariquinhas e meninas consideradas masculinizadas”, lembra a cartunista. “Havia um caldo de cultura de homofobia e transfobia, e as escolas não conseguiam fazer nada em relação a isso.” Na adolescência, ao se descobrir gay, Laerte passou a ser vítima do mesmo preconceito que havia infligido a outros: “Todos nós somos prisioneiros dessa ideia totalitária que enquadra os seres humanos”, aponta.

PLANO COMUNISTA

A mais recente tentativa dos vereadores de combater o ódio mirou o preconceito nas escolas, durante a elaboração do Plano Municipal de Educação (PME) da cidade de São Paulo. Válido até 2020, o documento detalha como aplicar nos municípios as metas do Plano Nacional de Educação, sancionado no ano passado. Entre os pontos principais, o PME define o a porcentagem do repasse de verbas para a Educação, quantidade de alunos por sala de aula, fixa metas para acabar com o analfabetismo e os caminhos para universalizar o acesso à educação infantil. Entretanto, as discussões sobre as questões de gênero dominaram os debates.

O parecer para o PME aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esportes da CMSP previa, entre outros itens, medidas para enfrentar o machismo, o racismo e os preconceitos de gênero nas escolas. Depois que o projeto passou pela Comissão de Educação, as galerias do Plenário do Palácio Anchieta, sede da CMSP, encheram-se de militantes com crucifixos no peito e rosários nas mãos. Eles acusavam a proposta do PME de estar contaminada pelo que chamam de “ideologia de gênero”, um conjunto de ideias que ameaçam destruir as famílias do Brasil. Os protestos partiram do movimento Somos Família, que reuniu pessoas de diversos grupos, incluindo igrejas evangélicas e movimentos católicos conservadores, como o Instituto Plínio Correia de Oliveira, uma dissidência da Tradição, Família e Propriedade (TFP), apoiadora da ditadura militar.

FAMÍLIA – Maju, do Mães pela Diversidade, com o filho André

Arquivo pessoal

Caso o PME fosse aprovado com as propostas elaboradas pela Comissão de Educação da Câmara, as crianças em idade escolar iriam “aprender que não são meninos, nem meninas, e precisariam inventar um gênero para si mesmas”, afirmava uma cartilha criada pelo movimento e distribuída na CMSP pelo vereador Eduardo Tuma (PSDB). Um dos principais organizadores do grupo, o professor e ex-diretor de escola Felipe Nery, fundador da ONG Observatório Interamericano de Biopolítica, afirma que os conceitos de “ideologia de gênero” presentes no PME obrigariam meninos e meninas a frequentar banheiros conjuntos e poderia levar até a legalização do incesto. “Desculpe, mas eu não tenho interesse em ter sexo com meus filhos e acho que muitos pais também não têm”, afirma Nery. Para ele, “o objetivo da ideologia de gênero é dissolver a família para implantar o socialismo”.

Os vereadores responsáveis pelo parecer aprovado na Comissão de Educação lembram que o texto não continha qualquer menção a banheiros, criação de gêneros pelas crianças e nem a incesto (veja mais no quadro no final da página). “A proposta apenas reafirmava o que já está em várias leis e no que a Constituição Federal prega, que é o respeito à mulher, ao gay, ao negro”, afirma Reis (PT), presidente da Comissão. A luta contra os preconceitos de raça e gênero não havia brotado do nada no PME: fazia parte das propostas apresentadas durante a Conferência de Educação na Cidade de São Paulo e nas suas reuniões preparatórias, que reuniram 22.247 pessoas em 2010.

Para o Somos Família, o conteúdo em discussão não importava, já que a mera menção às palavras “gênero” e “diversidade” no texto legal já bastaria para “respaldar políticas públicas posteriores”. “Eles nunca vão dizer no Jornal Nacional que querem destruir a família. Eles usam ardis verbais”, explicou o padre José Eduardo de Oliveira e Silva, pároco da Igreja São Domingos, num debate sobre o tema promovido na CMSP. E quem são “eles”? Segundo o movimento, o plano de usar a “ideologia de gênero” para destruir as famílias e implantar o comunismo no mundo tem o apoio de grupos poderosos, incluindo a Organizações das Nações Unidas (ONU) e a Fundação Ford, sediada nos Estados Unidos. Felipe Nery esclarece: “Os grandes capitalistas se uniram à esquerda contra um inimigo em comum, que é a família”.

