Para torcer em paz
Comissão recomenda responsabilização de torcidas, clubes e federações para combater a violência no futebol
Fausto Salvadori | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Em vez de inimigas, parceiras. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que analisou as torcidas organizadas concluiu, após nove meses de trabalho, que o caminho para eliminar a violência no futebol não passa pela proibição de organizações, mas pela atuação conjunta de todos os envolvidos com o futebol na tarefa de garantir a paz no esporte: torcedores, clubes, federações e confederações.
Segundo o relatório da comissão, impedir as organizadas de existirem não é possível nem do ponto de vista prático, porque torcedores sempre vão se juntar, e nem sob o aspecto legal, porque a Constituição garante a liberdade de associação. O texto aponta que as autoridades erraram ao adotar a saída mais fácil de perseguir as torcidas organizadas no lugar do trabalho mais complexo de identificar e punir os indivíduos que cometem os danos e as agressões. “Gostem ou não alguns, a torcida organizada é parte do espetáculo, é hora de ouvi-las mais e não criminalizá-las”, recomenda o documento.
E as organizadas foram ouvidas. Em depoimento à CPI, Rodrigo de Azevedo Lopes Fonseca, presidente da Gaviões da Fiel, do Corinthians, destacou as campanhas sociais conduzidas pela torcida, como doações de sangue e de agasalhos, que não costumam aparecer no noticiário. Além disso, posicionou-se contra a violência: “nosso papel é sim de liderança, de conscientizar a torcida inteira, na questão de caminho, de paz”. Os parlamentares também ouviram as torcidas Mancha Verde e TUP, do Palmeiras, Independente e Dragões da Real, do São Paulo, Pavilhão Nove e Camisa 12, do Corinthians, Leões da Fabulosa, da Portuguesa, e Torcida Jovem do Santos.
Presidente da Associação Nacional das Torcidas Organizadas e da Torcida Dragões da Real, do São Paulo, André Azevedo lembrou que essas agremiações têm um papel na vida dos torcedores que vai muito além do futebol. “Uma grande maioria das torcidas é formada por aqueles segregados sociais, pessoas que ganham às vezes um salário mínimo, não têm acesso a muita coisa e entram numa organizada porque é um dos poucos lugares em que serão tratadas como iguais”, afirmou Azevedo.
A dimensão social das organizadas, que ultrapassa os limites das arquibancadas, foi ressaltada na CPI por Felipe Tavares Paes Lopes, professor da Universidade de Sorocaba (Uniso) que estudou projetos de prevenção à violência entre torcedores na Alemanha. Para o pesquisador, “hoje as organizadas oferecem um espaço de socialização, entretenimento e formação de identidade” que outrora era fornecido por outras instituições, como os sindicatos e os partidos.
Lopes disse que a principal tática adotada no Brasil para combater a violência no esporte tem sido o aumento da repressão, o que, na sua visão, é uma bola fora. Relatou que um dos momentos mais violentos entre as torcidas europeias ocorreu nos anos 80, bem no período em que o governo da primeira-ministra Margaret Thatcher adotou a estratégia de repressão máxima, dando aos hooligans o mesmo tratamento dispensado aos terroristas do Exército Republicano Irlandês (IRA). Na época, a escalada na repressão policial só fez aumentar a guerra nas arquibancadas, e a situação só se acalmou depois que a polícia adotou uma tática menos agressiva.
Hoje, a estratégia europeia é outra. Em países como Holanda e Alemanha, segundo Lopes, as autoridades preferem “subir o teto da tolerância” diante de delitos menores e, assim, evitar conflitos mais graves. O professor citou como exemplo uma partida que viu na Alemanha em que vários torcedores acenderam sinalizadores, o que é proibido. Em vez de partir para o embate com os transgressores, o que poderia levar a uma pancadaria, os policiais no estádio preferiram não intervir naquele momento e se limitaram a observar e registrar quem eram os infratores.
O professor foi além e afirmou que não dá para atribuir apenas à polícia a tarefa de buscar um futebol mais pacífico. “Fazer prevenção radical da violência significa tentar de forma concreta transformar culturalmente esse universo, de um jeito criativo e pacífico. Para tanto, é preciso investimento fortíssimo em assistência social e em educação”, explicou.
Mesmo porque, como afirma Danilo Zamboni, presidente da torcida são-paulina Independente, a maioria dos torcedores não vai ao estádio para brigar: “não temos intuito algum de promover violência, o que nós queremos é fazer festa”.
Principais sugestões da Comissão
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SAIBA MAIS
Documento
Relatório da CPI das Torcidas Organizadas.