Nº02 – Honrarias

Rota é homenageada

Vereadores aprovam Salva de Prata a batalhão da PM

Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br

Galeria: Manifestantes protestam contra e a favor de Salva de Prata

Marcelo Ximenez/CMSP

Na tarde de 3 de setembro, as galerias do Plenário 1º de Maio da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) ficaram cheias de manifestantes contra e a favor de um projeto de decreto legislativo (PDL) que homenageava as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), da Polícia Militar. De um lado, manifestantes gritavam “racistas, fascistas, não passarão”, com faixas que traziam, entre outros dizeres, “Rota é violência”. Do outro lado das galerias, os gritos eram “Só não gosta da Rota quem é bandido” e, nas faixas, lia-se “O povo de bem está com a Rota”.

Telhada: Vereador e ex-integrante da Rota é autor da homenagem

Equipe de Eventos/CMSP

Na tribuna, os vereadores travaram debates inflamados. Manifestantes que interromperam a fala dos parlamentares foram retirados das galerias pelos PMs do Palácio Anchieta. Nem parecia que o projeto em debate era uma Salva de Prata, um tipo de honraria que os legisladores costumam aprovar por unanimidade.

A Salva de Prata havia sido proposta pelo PDL 6/2013, assinado pelo vereador Coronel Telhada (PSDB), que comandou a Rota entre 2009 e 2012. Criada em 1970, a Rota é um batalhão da PM responsável por executar “ações de controle de distúrbios civis e de contraguerrilha urbana”, bem como “ações de policiamento motorizado”. Segundo o projeto de Telhada, o batalhão merecia ser homenageado por ser “uma reconhecida entidade militar, zelosa pela segurança da população e das instituições republicanas”. Para outros, que batizaram a homenagem de “Salva de Chumbo”, a Rota é um símbolo da truculência policial.

VIOLÊNCIA: Orlando Silva: “Os que nunca praticaram crime são maioria dos mortos pela PM paulista”

Equipe de Eventos/CMSP

Quando o projeto foi apresentado, em março, o texto recebeu críticas de parlamentares da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog e da Comissão de Educação, Cultura e Esportes por conta de um trecho, copiado do site da Rota, que elogiava a repressão feita pelo batalhão, nos anos 70, aos opositores do regime militar, descritos como “a guerrilha urbana que atormentava o povo paulista”. A pedido dos colegas, Telhada aceitou tirar o trecho da justificativa do projeto. Mesmo assim, a Salva de Prata continuou a gerar polêmica. O foco não era mais a ação da Rota no passado ditatorial, mas no presente democrático.

Ao longo de anos, pesquisadores de segurança pública, jornalistas, ouvidores e militantes dos direitos humanos vêm reunindo indícios de supostos abusos cometidos por policiais da Rota. Uma das denúncias mais recentes partiu da organização não governamental (ONG) Human Rights Watch. Em carta enviada em 29 de julho ao governo paulista, a ONG internacional afirma que os supostos confrontos da Rota deixaram 247 mortos e 12 feridos entre 2010 e 2012, número que “levanta sérias questões sobre o uso de força letal”. A carta menciona dois episódios ocorridos em 2011 – a morte de seis homens, em um supermercado em Taipas, e do vendedor Caio Bruno Paiva, no Itaim Paulista – em que depoimentos de testemunhas e gravações em vídeo apontariam que pessoas desarmadas teriam sido executadas pelos policiais.

APOIO: Para Conte Lopes, “a Rota é uma das únicas polícias honestas do Brasil”

Equipe de Eventos/CMSP

“Quando caminho na periferia de São Paulo, o que ouço da juventude pobre e negra é que eles têm medo da Rota. O que eu sei, e está no livro Rota 66, de Caco Barcellos, é que 65% daqueles que entram em conflito com a Rota são inocentes”, afirmou na tribuna o vereador Orlando Silva (PCdoB), que votou contra a honraria. Publicado em 1992, o livro de Barcellos analisou os registros de 3.846 mortes cometidas pela PM entre 1970 e 1992, concluindo que “a maior parte dos civis mortos pela PM de São Paulo é constituída pelo cidadão comum que nunca praticou um crime”.

