Nº18 – Desarquivando

A pedido do poeta

Um requerimento de Oswald de Andrade deu início ao processo de construção da Praça Benedito Calixto

Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br

 

ARTISTA - Oswald de Andrade foi um dos líderes do movimento modernista Foto: Divulgação
ARTISTA – Oswald de Andrade foi um dos líderes do movimento modernista
Foto: Divulgação

Em 1919, José Oswald de Souza Andrade era apenas um bacharel em direito recém-formado e amante das artes modernas. Em 30 de agosto daquele ano, o futuro líder do movimento modernista (iniciado em 1922) pagou uma taxa de mil réis e protocolou um requerimento na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP). O escritor solicitava que uma praça planejada para a Rua Mourato Coelho, na zona oeste, fosse construída na Rua Lisboa, em frente à Igreja do Calvário, no Bairro Cerqueira César, também na zona oeste. O terreno da Mourato Coelho pertencia a Oswald, e segundo ele a mudança de local era um desejo dos moradores da região.

O pai do modernista, José Oswald Nogueira de Andrade, que morrera em fevereiro de 1919, foi o responsável pela criação do bairro, em 1890. “A Vila Cerqueira César tinha sido aberta pelo esforço do meu pai”, conta o filho orgulhoso em seu livro de memórias, Um homem sem profissão. Na obra, Oswald de Andrade lembra que o pai transformou a Chácara Água Branca dos Pinheiros e o Sítio Rio Verde em um bairro urbano e o nomeou em homenagem a José Alves Cerqueira César, que foi presidente do Estado de São Paulo e um dos políticos mais próximos de Nogueira de Andrade.

 

Foto: Ricardo Rocha/CMSP
Foto: Ricardo Rocha/CMSP

Íntegra do requerimento de Oswald de Andrade*

Excelentíssimo Senhor Presidente e mais membros da Câmara Municipal de São Paulo.

O abaixo-assinado, atendendo às solicitações dos moradores da Vila Cerqueira César, vem propor que a praça que deve ser aberta na Rua Mourato Coelho, entre as Ruas Teodoro Sampaio e Artur Azevedo, nos termos da Resolução nº 115, de 5 de março de 1918, seja transferida para o local em frente à Igreja do Calvário, também em terrenos de sua propriedade, prontificando-se o requerente a fazer as permutas que para isso forem necessárias.

Por ser de justiça, pede deferimento.

São Paulo 30 de agosto de 1919

José Oswald de Souza Andrade

(*) A grafia foi atualizada

 

Oswald conhecia a burocracia municipal, pois seu pai havia sido vereador de São Paulo quatro vezes, entre 1899 e 1914. “Entre os projetos executados pela iniciativa de meu pai, ficaram o alargamento da Rua Líbero Badaró, que era uma viela de mulheres públicas, e o da construção do Viaduto de Santa Ifigênia”, conta em Um homem sem profissão.

A solicitação seguiu os trâmites legais do Legislativo municipal, mas as decisões não foram favoráveis ao escritor. Um parecer da Comissão de Justiça, de 5 de março de 1920, afirma que o requerimento cita solicitações “alegadas, mas não provadas” dos moradores de Cerqueira César. Os vereadores Rocha Azevedo e Armando Prado, membros da Comissão, informaram que o diretor de Obras da Prefeitura, “após as precisas diligências”, afirmara que o local sugerido “não se presta absolutamente à praça indicada”.

 

PRAÇA – Planta de 1919 mostra local sugerido por Oswald para a futura praça
Foto: Ricardo Rocha/CMSP

 

Por sua vez, as Comissões Reunidas de Obras e Finanças declararam, em 31 de janeiro de 1921, que o local era “de todo inconveniente” e que a transferência seria “muito mais dispendiosa”. Assim, o requerimento de Oswald de Andrade foi arquivado.

“SOLUÇÃO VANTAJOSA”

O pedido de Oswald foi engavetado, mas a ideia de uma praça em frente à Igreja do Calvário continuou a ser analisada. Em 12 de janeiro de 1925, o vereador Júlio Silva apresentou um requerimento ao prefeito pedindo que ele regularizasse o trecho da Rua Lisboa, entre as Ruas Teodoro Sampaio e Cardeal Arcoverde, “a fim de ser mantida a comunicação no local que hoje é feita por uma travessa particular”. Havia o risco de a ligação ser fechada.

Em junho de 1925, o proprietário do terreno, Claudio de Souza, ofereceu à Prefeitura uma faixa de terreno de 30 metros ao longo da Rua Lisboa, para que ali fosse construída a praça. Atendendo a consulta das comissões de Obras e Finanças, a Prefeitura respondeu que a solução proposta por Souza era “interessante e vantajosa” para o Município sob dois aspectos: o bairro teria seu primeiro espaço livre regularizado e a Rua Lisboa ganharia um perfil econômico, evitando que se transformasse em um grande aterro.

 

ATRAÇÃO - Feira de antiguidades na Praça Benedito Calixto Foto: Marcelo Iha/SPTuris
ATRAÇÃO – Feira de antiguidades na Praça Benedito Calixto
Foto: Marcelo Iha/SPTuris

 

As Comissões ressaltaram que, com um pequeno gasto, a Câmara poderia reformar a praça e estabelecer, no novo Santuário que estava sendo construído pela Congregação dos Padres Passionistas, uma saída direta para a Rua Teodoro Sampaio. Assim, no dia 22 de agosto de 1925 a CMSP aprovou a doação dos terrenos e a construção da praça.

Quase 11 anos depois, o Ato nº 1.065, de 16 de abril de 1936, assinado pelo prefeito Fábio da Silva Prado, determinou que a praça na Rua Lisboa iria se chamar Benedito Calixto, “pintor paulista de larga projeção, que se salientou como decorador, principalmente de templos religiosos”.

A Praça Benedito Calixto é bem conhecida dos paulistanos e dos turistas. Aos sábados, das 9h às 19h uma feira de antiguidades atrai grande público, que compra (ou apenas observa) vinis, louças, móveis rústicos, brinquedos, livros e mais uma variedade de objetos. Também há uma praça de alimentação com comidas e bebidas para todos os gostos, além de uma roda de chorinho.