DIREITO – Reis afirma que discussão de gênero nas escolas segue Constituição

Gute Garbelotto/CMSP

ADÃO E EVA

Não demorou para que as manifestações contra o plano comunista-capitalista de destruição das famílias conquistassem o apoio de vereadores em todo o País. “Percorri 600 cidades em seis meses e falei para os legisladores em 120 audiências públicas”, contabiliza Felipe Nery. “Conseguimos retirar o gênero em 98% dos 3.500 municípios que votaram Planos Municipais de Educação”, comemora.

O movimento ganhou o apoio de muitos vereadores que acreditam que família é sinônimo de união entre homem e mulher. Uma visão que caiu fora do ordenamento jurídico brasileiro em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou “a união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família”. Mas muitos legisladores discordam da decisão do STF.

“Alguma coisa diferente de Adão e Eva eu não vejo que case bem”, afirma o vereador Adilson Amadeu (PTB). “O Judiciário aceita muita coisa. Será que na família dos juízes tem algo parecido?”, questiona. Na mesma direção vai a fala de David Soares (PSD), a respeito dos perigos do debate sobre gênero e diversidade nas escolas: “Pessoas que têm certo tipo de família, com dois pais ou duas mães, ensinarão a seus filhos que isso é normal. A grande maioria que é pai ou mãe dirá: ‘não, não é normal’”.

Na Câmara Municipal, as menções a gênero e diversidade que apareciam na proposta em discussão do PME acabaram retiradas pela Comissão de Finanças (última parada do Projeto de Lei antes de seguir para a votação). A atitude foi criticada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e por entidades como o Conselho Regional de Psicologia, para quem a ideia de uma “ideologia de gênero” é uma “inverdade”, que “desconsidera a seriedade e rigor do campo de estudos científicos sobre sexualidade e gênero”. Mostrando como Deus pode ter muitas faces, a defesa do debate sobre gênero no PME também recebeu o apoio de cristãos progressistas, como a freira e teóloga Ivone Gebara, para quem “recusar olhar o mundo na sua diversidade, e para isso recusar o conceito de gênero, é recusar os avanços das maneiras de sermos presentes em nosso mundo”.

BÍBLICO – Amadeu diz ser contra “algo diferente de Adão e Eva”

Ricardo Rocha/CMSP

Em 25 de agosto, ocorreu a votação final do Plano Municipal de Educação, na CMSP. Vestidos de branco, centenas de militantes “contra o gênero” se ajoelharam no asfalto, diante do Palácio Anchieta, rezando para “iluminar a cabeça dos vereadores”. Entre uma oração e outra, levantavam-se para dançar com as mãos para cima diante do carro de som, onde o astro pop católico Tony Allysson agitava: “Sai do chão! Pisa na cabeça do capeta!”. Do outro lado, apoiadores da diversidade formavam um grupo mais colorido, porém menor, que tentava compensar com empolgação o que lhe faltava em número, dançando até o chão ao ritmo de Madonna e Beyoncé e gritando palavras de ordem contra o preconceito, como “se Jesus Cristo estivesse aqui, estava do lado das travestis”.

Por 44 votos a 4, os vereadores paulistanos aprovaram o PME sem menção a gênero ou diversidade, mas com avanços. Entre eles, o aumento de dois pontos percentuais no repasse de verbas para a Educação (de 31% para 33%) e a diminuição da quantidade máxima de alunos por sala (veja matéria sobre o PME na próxima edição). Os militantes de branco aplaudiram o resultado da votação. Do outro lado, outros manifestantes lamentavam o que consideravam uma derrota da luta contra o preconceito. Votação encerrada, saíram levando seus cartazes e faixas, inclusive uma em que se lia o nome de uma menina de 18 anos assassinada: “Laura Vermont presente”.

