Nº02 – Propostas

Condições dignas aos animais

Vereadores querem proibir foie gras e roupas de pele e permitir que pets sejam enterrados com humanos

Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br

Juntos: Se projeto for aprovado, animais de estimação poderão ser enterrados com seus donos

Equipe de Comunicação/CMSP

Tramitam na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) dois projetos de lei que ganharam os noticiários nos últimos meses e pretendem reduzir o sofrimento animal ou dar uma destinação mais digna aos bichinhos. O mais recente, apresentado em agosto pelo vereador Laércio Benko (PHS) e aprovado em primeira discussão, proíbe a produção e comercialização de fígado hipertrofiado de ganso ou de pato, geralmente servido em forma de patê (o foie gras). A inspiração da iniciativa foi o Estado da Califórnia (Estados Unidos), onde a lei foi aprovada com o apoio dos protetores de animais. Pouco popular no Brasil, o foie gras é consumido por 80% das pessoas na França.

Martin Boulanger/Stock.xchng

Foie gras O fígado hipertrofiado de patos e gansos dá origem a um refinado ingrediente da culinária francesa.

MorgueFile.com

Laércio Benko concorda com muitos consumidores ao dizer que o prato é “absolutamente saboroso”. Ele conta que, durante férias na Hungria, em 2009, jantou e almoçou foie gras seguidamente. Até que sua anfitriã explicou como o alimento é produzido. “Os patos ou os gansos passam a vida toda sendo torturados: desde filhote injetam comida à força em seu estômago. Acho muito grave o custo comparado ao benefício”, disse o parlamentar. “Mas o que me sensibiliza não é tanto a forma absurda e cruel como o animal é alimentado, com o cano enfiado na garganta. Para o fígado aumentar dez vezes o tamanho, imagina a dor absurda que o bicho sente”, acrescentou.

O projeto de lei (PL) 537/2013 proíbe que o foie gras in natura ou enlatado seja produzido ou vendido em qualquer estabelecimento comercial da cidade. Na justificativa, Benko diz que quem consome a iguaria ingere uma enorme quantidade de gordura, capaz de elevar o nível de colesterol humano e contribuir para outros problemas de saúde. Para Benko, o patê “nem sequer é um alimento de primeira necessidade, trata-se apenas de um aperitivo”. “Acredito que estamos dando um passo importante na questão da evolução humana, porque não precisamos disso.”

Organizações não governamentais como a Peta chamam o foie gras de “iguaria do desespero”, pois muitas das aves engordadas para esse fim morreriam por ruptura dos órgãos devido à superalimentação. Entretanto, uma pesquisa da Universidade de Toulouse, na França, mostra que fígados doentes geram foie gras menos saboroso. Seria, então, de interesse dos produtores manter esses animais sadios. Além disso, alguns produtores brasileiros dizem produzir o fígado gordo sem a alimentação forçada, chamada de gavage. “Se comprovar que há possibilidade de produzir sem gavage, podemos proibir esse método e criar uma certificação (para o foie gras feito sem crueldade)”, admitiu Benko em debate na TV Estadão.

PROJETO: O vereador Laércio Benko quer proibir roupas de pele e o foie gras

Ricardo Rocha/CMSP

Se o projeto virar lei, quem infringir as regras poderá ter o produto apreendido e pagar multa de R$ 5 mil, aplicada em dobro no caso de reincidência. A penalidade também valerá para quem produzir ou comercializar artigos de vestuário feitos com pele de animais. Benko evoca a necessidade de proteger o ecossistema e diz que existe tecnologia suficiente para substituir as vantagens oferecidas pela roupa de pele animal.

O estilista Pedro Lourenço já deu declarações à imprensa chamando de “babaquice” as manifestações contra o uso de pele em suas coleções. Para ele, a discussão só tem sentido se as pessoas deixarem de usar sapato de couro. Benko acha que o argumento é muito frágil: “Eu como boi, um animal que já é sacrificado para servir de alimento e é 100% aproveitado”. O vereador, no entanto, sensibilizou-se com outros argumentos vindos do mundo da moda, favoráveis ao uso da pele de animais como o coelho, cuja carne é utilizada para consumo. Até o fechamento desta edição, o PL 537/13 aguardava segunda votação. Se aprovado, vai a sanção do prefeito.

Animais no cemitério

Jazigo: Projeto dos vereadores Goulart (foto) e Roberto Tripoli autoriza sepultar animais de estimação com seus donos

Equipe de Eventos/CMSP

Outro projeto de lei que tem gerado polêmica autoriza o sepultamento de animais de estimação nos cemitérios públicos de São Paulo, nos túmulos ou jazigos pertencentes a seus donos. Os cemitérios particulares poderão estabelecer suas próprias regras sobre o assunto. O PL 305/2013, dos vereadores Goulart (PSD) e Roberto Tripoli (PV), tramita desde março e já foi aprovado em primeira votação (falta a segunda e, se for aprovado, a sanção do prefeito). Em agosto, o arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, procurou a Prefeitura para dizer que sepultar homens e animais juntos pode ferir a dignidade humana.

Os autores do PL explicam que, particularmente, cães e gatos são considerados membros de muitas famílias, com as quais mantêm estreitos vínculos afetivos. Quando um animal doméstico morre, “além do extremo sofrimento da perda, as pessoas em geral se desesperam, sem saber para onde destinar o cadáver”, diz a justificativa do projeto. Os parlamentares também consideraram que os cemitérios e crematórios particulares destinados a animais na cidade cobram taxas muito altas, que inviabilizam sua utilização pela maioria dos cidadãos. “Em setembro, o Estado de Nova York transformou em lei a aceitação de humanos e animais no mesmo cemitério. Imaginei que São Paulo sairia na frente”, disse Goulart.

Imolação

O vereador Laércio Benko está envolvido também em um debate fora da Câmara Municipal. Ele tem criticado o projeto de lei 992/2011, do deputado estadual Feliciano Filho (PEN), que proíbe o uso e o sacrifício de animais em práticas de rituais religiosos no Estado. Um dos objetivos é vedar práticas cruéis.

Benko, que é assistente de pai de santo na umbanda, defende o sacrifício, em rituais religiosos, de animais que serão consumidos. O vereador conta que 99,99% das imolações na umbanda utilizam galinhas, que morrem rapidamente após um corte no pescoço. Animais maiores são submetidos a um procedimento que os deixa grogues antes de serem mortos. “Deve haver quem maltrata animal em um ritual, assim como há padres pedófilos, pastores bandidos. Mas são exceções à regra e toda religião e todos os fundamentos merecem respeito”, afirmou Benko.

Damaris Moura Kuo, presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, teme que a intolerância religiosa motive a proposição de projetos de lei como esse. “Não parece incoerente o abate cruel que acontece nos abatedouros comparado ao de natureza religiosa? Um amplamente aceito e o outro contestado? Temos de refletir”, disse.