Nº21 – Com a palavra

Rogério Schmitt

Para especialista, pesquisas eleitorais auxiliam na estratégia de voto, mas não antecipam vencedor

Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br

“É possível entrevistar 2 mil pessoas e chegar a uma conclusão para os 200 milhões de brasileiros” Foto: Gute Garbelotto/CMSP
“É possível entrevistar 2 mil pessoas e chegar a uma conclusão para os 200 milhões de brasileiros”
Foto: Gute Garbelotto/CMSP

 

Apesar de mais confiáveis a cada dia, as pesquisas eleitorais no Brasil são geralmente do tipo mais rápido e barato, “sem sorteio nem acaso” e, por isso, de qualidade inferior ao usado, por exemplo, nos Estados Unidos, segundo Rogério Schmitt. Para o professor, as pesquisas são apenas um dos instrumentos que influenciam como os eleitores escolhem os candidatos – no topo dessa lista estão as conversas com amigos, familiares e vizinhos.

Já a influência das pesquisas sobre o mercado financeiro tende a ser menor em democracias mais consolidadas, na opinião do especialista. “Quando todos os candidatos estão dentro do universo das políticas democráticas, os movimentos especulativos são mais de curto prazo”, diz.

As consultas populares, de acordo com Schmitt, também mostram que o perfil do eleitor brasileiro hoje é majoritariamente conservador, favorável a leis rígidas de combate à criminalidade, defensor de políticas assistencialistas, e contrário à legalização das drogas e ao aborto. “Prefere receber serviços oferecidos pelo governo, pagar mais imposto e ter escola de graça”, afirma.

Schmitt é professor da pós-graduação Legislativo e democracia no Brasil e do curso Decifrando as pesquisas eleitorais, ambos da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. Foi analista político na Tendências Consultoria e na Prospectiva Consultoria. No terceiro setor, atuou no Centro de Liderança Pública e na Transparência Brasil. Também lecionou ciência política na Universidade de São Paulo, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na do Rio de Janeiro. É doutor e mestre em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e graduado em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de  Janeiro.

O que é pesquisa de opinião?

É uma ferramenta metodológica desenvolvida na primeira metade do século 20, para consultar a população sobre algum assunto de interesse público. Na década de 1930, as pesquisas começaram a ser usadas durante as campanhas presidenciais dos Estados Unidos e, a partir de então, foram se disseminando. No final dos anos 50, temos no Brasil as primeiras pesquisas com essa metodologia, por amostragem. Você escolhe uma amostra por critérios matemáticos, estatísticos, em nome do eleitorado ou da população inteira. O procedimento supõe que não é preciso se basear na população toda para saber como as pessoas se posicionariam diante de uma determinada questão. É possível entrevistar 2 mil pessoas e fazer uma generalização dentro de certos limites, sujeita a uma margem de erro, e assim chegar a uma conclusão válida para os 200 milhões de brasileiros. Pela lei das probabilidades, a grande maioria das pessoas nunca foi entrevistada e provavelmente nunca será. Não é preciso tomar uma sopa inteira para saber que ela está gelada. Pega uma colher e faz uma provinha. A estatística é a colher que representa o estado geral da sopa.

Como é a escolha dessa amostra?

Há duas maneiras. A primeira, considerada a mais perfeita, menos sujeita a erros, é a amostra probabilística, na qual todos os indivíduos a serem entrevistados na pesquisa serão escolhidos por sorteios sucessivos. É totalmente aleatória e não define previamente o perfil dos entrevistados. Um segundo tipo é a amostra por cotas, não tão boa do ponto de vista estatístico, mas mais rápida e barata e, por isso, mais usada pelos institutos no Brasil. Nesse formato, a pesquisa estabelece a quantidade de pessoas a serem entrevistadas por sexo, faixa etária, região do País, nível de escolaridade. Sem sorteio e sem acaso. Às vezes é possível usar uma combinação das duas metodologias.

“Pesquisa não é bola de cristal, não é o que vai realmente acontecer” Foto: Gute Garbelotto/CMSP
“Pesquisa não é bola de cristal, não é o que vai realmente acontecer”
Foto: Gute Garbelotto/CMSP

É legítimo que se entrevistem mais pessoas de certas regiões do País?

A distribuição dos entrevistados tem que ser mais ou menos a mesma distribuição das pessoas pelas regiões. É normal que, em uma pesquisa, boa parte seja da Região Sudeste, porque é a mais populosa. Se não fosse assim, estaríamos fraudando a amostra. Para refletir a composição da demografia brasileira, a pesquisa vai ouvir mais pessoas do Sudeste do que de outras regiões do Brasil, mais mulheres do que homens, mais jovens do que idosos.

Por que algumas pesquisas eleitorais erram, se a amostra está correta?

