Nº07 – História

O começo do fim

Há 30 anos, CMSP apoiou luta popular pelas eleições diretas e volta da democracia

Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br

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FESTA CÍVICA – Vereadores e funcionários da CMSP em passeata pelas diretas

Acervo CMSP

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LIBERDADE – Tribuna Livre das Diretas estava à disposição de todos os cidadãos

Acervo CMSP

No verão de 1984, a moda em todo o País era usar amarelo. Não só por uma questão estética, mas principalmente por uma causa política, pois a cor significava liberdade e democracia. Nas ruas, praças, escolas, sindicatos, câmaras, assembleias, no Congresso, enfim, em todos os cantos, os brasileiros usavam roupas amarelas e gritavam juntos: “Um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos eleger o presidente do Brasil”. Era a campanha das Diretas Já, um movimento de toda a sociedade brasileira que tinha um objetivo único: eleições diretas para a Presidência da República.

A tentativa de voltar às diretas fracassou, pois a eleição presidencial de janeiro de 1985 ainda foi realizada por intermédio do colégio eleitoral. Contudo, segundo muitos analistas, a Campanha das Diretas representou o começo do fim da ditadura. “Foi a verdadeira proclamação da República”, resume o jornalista Ricardo Kotscho, presente nos principais comícios da campanha como repórter do jornal Folha de S.Paulo.

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LUTO/LUTA – “Velório” dos deputados que não apoiaram as diretas foi na CMSP

Acervo CMSP

A Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) não ficou de fora desse movimento. Vereadores e funcionários participaram de várias formas. Em 29 de fevereiro de 1984 foi instalado o Comitê Pró-Diretas da Câmara, com a participação dos vereadores Marcos Mendonça (PMDB), Edson Simões (PMDB), Jooji Hato (PMDB), Albertino Nobre (PTB), Mário Noda (PTB), Luíza Erundina (PT), Irede Cardoso (PT) e Tereza Lajolo (PT). A bancada do Partido Democrático Social (PDS), que apoiava o governo do general João Figueiredo, foi convidada a indicar um membro, mas recusou. Uma das iniciativas desse grupo e de outros vereadores foi criar no térreo do Palácio Anchieta, sede da CMSP, um palanque para que todos os cidadãos pudessem expressar suas opiniões: a Tribuna Livre das Diretas.

Os vereadores pró-Diretas também aproveitavam qualquer oportunidade para defender suas ideias. Em 24 de fevereiro, na Sessão em Homenagem ao Dia da Mulher, ocorrida no Plenário da CMSP, as vereadoras Irede Cardoso, Ida Maria (PMDB), Erundina e Tereza Lajolo fizeram discursos a favor do voto direto. Na ocasião, até a primeira-dama do Estado, Lucy Montoro, mulher do governador Franco Montoro (PMDB), fez questão de deixar claro: “Esse slogan ‘Diretas Já’ está nos unindo, mesmo com diferenças partidárias, com diferenças ideológicas. Acho que essas diferenças são todas superficiais no sentido de que, basicamente, aquilo por que temos que lutar é por essa causa da redemocratização do nosso País”.

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MULTIDÃO – Milhares de pessoas se reúnem na Praça da Sé para exigir eleições diretas

Arquivo Público do Estado de São Paulo

Nas ruas

No dia 16 de abril, o Vale do Anhangabaú foi palco de uma das maiores manifestações da cidade, quando mais de um milhão de pessoas se reuniram para exigir as diretas. Uma passeata com vereadores e funcionários saiu do Palácio Anchieta, percorreu as ruas do centro e foi se unir à multidão.

A vice-presidenta do Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal, Sônia Alves, estava na passeata. “Foi uma festa maravilhosa, as pessoas cantavam, jogavam papel picado dos prédios, o povo estava pegando a história com as mãos”, lembra-se, emocionada. Ela, na época assessora do vereador João Carlos Alves (PT), também se recorda de como as manifestações da Campanha das Diretas eram pacíficas. “Não havia mascarados nem essa violência que há hoje.”

Apesar da vontade popular e do País em festa, a Emenda Dante de Oliveira, que propunha a volta das eleições diretas, foi derrotada em 25 de abril na Câmara dos Deputados. A ressaca cívica foi inevitável, mas a luta continuou. Em 11 de maio, houve um enterro simbólico dos 15 deputados paulistas que não votaram a favor das diretas. O velório foi no térreo da Câmara paulistana e, em cima de cada caixão, estava registrada a causa da morte: “Traição da vontade do povo”. Militantes e funcionários, em vez do amarelo das Diretas, usaram o preto do luto.

Um dos caixões que mais se destacavam era o do deputado federal Paulo Maluf (PDS), que já se declarava candidato a presidente, mas pelo voto indireto. Meses depois, em 15 de janeiro de 1985, Maluf foi derrotado por Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Era o fim da ditadura.