A 25 quilômetros dali, na Vila Nova Curuçá, a família de Laura segue seus dias do jeito que pode. Antes de se deitar, Zilda continua a dizer, todas as noites: “Filha, dorme com Deus, aceita meu beijo”. Pela manhã, oferece a ela um vaso de rosas, com as cores e os significados que Laura apreciava. Amarelas para chamar riqueza, vermelhas para o amor e brancas pela paz.

Gute Garbelotto/CMSP

ENTREVISTA >
Vereador Netinho de Paula

Netinho de Paula (PDT) foi um dos quatro vereadores que votou contra um Plano Municipal de Educação sem menção a gênero e diversidade. Para o vereador, a Câmara Municipal errou ao ceder a pressões das Igrejas, que estariam discriminando os homossexuais da mesma forma como já atacaram os negros.

Por que discutir gênero nas escolas?
Netinho de Paula: A questão do gênero foi pensada durante muitos anos e estudada por grandes especialistas. Na Câmara, o assunto enfrentou um debate muito pobre, tratado apenas com um olhar religioso. Não cabe à Igreja interferir no Estado para falar qual é o modelo de família. O Estado laico, nesta questão, foi totalmente desrespeitado. A Igreja já errou, inclusive com meu povo. Dizia que o negro não tinha alma e, portanto, poderia ser escravizado.

Ser a favor dos direitos LGBT é ser contra Deus e a família?
Essa visão é muito pobre. É um golpe baixo. Muitos pastores, como Carlos Bezerra, que foi vereador e é teólogo, disseram que estavam envergonhados de como o debate estava sendo feito. Eu frequento a Igreja Batista, meu irmão é macumbeiro e a minha tia é lésbica. E a gente é uma família, e a gente se ama.

O que acha do argumento de que gênero e sexualidade devem ser abordados pela família, em casa?
A palavra gênero não proíbe nenhum pai de cumprir seu papel. Sou favorável que pais eduquem filhos em casa e escola ensine. Na escola, ensinar crianças a ser tolerantes não tem nada a ver com ensinar a ser homem ou mulher. A escola só quer trabalhar para que a gente seja mais humano. Olha, eu cresci na periferia, diante de uma vida com muita brutalidade. Demorou muitos anos para eu perceber o quanto machista e agressivo eu era. Se eu tivesse aprendido isso na escola, não teria sido melhor? Na minha rua, o cara que era homossexual, quando eu era criança, era apedrejado. E se na escola a gente aprendessse que ele é uma pessoa comum, que ele só tem uma opção diferente de fazer amor, e que isso não interfere na nossa convivência? Qual é o problema de a escola ensinar isso? Acho que o Brasil perdeu. Vai ser uma daquelas coisas que, daqui a alguns anos, a Igreja vai dizer: “a gente errou”.

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Ângelo Dantas/CMSP

ENTREVISTA >
Vereador Eduardo Tuma

Um dos 44 vereadores a votar a favor de um Plano Municipal de Educação sem menção a gênero nem diversidade, Eduardo Tuma (PSDB) diz que baseou seu voto na Constituição e na Bíblia. Para o vereador, alunos LGBT sofrem o mesmo preconceito de outras minorias na escola.

O que acha de falar de gênero nas escolas?
Eduardo Tuma: As escolas devem funcionar como centro de produção e difusão do conhecimento. As crianças não podem ser vítimas de assédio ideológico. Não podemos ter uma doutrinação das crianças sobre a questão do gênero. Existem dois sexos, o masculino e o feminino. É nisso que eu acredito, é isso que diz a Bíblia e a Constituição Federal.

Ao usar o texto bíblico para justificar uma posição política, como fica o Estado laico?
É preciso entender o que é Estado laico e Estado secularizante. Eu não posso ter um Estado que se afaste por completo e que se aliene de toda a questão religiosa. Estado laico é o que não tem uma religião oficial. Não uso a questão bíblica para fundamentar a minha posição. Faço a leitura dessa questão através do filtro constitucional. A própria Constituição encaminha para a tolerância e o respeito, mas não para a doutrinação da ideologia de gênero.

