Conspiração e resistência
Em evento na CMSP, Paulo Markun explica atuação da imprensa durante a ditadura e a democracia
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
O jornalista e escritor Paulo Markun, ex-presidente da TV Cultura, tem uma visão bem crítica do papel da imprensa nos preparativos para o golpe que derrubou o presidente João Goulart, em 31 de março de 1964, e nos 21 anos de autoritarismo que se seguiram. “Essa visão de que havia uma maciça resistência dos jornalistas é um pouco cor-de-rosa”, resumiu. Markun participou do Ciclo de Debates em Comunicação da Câmara Municipal de São Paulo, em 15 de abril, no qual se discutiu a relação entre mídia, ditadura e democracia. Ele, que se prepara para lançar o livro O Brado Retumbante, também concedeu entrevista para aprofundar alguns pontos de sua análise.
Qual foi a participação da imprensa no golpe?
Paulo Markun: No primeiro momento, grande parte dos veículos apoiou o golpe. Dentre os grandes jornais da época, apenas a Última Hora apoiava Jango e suas redações foram empasteladas em vários locais do Brasil. É importante ressaltar que, logo depois, o Correio da Manhã começou a se afastar do movimento, com alguns jornalistas, como Carlos Heitor Cony e Marcio Moreira Alves denunciando tortura, o que obrigou o governo a tentar justificar o injustificável. Esse processo vai evoluindo e outros veículos começam a ficar contra o regime, ainda que com certos cuidados. O Estado de S.Paulo, cujo proprietário (Júlio de Mesquita Filho) foi um dos integrantes da conspiração pela queda de Jango, foi um dos jornais que se posicionou contra a ditadura, principalmente depois do AI-5, pois, até então, a imprensa tinha razoável liberdade e exercia a sua função.
Como os jornalistas reagiam?
A grande maioria não era a favor do golpe, mas havia os favoráveis. E uma grande parte dos profissionais não se opunha expressamente. Fazia seu trabalho, cumpria as ordens da censura, que chegavam à maioria das redações por telegrama ou telefonema. Muitas vezes a gente sabia das notícias por essas ordens, pois nem apurar a gente conseguia. Essa visão de que havia uma maciça resistência dos jornalistas é um pouco cor-de-rosa.
Qual foi a importância dos jornais alternativos?
Surgiram mais de 150 veículos alternativos, mas eles também não conseguiam exercer sua atividade por força da censura. Eu trabalhei no Opinião e a gente produzia dois jornais; um era simplesmente jogado no lixo pelos censores. O que sobrava tinha muito menos informação e contundência do que a grande imprensa. Infelizmente, não era algo eficiente. Mas isso não diminui o esforço nem o empenho das pessoas que buscaram esse caminho de luta. E aqui ou acolá houve êxitos momentâneos, em que se driblava a censura ou cobria assuntos que a grande imprensa não abordava, por exemplo, a questão sindical.
Como está a imprensa atualmente?
A imprensa está em crise, não por força de suas opções ideológicas, mas pela realidade do mercado, por força das transformações tecnológicas. Está procurando alternativas para sobreviver. Uma delas é a polarização, que faz com que comentaristas críticos ao governo federal tenham espaço mais amplo do que já tiveram no passado. Ao mesmo tempo, governo nenhum gosta de imprensa contra ele, gostaria de ter a favor. A maior parte dos veículos da grande imprensa não é de oposição sistemática ao governo. Essa é uma visão contaminada pelo processo político. Não acho que haja um Partido da Imprensa Golpista, o PIG. Mas também creio que muitas ações do governo que mereceriam ser mais divulgadas e analisadas são contaminadas pela oposição sistemática de certos setores. O remédio para isso é continuar havendo democracia e liberdade de imprensa. E as novas tecnologias oferecerem a possibilidade de comunicação direta com o grande público e entre o grande público. Basta ver a quantidade de comentários que há nas notícias dos portais.
Principais livros de Paulo Markun– Dom Paulo Evaristo Arns, o Cardeal do Povo |
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