Há 40 anos, Câmara foi hospital para feridos no Joelma
Helicóptero fazia resgate no prédio em chamas e levava ao heliponto do Palácio Anchieta
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Na manhã de 1º de fevereiro de 1974, uma sexta-feira, São Paulo testemunhou uma tragédia: um incêndio no Joelma, edifício comercial de 25 andares na esquina da Rua Santo Antônio com a Avenida 9 de Julho, na região central, matou 189 pessoas e deixou 300 feridos. O número de vítimas poderia ter sido bem maior se o heliponto da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), que fica ao lado do Joelma, não tivesse sido transformado em um hospital de campanha. Foi um dia que marcou os paulistanos, especialmente os que estavam no Palácio Anchieta, sede da Câmara.
Ronaldo Salies, na época assessor do vereador Sampaio Doria, trabalhava no quarto andar do Palácio Anchieta quando começou a ouvir uma gritaria, com as pessoas berrando “desce, desce”. Olhou pela janela e viu uma fumaça branca, de um aparelho de ar-condicionado, saindo do Joelma. A fumaça se tornou escura e logo depois surgiram as labaredas. Ele foi para o heliponto e de lá testemunhou cenas que marcariam sua vida para sempre. “Vi muitas pessoas pulando para a morte”, lembra-se emocionado.
“Vai ser uma carnificina.” Ronaldo Salies recorda-se de ter escutado essa previsão sobre o incêndio, que infelizmente se concretizou. Quem deu a sentença foi Carlos Alberto Alves, o piloto do primeiro helicóptero que tentou pousar no Joelma, manobra impossibilitada por causa do calor e da fumaça. “O piloto explicou que não havia sustentação no telhado”, lembra-se Salies. Alves pousou, então, no heliponto da Câmara. Mesmo não tendo conseguido pousar no edifício em chamas, a aeronave de Alves ajudou no salvamento, levando feridos para os hospitais e jogando leite para as pessoas que estavam no alto do Joelma.
O jornal O Estado de S.Paulo, no dia seguinte à tragédia, informou que muitos funcionários da CMSP também subiram ao heliponto e vários tiveram de ser atendidos pelo serviço médico da Casa, pois tiveram crise nervosa. “Como o prédio estava esquentando muito, alguns colegas tiveram medo que a Câmara pegasse fogo”, disse Salies. Em contrapartida, a tranquilidade de um rapaz, Ydek Butchi, que ficou esperando calmamente o salvamento na sacada do 22º andar do Joelma, impressionou bastante Salies, que se lembra de detalhes 40 anos depois: “Acho que ele estava até fumando”. A espera valeu a pena, pois o rapaz sobreviveu.
LEMBRANÇAS – Salies no alto da CMSP, de onde testemunhou a carnificina do Joelma (à esquerda): “Vi muitas pessoas pulando para a morte”
Mozart Gomes/CMSP
Salies tem um motivo a mais para se emocionar com a tragédia do Joelma. Sua esposa é uma das sobreviventes de outro incêndio, o do Andraus. Em 24 de fevereiro de 1972, o prédio de 32 andares, no centro de São Paulo, pegou fogo e deixou 16 mortos e 330 feridos. Ivone, esposa de Salies, conseguiu escapar e teve apenas um pé quebrado.
Choros e orações
Às 12h30, chegou ao Joelma o helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB), que conseguiu se aproximar do prédio em chamas e começou a levar os feridos para o heliponto da Câmara. A aeronave, que não estava no Estado de São Paulo, era a maior das Forças Armadas na época.
Segundo O Estado de S.Paulo, os feridos mais graves foram levados por outros helicópteros aos hospitais e os que estavam em melhores condições pegavam os elevadores até as ambulâncias que estavam na garagem. O pronto-socorro do heliponto chegou a ter 40 médicos, enfermeiros e estudantes de medicina.
José Carlos del Fiol, à época repórter da Folha de S.Paulo, estava na Secretaria de Turismo da cidade de São Paulo, que funcionava no 12º andar do Palácio Anchieta, quando começou o incêndio. “Pela movimentação das pessoas que estavam comigo e que, nesse momento, se dirigiam ao terraço da Câmara, percebi que havia um incêndio num prédio próximo. Algumas mulheres choravam e muitos funcionários da Câmara, ajoelhados, rezavam. Peguei uma máquina fotográfica e subi ao terraço”, contou ele, na edição de 2 de fevereiro de 1974 do jornal.
Segundo Fiol, a queda de duas pessoas provocou uma reação de desespero total. “Algumas funcionárias da Câmara correram em pânico para suas salas de trabalho e, durante muito tempo, encostadas em suas mesas, choraram”, relata o repórter. Ele ficou no terraço da CMSP até que policiais militares ordenaram a saída dos que não estavam socorrendo os feridos.
Visões
Um dos ascensoristas da Câmara, Aristides Saturnino de Paula também estava no Palácio Anchieta no dia do incêndio do Joelma, trabalhando como faxineiro. Dessa data, ele se lembra do cheiro de queimado impregnando todos os tapetes da sede da CMSP. “Não consegui almoçar naquele dia”, recorda-se.
Desde então, Aristides afirma ver espíritos em vários locais do Palácio Anchieta, inclusive nos elevadores. “Eles entram e desaparecem”, conta. Em alguns momentos ele já sentiu ter levado até beliscão. “São espíritos que desencarnaram antes da hora e não querem aceitar a morte”, explica o ascensorista. Ele também afirma já ter recebido um espírito de um dos mortos do incêndio pedindo que se faça muita oração pelas vítimas.
Após a tragédia, o Joelma passou por uma reforma e quatro anos depois foi reinaugurado com o nome de Edifício Praça da Bandeira. Hoje ele se encontra praticamente todo ocupado por diversas empresas e escritórios de contabilidade, engenharia e advocacia. No prédio funciona também a sede estadual do Partido Social Democrático (PSD).
Fotos: Marcelo Ximenez/CMSP |
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Prêmio da Câmara leva nome de herói do Joelma e do AndrausA Câmara Municipal criou o Prêmio Coronel Hélio Barbosa Caldas, uma Salva de Prata a ser concedida, anualmente, aos cinco bombeiros que mais se destacaram por atos heroicos na cidade de São Paulo. A homenagem foi uma iniciativa do vereador Antonio Goulart (PSD) e o Comando Geral da Polícia Militar indica os profissionais que receberão o prêmio. O coronel que dá nome à premiação se destacou nas operações de resgate das vítimas dos maiores incêndios na cidade. No Joelma, ele desceu para o terraço do prédio preso a uma corda de 12 metros pendurada a um helicóptero. Dois anos antes, ele foi o primeiro a chegar ao telhado do Andraus para organizar o salvamento. Pela sua bravura, Caldas foi condecorado duas vezes e era considerado um herói. Ele morreu em 20 de junho de 1999, com 64 anos. Neste ano, em 10 de março, em sessão solene no Palácio Anchieta, cinco bombeiros receberam o Prêmio Coronel Hélio Barbosa Caldas: primeiro-tenente Alexandre Pires de Proença, primeiro-tenente Tiago Lopes Martinez, segundo-sargento Silvio Cesar Jerônimo, cabo Ademar Ferreira Campos Filho e cabo Giuliano Marques. A soldado Renata dos Santos recebeu homenagem em nome de todas as mulheres da corporação. |
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