Nº22 – Saúde

Pressão nas alturas

Parcela de paulistanos hipertensos aumenta 40% nos últimos 12 anos e poder público toma medidas para reagir ao problema

Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br

 

PERIGO - Hipertenso, Jota usa medicação e comete alguns deslizes alimentares Ricardo Rocha/CMSP
PERIGO – Hipertenso, Jota usa medicação e comete alguns deslizes alimentares
Foto: Ricardo Rocha/CMSP

 

Em uma manhã de segunda-feira, 20 anos atrás, depois de “passar nervoso”, Maria da Silva procurou um posto de saúde queixando-se de muita dor de cabeça e na nuca. Com um metro e meio de altura, na época ela tinha 39 anos e pesava 120 quilos. Recebeu o diagnóstico de hipertensão arterial, ou pressão alta (18 por 12). De lá para cá, teve dois “princípios de enfarte” e descobriu mais doenças que costumam vir acompanhadas: colesterol “altíssimo”, diabete e disfunção na tireoide. Após 20 anos, o tratamento indicado pelos médicos da rede pública continua o mesmo: apenas medicação. “A cada três meses faço exame de rotina e passam o remédio de novo. Tomo remédio direto, pra tudo isso de doença”, conta a faxineira.

Maria faz parte do universo crescente de pessoas com pressão alta na cidade de São Paulo. Em 2003, eram 14%. Em 2015, o índice saltou para 20,4%, segundo levantamento divulgado neste ano pela Prefeitura. O aumento deve-se a fatores como obesidade, taxas de colesterol elevadas e o envelhecimento da população.

Assim como os demais usuários da rede pública de saúde, Maria tem direito a um tratamento multidisciplinar, graças à lei 13.777/2004, proposta pela Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) e que criou o Programa de Tratamento da Hipertensão Arterial Sistêmica nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da rede pública. Quando elaborou o projeto, o vereador Toninho Paiva (PR) pensou em um atendimento por profissionais de várias áreas ao hipertenso, com foco na prevenção à obesidade, tabagismo e sedentarismo (fatores que favorecem a hipertensão). Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, as 453 UBS do Município têm ações de combate, prevenção e orientação sobre pressão alta, que incluem medição de pressão e estímulo à alimentação saudável e exercícios.

No entanto, foi por conta própria e com informações de programas de TV que Maria começou a caminhar, pôs mais frutas, verduras e peixes na alimentação, cortou as frituras, diminuiu o sal e passou a comer apenas comida assada ou cozida. Perdeu 30 quilos, teve uma melhora nos resultados dos exames médicos e não se cansa tanto ao subir um lance de escada. Poderia melhorar: “queria ter dinheiro para comer mais fruta, verdura, leite desnatado e menos carne com gordura”, diz.

EXEMPLO – Lucas superou a rejeição às frutas e hoje alimenta-se tão bem quanto a mãe, Fabiana Meireles, e a irmã, Marina
Foto: Ricardo Rocha/CMSP

 

O tratamento feito apenas com medidas alternativas, quando o risco cardiovascular é baixo, pode evitar a medicação, principalmente se o doente tem disciplina. “Praticar exercícios ajuda a melhorar a capacidade do sistema circulatório e a perder peso”, aponta Frida Plavnik, nefrologista e diretora científica da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH). “Comer bem evita que as gorduras se depositem em vasos sanguíneos já doentes e dificultem ainda mais a circulação do sangue, e interromper o fumo é importante porque o cigarro estraga a parede da artéria”, complementa.

A médica, entretanto, diz que os pacientes costumam abandonar rapidamente a modificação no estilo de vida. “Escapam para um churrasco e, por isso, a tendência é entrar mais cedo com medicamento para a doença não alterar coração, cérebro, rins e vasos sanguíneos”, explica.

Jorge Luis Julio, o Jota, servidor público de 59 anos, está entre os que escapam facilmente para um churrasco e usam medicação. Desde que se descobriu hipertenso, há dez anos, tenta mudar seus hábitos, mas reconhece que não consegue se sentir à vontade com alguns deles, que poderiam melhorar sua saúde. Diz gastar entre R$ 400 e R$ 500 por mês com um professor particular de ginástica e os remédios. Está sem cigarro há 20 anos e incorporou alface e tomate à dieta, mas acha difícil provar outros vegetais. Falta à ginástica sempre que pode e, de vez em quando, arrisca batata frita e uísque, entre outros deslizes alimentares. Parte da culpa ele divide com a mãe: “se ela tivesse exigido que eu comesse salada quando pequeno, teria adquirido esse hábito. Depois de adulto, montar um pratão de salada é complicado”, lamenta.

