Ataque ao bullying
Casos de violência são frequentes nas escolas e CMSP age para solucionar o problema
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Colaborou Bruna Cavalini
Marcelo Ximenez/CMSP
Alannys Valério tinha 10 anos quando seus colegas de escola, no Jardim Mazza, passaram a chamá-la de “neguinha” e “feia”. “Eu ficava muito triste, chorava e reagia batendo nas outras crianças”, conta a jovem, que desabafava apenas com seu diário. Um dia, cansada da situação, disse para a mãe o que estava ocorrendo. A mãe, Shirley, ficou preocupada com a situação, mas garantiu-lhe que ela era uma menina linda e que iriam à escola falar com os professores. “Sempre disse à minha filha para sentir orgulho de ser negra”, afirma.
Equipe de Eventos/CMSP
As ofensas diminuíram e, quando ocorriam, a jovem não batia nem respondia. “Comecei a conversar com as pessoas que me xingavam e elas viram que eu sou uma pessoal legal, fiquei até amiga de algumas”, lembra-se Allanys. Atualmente com 14 anos, no 9º ano do ensino fundamental, ela sabe que é bonita e pretende fazer faculdade de gastronomia.
Já a história de Wellington Menezes de Oliveira é mais trágica. Ele passou praticamente toda a vida escolar sendo zoado pelos colegas por ser manco. Até que, em abril de 2011, com 23 anos, quando não era mais aluno, entrou em uma escola do Realengo, bairro do Rio de Janeiro, e matou 12 estudantes, feriu outros 12 e se suicidou.
Wellington e Allanys são dois casos bem diferentes de um fenômeno comum nas escolas do mundo todo: o bullying. Não existe uma tradução perfeita para essa palavra da língua inglesa, que pode significar “agressão” e “intimidação”. O termo vem de bully (“valentão”), que por sua vez se origina de bull (touro).
No Brasil, bullying é definido como uma agressão, física ou psicológica, contra alguém, de maneira repetida ao longo do tempo. Insultar, zoar, botar apelidos e espalhar boatos são formas de bullying.
Entretanto, a pedagoga Cleo Fante e o psicólogo José Augusto Pedra, no livro Bullying Escolar – Perguntas e Respostas, explicam que essa violência “é diferente de uma brincadeira inocente, sem intenção de ferir; não se trata de um ato de violência pontual, de troca de ofensas no calor de uma discussão, mas de atitudes hostis, que violam o direito à integridade física e psicológica e à dignidade humana”. Geralmente, o bullying é praticado por um grupo contra uma pessoa.
A palavra é inglesa, mas esse tipo de violência está bem presente no País. Em cada cinco adolescentes brasileiros, um pratica bullying, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense) 2012, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na cidade de São Paulo, a situação é pior: um em cada quatro alunos já praticou bullying (veja infográfico na página ao lado).
Ações
Em um esforço para diminuir os casos de bullying e amenizar o sofrimento das vítimas, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) já aprovou algumas leis sobre essa questão e analisa diversos projetos sobre o tema. O Parlamento paulistano foi o primeiro do País a lutar contra essa violência. A Lei 14.957/2009, apresentada pelo então vereador Gabriel Chalita (na época, no PSDB), determina a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying no projeto pedagógico das escolas públicas de educação básica.
Desde 2011, 24 de setembro tornou-se o Dia de Combate ao Bullying na cidade. O vereador Donato (PT), que propôs a Lei 15.445/2011, conta que foi procurado por um grupo de mães preocupadas com o problema que afligia suas comunidades. Segundo ele, a data foi escolhida pela proximidade com o início da primavera, que começa um dia antes. Para elas, a estação significa renascimento, algo que ocorre quando um estudante consegue superar o bullying.
Um ano depois, a CMSP aprovou a Lei 15.535/2012, apresentada pelos vereadores Atílio Francisco (PRB) e Souza Santos (PSD), estabelecendo a Semana Juntos contra o Bullying, realizada anualmente na última semana de setembro. Nesses dias ocorrem palestras e seminários para prevenir o bullying. Segundo a justificativa do projeto, essas atividades vão permitir “o desenvolvimento de ações de solidariedade e o regaste de valores de cidadania, tolerância e respeito mútuos entre alunos, docentes e população em geral”.
INTERNET – Projeto de Marta Costa pretende conscientizar, prevenir e combater forma digital de bullying
Ricardo Rocha/CMSP
Duas leis aprovadas na CMSP, já sancionadas pelo prefeito Fernando Haddad (PT), tratam da questão. A 15.719/2013, cujo projeto é do vereador Goulart (PSD), determina que a rede municipal de ensino ofereça assistência psicopedagógica com o objetivo de diagnosticar, intervir e prevenir problemas de aprendizagem, tendo como enfoque o aluno e as instituições do ensino. A medida visa amparar tanto vítima quanto agressor, pois ambos podem ter dificuldades para aprender.