O vereador Conte Lopes (PTB), que também foi coronel da Rota, diz que as denúncias contra a corporação são falsas e lembra que nenhum dos policiais mencionados em Rota 66 foi preso. “Escrevi um livro em resposta ao Caco Barcellos, que é Matar ou Morrer, porque ele me deu o título de ‘deputado matador’. Respondi a todos os meus processos defendendo o povo de São Paulo, defendendo reféns que estavam nas mãos de bandidos, salvando crianças das mãos de assassinos”, afirmou. Segundo o coronel, a Rota “é uma das únicas polícias honestas do Brasil, que prende o bandido e apreende o dinheiro”.

CONTRA: Toninho Vespoli leu emPlenário moção de repúdio à iniciativa

Equipe de Eventos/CMSP

“A Rota é um batalhão que sempre lutou pela ordem, pela liberdade e, principalmente, pelo cumprimento da lei”, disse Telhada ao defender seu projeto. Para ele, as críticas ao batalhão vinham de pessoas que apoiam a criminalidade. “É uma hora de definição: quem está do lado da lei e quem está do lado do crime”, afirmou.

O vereador Toninho Vespoli (PSOL) leu em Plenário uma moção de repúdio, assinada por movimentos negros e de juventude, na qual afirmava que o batalhão “está a serviço do Estado de São Paulo no projeto de genocídio da juventude preta e pobre, a face mais cruel do racismo brasileiro”. “Se a Câmara conceder essa homenagem, terá que substituir seu nome, de Salva de Prata para ‘Salva de Chumbo’”, concluía o texto.

Das galerias, o fotógrafo Sérgio Silva assistiu ao debate entre os vereadores com seu olho direito – o esquerdo foi destruído por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar durante a repressão aos protestos de 13 de junho. “Essa homenagem é uma violência moral ao cidadão que acompanha e sabe que a Polícia Militar do Estado de São Paulo é violenta e mata”, afirmou.

Vítima Fotógrafo Sérgio Silva, que teve o olho esquerdo destruído por bala de borracha disparada pela PM, segura cartaz contra a violência

Gute Garbelotto/CMSP

“A homenagem é muito bem-vinda, haja vista o que a Rota faz diuturnamente a favor do cidadão e contra a violência”, disse Ana Ângela Palermo, presidente da Pauliservsp, entidade em defesa dos PMs paulistas. Filha de um policial, Ângela defende que a corporação não é violenta. “Não existe violência, o que existe é um trabalho da polícia que tem que ser feito em situações de conflito.”

Ângela e outros aplaudiram quando a Salva de Prata foi aprovada, com 37 votos a favor, 15 contrários e uma abstenção. O projeto transformou-se no decreto legislativo 42/2013. Mas o debate sobre a polícia que São Paulo quer ainda prossegue.

 

Homenageada: Rota, batalhão da Polícia Militar criado em 1970

Saulo Amaral/Gabinete Coronel Telhada

Vereadores podem dar até 8 honrarias

Os vereadores da Câmara Municipal de São Paulo dispõem de quatro instrumentos para homenagear pessoas ou instituições: Salva de Prata, Título de Cidadão Paulistano, Medalha Anchieta e Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo. O Regimento Interno da Casa prevê que cada parlamentar tem direito a conceder oito honrarias por legislatura.

Enquanto a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão são exclusivos para homenageados naturais da cidade de São Paulo, o Título de Cidadão Paulistano é concedido para nascidos em outros municípios. A Salva de Prata é oferecida, preferencialmente, para pessoas jurídicas.

Cada homenagem é representada por um objeto, com características definidas no ato 730/2001, da Mesa Diretora. De acordo com o ato, a Salva de Prata tem a forma de um prato de bronze banhado em prata, a Medalha é feita do mesmo material e o Diploma, assim como o Título, deve ser feito de pergaminho vegetal.

Todas as honrarias são formalizadas por decreto legislativo. Para serem aprovadas, precisam receber votos favoráveis de dois terços dos membros da Casa. Os decretos legislativos não precisam de aprovação do prefeito. As honrarias são entregues, preferencialmente, em sessões solenes, dentro ou fora do Palácio Anchieta.