LANCHE SAUDÁVEL

MUDANÇAS - Maria da Silva desenvolveu diabete e outras doenças associadas à hipertensão Analida Hernández/CMSP
MUDANÇAS – Maria da Silva desenvolveu diabete e outras doenças associadas à hipertensão
Foto: Analida Hernández/CMSP

A coordenadora do Departamento de Nutrição da SBH, Márcia Gowdak, concorda com a adoção da dieta correta desde a infância como forma de prevenir a pressão alta. Em uma escola particular de São Paulo, ela comanda um programa no qual a própria instituição oferece os alimentos para os alunos de 3 a 10 anos, mediante uma taxa paga pelos pais. “Uma das funções é fazer as crianças comerem mais fruta para aumentar a ingestão de potássio, que favorece a eliminação de sódio do organismo”, comenta Márcia. O estímulo vem com a oferta diária sem insistência, mas com persistência.

Um dos alunos atendidos pelo projeto de Márcia, Lucas Meireles Peccin, de 8 anos, não aceitava ingerir frutas em casa, mesmo com o bom exemplo dos pais e da irmã Marina, de 10 anos, que inclusive gosta de comer só salada em algumas refeições. No início da vida escolar, até os 2 anos e meio, Lucas experimentava frutas só na escola. “Hoje ele come superbem, de tudo”, conta Fabiana Meireles, mãe das crianças.

Inspirado por iniciativas de sucesso como essa, o vereador Eduardo Tuma (PSDB) apresentou o projeto de lei (PL) 328/2013, para determinar que escolas e creches públicas do Município tenham também uma alimentação diferenciada, para diabéticos e hipertensos.

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Outro projeto ligado ao tema resultou na lei 11.757/1995, idealizada pelo vereador Toninho Paiva, que instituiu 26 de abril como o Dia Municipal de Prevenção da Hipertensão Arterial. A data visa esclarecer sobre o diagnóstico preventivo e tratamento nas unidades públicas de saúde. Paiva justifica que a hipertensão arterial é responsável por outras doenças e aposentadorias precoces, o que onera o sistema de saúde e previdenciário, além de deixar ônus aos pacientes e suas famílias. “O diagnóstico e o tratamento adequados proporcionam menores gastos com internações, invalidez, hemodiálise, bem como a assistência às cardiopatias, acidentes vasculares cerebrais e suas sequelas, reduzindo também a procura aos serviços de emergência”, diz.

A medição preventiva é crucial porque a pressão pode estar bem alta sem apresentar qualquer sinal. “Em fases mais avançadas, o paciente pode sentir náusea, tontura, dor de cabeça, visão embaçada, cansaço ou falta de ar, dependendo dos órgãos lesados, mas também pode ter pressão alta sem sentir nada, que é o padrão da maioria das pessoas atendidas”, explica a médica Frida Plavnik. Quando não está sob controle, a hipertensão é o principal fator de risco para doenças cardiovasculares que podem levar à morte.

REMÉDIO - Márcia Gowdak desenvolveu um programa de nutrição preventiva Ricardo Rocha/CMSP
REMÉDIO – Márcia Gowdak desenvolveu um programa de nutrição preventiva
Foto: Ricardo Rocha/CMSP

 

SAL IDEAL

A nutricionista Márcia Gowdak implementou em 2008 seu programa de educação nutricional, quando a escola descobriu que os alunos levavam, de lanche, mais sal, muito mais açúcar e gordura do que precisavam. Aos 3 anos, a criança deve ingerir no máximo 2 gramas de sal por dia. A conta já considera, por exemplo, o sal que serve como conservante em embutidos e em alimentos aparentemente inocentes, como certas barras de cereais. Dos 11 aos 14 anos, o limite aumenta para no máximo 6 gramas diários. Daí por diante, o ideal é comer até 5 gramas, porque a idade favorece o aumento de peso e o aparecimento de doenças.

Comer menos sal reduz também a necessidade de tomar bebidas (muitas vezes açucaradas), para matar a sede. “Se a criança reduzir um grama de sal por dia, diminui a ingestão de açúcar em cerca de 25 gramas, o que previne a hipertensão”, explica a nutricionista.

Para saber se o alimento industrializado tem muito sódio (principal componente do sal), açúcar ou outros inimigos da pressão, Márcia ensina a fugir dos produtos que trazem, nos rótulos, esses itens como primeiros da lista de ingredientes (dispostos em ordem decrescente de quantidade). A cartilha da Prefeitura sobre consumo consciente do sal aponta outra dica: os alimentos devem conter menos de 400 mg de sódio a cada 100 gramas (ou a cada 100 ml) ou representar menos de 7% das necessidades diárias de consumo.