A Lei 15.960/2014, proposta pelo vereador Ota (PROS), institui o Serviço de Assistência Psicológica ao Estudante da rede municipal, com o objetivo de prevenir e tratar os distúrbios psicológicos que possam comprometer o desempenho escolar e bem-estar dos alunos e da sociedade. A lei ressalta que tais distúrbios compreendem, em especial, sintomas e ações que apontem tendências à prática de atos violentos, pelos alunos, e indiquem a necessidade de uma assistência profissional preventiva.
Ricardo Rocha/CMSP
Ota conta que teve a ideia de fazer a lei para prevenir o bullying antes mesmo de ser vereador. Ele estava prestes a ministrar uma palestra em uma escola da periferia quando a diretora avisou que o valentão da turma, que tinha quebrado uma vidraça à pedrada poucos dias antes, fazia aniversário naquele dia. Ota, então, resolveu fazer uma surpresa e mandou comprar um bolo. Durante a palestra, Ota puxou o coro do Parabéns-pra-você e o bolo chegou. “Ele veio falar comigo, emocionado, dizendo que nunca tinha tido uma festa de aniversário”, lembra-se o vereador. Segundo ele, a criança deixou o comportamento violento. “Naquele dia eu prometi a mim mesmo que se eu me tornasse político faria um projeto para cuidar das crianças e evitar a violência nas escolas.”
O vereador Conte Lopes (PTB), por meio do Projeto de Lei (PL) 813/2013, defende a criação do Programa Interdisciplinar e de Participação Comunitária para Prevenção da Violência e do Bulliyng. Um dos objetivos desse programa é criar grupos de trabalho para desenvolver ações educativas e de valorização da vida. Essas equipes seriam formadas por professores, funcionários das escolas, pais, alunos, membros da comunidade, especialistas em educação e em segurança, além de representantes das Polícias Militar e Civil e da Guarda Civil Municipal. “A violência das ruas chegou à escola e, como atuo muito na questão de segurança, sei que é melhor prevenir do que remediar”, afirma Lopes.
Agressões virtuais
Com os avanços tecnológicos, surgiu uma forma ainda mais perigosa de bullying: o cyberbullying. Ele se caracteriza pela distribuição, via internet, de imagens, textos ou vídeos ofensivos. É mais perigoso porque a agressão pode surgir a qualquer momento e em qualquer lugar, até anonimamente, e pode ser compartilhada com muita gente. A vítima fica exposta o tempo todo, mesmo estando em casa.
Os vereadores Marta Costa (PSD) e Floriano Pesaro (PSDB) apresentaram o PL 601/2011, para que as ações de conscientização, prevenção e combate ao bullying incluam também a forma digital da violência. “Esse tormento permanente que a internet provoca faz com que a criança e o adolescente humilhados não se sintam mais seguros em lugar algum, em momento algum”, alertam os parlamentares na justificativa do projeto.
Com as medidas e ações preventivas propostas pelos vereadores, aumentam as chances de haver mais casos de superação, como o de Alannys, e diminuem os riscos de tragédias, como a de Wellington.
Nome de consensoA partir de fevereiro deste ano, qualquer projeto que denomine ou altere nomes de estabelecimentos do ensino público municipal deverá, obrigatoriamente, apresentar instrumento que comprove o apoio da maioria absoluta dos membros do Conselho de Escola da respectiva unidade escolar. A determinação consta na Lei 15.975/2014, aprovada na CMSP. A obrigatoriedade foi proposta pela Comissão de Educação, Cultura e Esportes da CMSP em 14 de agosto de 2013. Na época, faziam parte da Comissão e subscreveram o projeto os vereadores Floriano Pesaro (PSDB), Edir Sales (PSD), Ota (PROS), Reis (PT), Jean Madeira (PRB), Toninho Vespoli (PSOL) e o ex-vereador Orlando Silva (PCdoB). A justificativa ressalta que medidas como essa “valorizam a comunidade local, auxiliando-a a galgar passos em direção à autonomia e independência dos envolvidos e impedem que os projetos de nomeação sejam usados indiscriminadamente para fazer política”. Vespoli, um dos defensores da proposta, explica que dar mais esse poder ao Conselho Escolar é ampliar a gestão democrática, um dos pressupostos da Lei de Diretrizes e Bases: “Está provado que a escola melhora quando consegue trazer a comunidade para discutir educação com os professores”. |
Saiba mais
Livro
Bullying Escolar: Perguntas e Respostas. Cleo Fante e José Augusto Pedra. Artmed, 2008.
Site
www.chegadebullying.com.br
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