Pesquisa não é bola de cristal, não é o que vai realmente acontecer. A pergunta é em quem as pessoas votariam se a eleição fosse hoje, se os candidatos fossem aqueles mencionados, e não em quem elas vão votar. Mesmo a pesquisa feita uma semana antes da eleição não está fazendo projeção de resultado, porque muita gente pode mudar de opinião. Tem o efeito da propaganda eleitoral, os indecisos. O único tipo de pesquisa eleitoral que pode ser comparado com o resultado de eleição é a boca de urna, que pergunta em quem as pessoas votaram. Pode errar o percentual de votos para cada candidato, mas não conheço caso de erro na ordem dos colocados. Hoje, ninguém mais contesta resultado de pesquisas feitas por institutos com credibilidade, dizendo que são pesquisas forjadas, ou que não têm credibilidade. Houve um processo de seleção natural, de modo que os institutos de pesquisa que sobreviveram são utilizados por todos os partidos. Há um consenso e até critérios técnicos que permitem avaliar se uma pesquisa é bem feita ou comprada, de má-fé. Os candidatos já aprenderam a baixar um pouco a bola e caprichar na campanha, que é o que conta. A pesquisa é só um retrato da realidade, e não a realidade em si mesma. É uma fotografia.

Quais aspectos dão um tamanho irreal aos candidatos nos primeiros levantamentos?

Antes de as campanhas começarem, as pesquisas refletem mais o chamado recall – a maior intenção de voto nos candidatos mais conhecidos. Mas como muitas dessas pessoas acabam não sendo candidatas e a campanha não começou, se compararmos uma pesquisa feita em junho, por exemplo, com outra feita em setembro, um mês antes das eleições, a mudança é absurda. Porque em setembro as pessoas estão conversando sobre isso, a propaganda já terá começado e, aí sim, as pesquisas começam a se aproximar mais do que vai acontecer.

“Pela lei das probabilidades, a grande maioria das pessoas nunca será entrevistada” Foto: Gute Garbelotto/CMSP
“Pela lei das probabilidades, a grande maioria das pessoas nunca será entrevistada”
Foto: Gute Garbelotto/CMSP

Pesquisa é uma ferramenta de estratégia de voto?

O fator mais importante, disparado, para explicar como as pessoas escolhem seus candidatos é a conversa com amigos, familiares e vizinhos. Pesquisa seria o sexto ou sétimo fator. Se os indecisos sempre votassem em quem está na frente, quem começasse liderando as pesquisas terminaria sendo eleito e a campanha não serviria para nada. Mesmo os eleitores influenciados por pesquisa não seguem na mesma direção. Alguns votam no candidato que está na frente porque vai ganhar, outros votam no segundo colocado para evitar que o primeiro ganhe. E existe até quem vote nos últimos candidatos da pesquisa por pena, para que subam. Nas eleições presidenciais de 2014, teve aquela comoção com a morte do Eduardo Campos, candidato na chapa em que a Marina Silva era vice. Ela recebeu uma quantidade muito grande de intenções de votos, de uma hora para outra, não só porque era mais conhecida que o Eduardo Campos, mas também porque as pessoas sentiram pena pela tragédia aérea. Logo nas primeiras semanas depois da morte, Marina aparecia lá em cima nas pesquisas, mas à medida que esse efeito claramente emocional deu lugar à razão, o fenômeno que surgiu repentinamente foi sendo gradativamente esvaziado e ela não foi nem pro segundo turno. Num regime democrático de um processo eleitoral, quanto mais ferramentas disponíveis existirem para orientar as pessoas a escolherem seus candidatos, melhor. E a pesquisa é só uma em um universo grande de ferramentas disponíveis. Talvez as pesquisas sejam mais úteis para os financiadores de campanha, que tendem a dar mais dinheiro para quem acham que tem mais chance de ganhar.

Realidades externas à eleição, como a economia, podem ser alteradas por pesquisas?

Estamos falando das preferências do mercado financeiro, das empresas, dos agentes econômicos. Em qualquer lugar do mundo, quando as pesquisas mostram chances de vitória para candidatos vistos como mais problemáticos, autores de ideias econômicas não muito ortodoxas, o mercado financeiro faz com que juros, dólar e bolsa de valores flutuem como resposta. Eu diria que a pesquisa produz a variação no mercado financeiro, e não o contrário. É uma estratégia defensiva e às vezes especulativa, também: “se fulano vai ganhar, tenho que defender meu dinheiro, tirar da bolsa ou colocar, comprar ou vender dólar”. A lógica é sempre de ganhar mais dinheiro, preservar patrimônio e, se possível, ampliar. Com a democracia mais consolidada, quando todos os candidatos estão dentro do universo das políticas democráticas, a especulação é quase desprezível. São mais movimentos de curto prazo do que exatamente grandes tendências de longo prazo. Você tem presidentes mais à direita, mais à esquerda, e o mundo não acaba por conta disso.

Nos últimos anos, quais as tendências de voto do brasileiro?

Resultados sistematicamente revelados por diferentes pesquisas, de diferentes institutos, mostram que existe uma maioria conservadora no nosso eleitorado quanto a valores culturais e morais. O brasileiro defende leis rígidas no combate à criminalidade, é contrário à legalização das drogas e ao aborto e estima muito os valores morais mais tradicionais, da vida, da família, do casamento. No campo social e econômico, há uma maioria assistencialista. O brasileiro não é muito capitalista, não tem uma visão muito favorável da livre iniciativa, do livre mercado, da empresa privada. Prefere receber serviços oferecidos pelo governo, prefere pagar mais imposto e ter escola de graça a pagar menos e ter de recorrer a serviços particulares. A preferência pelo assistencialismo não vale só para estratégias de combate à pobreza, mas para a saúde e todas as políticas públicas.