Falar de gênero na escola não ajudaria a evitar preconceito?
A escola deve refletir o que é a sociedade e a sociedade deve respeitar todas as minorias, todas as vozes. A escola tem a questão da comunidade LGBT, das pessoas com deficiência, especiais, superdotados, os mais altos, os mais baixos, os brancos, os pardos, os negros. É essa soma de minorias que constrói a maioria. Discutir o assunto é um ponto. Incluí-lo na grade e fazer com que haja uma doutrinação é outra. Imagine se eu defender que a escola tenha uma matéria sobre a questão cristã, porque faço parte dessa parcela da sociedade que é cristã. Tenho certeza que, se disser isso, vão se levantar muitos contrariamente dizendo que quero doutrinar e estou discriminando os que não são cristãos. O preconceito que sofre alguém da comunidade LGBT é o mesmo que sofre alguém que está acima do peso. Todas as discriminações precisam ser combatidas. Temos que ter um olhar mais holístico, mais complexo.

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Outras iniciativas sobre questões de gênero

Lei 16.184/2015
Andrea Matarazzo, Aurélio Nomura e Floriano Pesaro (todos do PSDB)
Inclui o Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade no Calendário Oficial de Eventos da cidade de São Paulo

PL 353/2015
Toninho Vespoli (PSOL)
Cria o Prêmio Cidadania LGBTT

PL 519/2014
Nabil Bonduki (PT)
Estende licença de 6 meses para servidor em união homoafetiva que adotar filho

PL 261/2014
Aurélio Nomura e Floriano Pesaro (ambos do PSDB)
Garante inscrição de casais em união estável homoafetiva, como famílias, em programas de habitação popular

PL 557/2013
Andrea Matarazzo, Aurélio Nomura, Claudinho de Souza, Coronel Telhada, Eduardo Tuma, Gilson Barreto, Patrícia Bezerra (todos do PSDB)
Pune estabelecimentos comerciais que praticarem qualquer tipo de discriminação

PL 147/2013
Andrea Matarazzo, Aurélio Nomura, Floriano Pesaro (todos do PSDB), Calvo (PMDB) e Laércio Benko (PHS)
Estabelece diretrizes da Política Municipal de Promoção a Cidadania LGBT e Enfrentamento da Homofobia, com base nos resultados da II Conferência Municipal de Políticas para a População LGBT

O PME e o gênero

Propostas da Comissão de Educação

O que foi aprovado

Promoção da educação em direitos humanos, com respeito à diversidade e à sustentabilidade socioambiental

Promoção da educação em direitos humanos. Promoção da educação em sustentabilidade socioambiental

Difusão dos princípios da equidade e do respeito à diversidade

Difusão dos princípios da equidade e da dignidade da pessoa humana e do combate a qualquer forma de violência

Analisar anualmente todos os indicadores educacionais com relação à renda, raça/etnia, sexo, campo/cidade, deficiências e aprimorar o preenchimento do quesito raça/cor e do nome social de estudantes travestis e transgêneros no Censo Escolar

Analisar anualmente todos os indicadores educacionais com relação à renda, raça/etnia, sexo, campo/cidade, deficiências e aprimorar o preenchimento do quesito raça/cor no Censo Escolar

Instaurar para as instituições escolares protocolo para registro e encaminhamento de denúncias de violências e discriminações de gênero e identidade de gênero, raça/etnia, origem regional ou nacional, orientação sexual, deficiências e intolerância religiosa, entre outras

Instaurar para as instituições escolares protocolo para registro e encaminhamento de denúncias de violências e discriminações de raça/etnia, origem regional ou nacional, deficiências, intolerância religiosa e todas as formas de discriminação

Promover ações contínuas de formação da comunidade escolar sobre sexualidade, diversidade, relações de gênero e Lei Maria da Penha, visando superar preconceitos, discriminação, violência sexista, homofóbica e transfóbica no ambiente escolar

Promover ações contínuas de formação da comunidade escolar visando superar preconceitos, discriminações e qualquer tipo de violência em ambiente escolar

Difundir propostas pedagógicas que incorporem conteúdos sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual, relações de gênero e identidade de gênero

(Eliminado)

Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero e étnico-racial

Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por qualquer forma de discriminação, violência e preconceito

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