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BALANÇO – Para o cronista das Diretas,
o brasileiro tem todos os motivos pra ser otimista

Fotos: Ricardo Rocha/CMSP

Entrevista: Ricardo Kotscho


O jornalista Ricardo Kotscho foi considerado por Ulisses Guimarães, o ex-presidente da Assembleia Nacional Constituinte, como o “cronista das Diretas”, por ter percorrido o Brasil todo acompanhando os comícios da Campanha como repórter do jornal Folha de S. Paulo. Agora, 30 anos depois e recuperando-se de uma fratura no cotovelo, Kotscho está otimista com o País. Ele fala com autoridade de quem já foi repórter dos principais veículos do País e secretário de imprensa da Presidência no primeiro governo Lula.

O senhor foi testemunha e personagem da história do País nos últimos 50 anos. Como avalia esse período?
Ricardo Kotscho: Sou contemporâneo do golpe. Comecei na profissão em 64, poucos meses depois do golpe. Tudo mudou nesses 50 anos. O mais importante é que voltamos a ter democracia e liberdade, isso é o mais importante, para um jornalista e para qualquer cidadão. Só fomos voltar a ter democracia em 84, na Campanha das Diretas. O grande jornalista e historiador Laurentino Gomes diz que ali foi a verdadeira proclamação da República, porque na Proclamação da República o povo não existiu, foi um golpe militar. Tem uma frase do jornalista Aristides Lobos que diz que o povo assistiu bestializado à Proclamação da República. A mesma coisa aconteceu em 64; não tinha povo, tivemos aquelas marchas da família, que foi um negócio manipulado pela Igreja, pelos governadores de oposição, pelos Estados Unidos, mas o povão mesmo não tinha a menor ideia do que estava ocorrendo. Então, em 84 é que o povo foi para a rua pela primeira vez pra lutar por democracia. Eu concordo com Laurentino Gomes.

Como foi a Campanha das Diretas?
Foi um movimento multipartidário, entrou todo mundo, todas as assembleias, todas as câmaras municipais, todos os grandes líderes políticos do País, com exceção da turma do PDS. Um personagem simboliza essa luta, essa época: Ulisses Guimarães, que mais tarde seria presidente da Assembleia Nacional Constituinte. Essa luta foi de todos, não de uma parcela da sociedade, de um partido, não foi manipulada por ninguém. Foi um ato de afirmação da população brasileira.

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Em seu blog, Balaio do Kotscho, o senhor informa que o ex-presidente Jango tinha uma grande popularidade.
Sim. Dias antes do golpe foram feitas duas pesquisas, uma em São Paulo e outra nacional. Jango tinha 65% de aprovação popular, um índice altíssimo até para os dias de hoje. Eu não tinha ideia disso. O que a gente sabia pela imprensa da época é que Jango não tinha apoio, que era um fraco. Outro dado era que a maioria da população apoiava as reformas. E mais. Se ele pudesse, seria reeleito em 65. Eu sempre tive pra mim que o grande favorito era o ex-presidente Juscelino Kubitschek. O mais incrível é que isso ficou escondido por 50 anos. Na época, a imprensa não divulgou nada. Quem descobriu foi um repórter da Folha de S.Paulo, que encontrou documentos na Universidade de Campinas, mas a imprensa atual deu essa notícia muito lateralmente. Chamou minha atenção porque é um fato importante neste momento em que se discute o papel da mídia e dos institutos de pesquisa. Se essas pesquisas tivessem sido divulgadas na época teriam mudado os resultados dos acontecimentos?

Muita gente fala da possibilidade de haver um golpe no Brasil. Existe esse risco?
Não há a menor chance de se repetir aquela história por uma razão muito simples. Hoje os militares estão dedicados unicamente a seu trabalho previsto na Constituição. Não conheço nenhum líder militar da ativa que possa estar envolvido em alguma tentativa de golpe. Tem alguns de pijama, as viúvas do golpe de 64, que de vez em quando soltam um manifesto. Não vejo condições nem dos empresários, nem dos meios de comunicação. Não acredito que haja uma mídia golpista.

O que o senhor acha daqueles que têm saudade da ditadura?
Há dois tipos dessa gente. Um que realmente é conservador, de direita, que continua achando que o Brasil está ameaçado pelo comunismo. São as viúvas da ditadura, que são poucas.
E tem, aí é que eu acho mais grave, uma parcela da juventude, mal informada, mal formada, que acha que o País está acabando, que há um risco de o Brasil virar uma Venezuela. Não há um ato concreto do governo contra a liberdade de expressão.

Como está a democracia brasileira?
Estamos diante de uma democracia muito jovem, que ainda tem muito a percorrer. Temos uma democracia política, temos liberdade de expressão como nunca antes, com um período longo de liberdades públicas, mas acho que para a democracia ser completa ainda precisa incorporar uma boa parte da população que está marginalizada, sem oportunidades. Já melhorou muito. O balanço do Brasil de 50 anos atrás e o de hoje é positivo em todos os sentidos, econômico, social. A nossa geração foi vitoriosa ao final desse processo. E ainda tem muita coisa a ser feita. É muito bom ser jornalista neste País porque tem muita história para ser contada. É um mundo de histórias à disposição dos interessados em contar o que está acontecendo. Eu sou muito otimista. O brasileiro tem de ser otimista, tem todos os motivos para isso. O Brasil melhorou muito.

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