SAL - Projeto do vereador Atílio Francisco obriga restaurantes a oferecer refeições sem sal Mozart Gomes/CMSP
SAL – Projeto do vereador Atílio Francisco obriga restaurantes a oferecer refeições sem sal
Foto: Mozart Gomes/CMSP

Ao diminuir o hábito de adicionar sal em vários pratos, o vereador Atílio Francisco (PRB) tem redescoberto o sabor de alguns vegetais. “Você sente o gosto até do chuchu, que fica muito saboroso com outros temperos. É uma questão de costume”, conta. O parlamentar é autor do PL 66/2014, que pretende obrigar os restaurantes a oferecer opções de refeição sem adição de sal. “Na época em que propus, verifiquei que muitas pessoas morrem de hipertensão e que o número de pacientes tem crescido bastante, principalmente pelo excesso de sal”, explica.

O sódio ajuda a preservar os alimentos e, por isso, é muito difícil comprar comida sem esse ingrediente. Além disso, não é indicado zerar a ingestão de sal, já que o organismo entenderia que há falta do elemento e poderia ampliar sua retenção, entre outros problemas. Em vez disso, é possível compor as refeições com alimentos que ajudem a expulsar o sal do organismo. “Devemos trabalhar com a combinação, adicionar saladas e frutas, colocar tomate no pãozinho, por exemplo”, explica Márcia Gowdak. Mais do que fazer cortes drásticos, a ordem é buscar o equilíbrio.

SAIBA MAIS

Cartilha
Campanha do consumo consciente do sal. Prefeitura de São Paulo. Disponível online.

 

O que é hipertensão

Normalmente, o organismo tem substâncias que dilatam e outras que diminuem o diâmetro dos vasos por onde o sangue passa. Na hipertensão, predominam as substâncias que contraem os vasos. Com mais resistência à passagem do sangue bombeado, mais força o sangue ejetado pelo coração tem de fazer para chegar até as células, aumentando a pressão. Como se o coração e os vasos fossem uma torneira aberta ligada a mangueiras. Se as mangueiras se estreitam, a pressão lá dentro aumenta.

A pressão elevada danifica a cobertura interna dos vasos, que é fina e delicada. Os vasos ficam endurecidos e estreitados, sujeitos a entupimentos. Esse processo costuma causar 40% dos enfartes, 80% dos AVCs e 25% das insuficiências renais.

Fonte: Frida Plavnik/SBH

 

Freeimages/Jos van Galen
Foto: Freeimages/Jos van Galen

 

O coração trabalha em dois tempos: contração para expulsar o sangue, com força intensa (pressão máxima ou sistólica), e relaxamento (pressão mínima ou diastólica). A combinação ideal é a pressão máxima de 120 mmHg (milímetros de mercúrio) com pressão mínima de 80 mmHg, ou 12 por 8, como se diz popularmente. Pressão igual ou maior que 14 por 8 já é considerada alta.

Fonte: Sociedade Brasileira de Hipertensão

 

Iniciativas de combate à hipertensão

Leis

11.757/1995 | Toninho Paiva (PR)
Institui o Dia Municipal de Prevenção da Hipertensão Arterial

13.777/2004 | Toninho Paiva (PR)
Cria o Programa de Tratamento da Hipertensão Arterial na rede pública de saúde

14.960/2009 | Marta Costa
Determina que o Executivo faça campanha anual sobre os danos do sal à saúde

Projetos de lei (*)

66/2014 | Atílio Francisco (PRB)
Obriga os restaurantes a oferecer opções de refeição sem adição de sal

800/2013 | David Soares (Democratas)
Determina que os alimentos industrializados ou processados devem mostrar no rótulo seu percentual de sódio

602/2013 | Aurélio Nomura (PSDB), Calvo (PDT), Gilson Barreto (PSDB), Mario Covas Neto (PSDB) e Floriano Pesaro
Estabelece diretrizes para a Política Municipal de Educação Alimentar Escolar e Combate à Obesidade

510/2013 | Aurélio Nomura (PSDB)
Determina que as cantinas de escolas particulares divulguem as informações nutricionais dos alimentos vendidos

328/2013 | Eduardo Tuma (PSDB)
Obriga escolas e creches da rede pública a oferecerem alimentação diferenciada a diabéticos e hipertensos

280/2013 | Nelo Rodolfo (PMDB)
Proíbe a exposição de saleiros nos locais que vendem alimentos para consumo imediato

242/2013 | Reis (PT) e Marta Costa
Proíbe a publicidade, destinada ao público infantil, de alimentos pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio

(*) Da atual Legislatura