Em busca do ouro
Leis e projetos querem incentivar atletas e garimpar talentos para a Olimpíada de 2016
Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Marcelo Ximenez/CMSP
“Se eu tivesse tido apoio, poderia ter ido muito mais longe”, avalia o campeão estadual de tae kwon do Herbert Lima, 27 anos. Filho de um mestre na arte marcial, Ciro de Lima, ele se apaixonou pelo esporte com sete anos de idade e passou a década seguinte treinando quatro horas todos os dias. O seu pior adversário o atacava fora do tatame: a falta de grana.
Tinha dias em que Herbert era obrigado a andar cinco quilômetros a pé até os locais de treinamento para economizar o dinheiro do lanche (“ou pagava a comida, ou pagava o ônibus”) e encarava treinos pesados, das 14h às 18h, apenas com um pão com manteiga no estômago.
O lutador teve um filho aos 17 anos e se viu forçado a abandonar os treinos para trabalhar. Formou-se em engenharia elétrica e passou a equilibrar sua rotina entre os empregos de supervisor de manutenção de uma fábrica de motos e professor de tae kwon do. Engordou 20 quilos e passou a competir numa categoria em que os adversários tinham altura média de 1,90 metro, bem mais do que o seu 1,70 metro.
Contra tudo isso, conseguiu conquistar o campeonato estadual de tae kwon do por 15 vezes desde 1998. Contou com cara e coragem, já que, desde que começou a trabalhar, consegue treinar no máximo cinco horas por semana. O recomendável seriam cinco horas por dia. “Eu vou às competições confiando só na minha experiência, porque treinamento eu nunca mais tive”, revela.
Mozart Gomes/CMSP
A dois anos da primeira Olimpíada em solo brasileiro, leis e projetos elaborados pelos vereadores da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) buscam criar condições para que atletas como Herbert não sejam forçados a escolher entre o esporte e a sobrevivência, além de, quem sabe, revelar talentos capazes de trazer medalhas já para os Jogos de 2016.
MAIS ESPORTE, MENOS IPTU
Uma das iniciativas dos parlamentares é a Lei Municipal de Incentivo ao Esporte (15.928/2013), idealizada por Orlando Silva (PCdoB), vereador suplente que substituiu temporariamente Netinho de Paula (PCdoB). A lei concede descontos no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e no Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para empresas e pessoas físicas que investirem em projetos esportivos. O objetivo, segundo Silva, é “a universalização da prática esportiva e paradesportiva na cidade de São Paulo, tornando-a mais humana para todos”.
Aprovada em 2013, a lei foi regulamentada em fevereiro deste ano pelo prefeito Fernando Haddad (PT). “Trata-se de incentivo efetivo à criação e manutenção de programas ou mesmo eventos esportivos, assim como a manutenção de praças públicas de esporte”, explicou o secretário municipal de Esportes, Lazer e Recreação, Celso Jatene, durante a assinatura do decreto de regulamentação.
Após a publicação dos editais, as pessoas físicas ou jurídicas selecionadas pela Prefeitura receberão um certificado de incentivo, com validade máxima de um ano, com o qual poderão receber os benefícios fiscais. Os descontos nos impostos serão dados em troca de três tipos de investimento esportivo: patrocínio de projetos ou adoção de clubes da comunidade, valendo também a requalificação de equipamentos esportivos do governo; implantação e conservação de áreas de uso público, em terrenos privados, para esporte e lazer; e concessão de aulas gratuitas para modalidades esportivas em espaços públicos e de bolsas integrais anuais para a terceira idade praticar atividades físicas.
A lei cria, ainda, uma Comissão de Avaliação de Projetos Esportivos, encarregada de receber e aprovar ou rejeitar as propostas enviadas à Prefeitura, e uma Coordenadoria de Incentivos, para acompanhar a execução dos projetos e avaliar suas prestações de contas. O valor aplicado pelo Executivo municipal nos incentivos fiscais será definido pela Lei Orçamentária, aprovada na Câmara Municipal, e não pode ser inferior a 10% do orçamento da Secretaria de Esportes.
Herbert Lima, o campeão de tae kwon do, achou a ideia excelente. “Essa lei tem tudo para mudar as condições do esporte em São Paulo”, diz. Mas faz uma ressalva: “É preciso conscientizar os empresários da necessidade de investir em diversos esportes, e não só nos mais populares”.
MUITO ALÉM DO ARROZ E FEIJÃO
Filho do bicampeão mundial de boxe e ex-vereador Éder Jofre, o assistente parlamentar Marcel Jofre, que trabalha no gabinete do vereador Aurélio Miguel (PR), lembra como seu pai treinava, nos anos 50 e 60, alimentado quase só com arroz e feijão. “Hoje em dia é tudo diferente”, compara.
Tudo mesmo. Colega de gabinete de Marcel, o ex-dirigente esportivo Mauzler Paulinetti explica por que fazer esportes a sério ficou caro: “Hoje, um atleta de alto rendimento precisa treinar, miseravelmente, seis horas por dia. Precisa ter alimentação especial e suplemento alimentar e se exercitar em outras modalidades, como musculação e corrida”. Além do treinamento especial, Paulinetti aponta outras necessidades de um atleta para que possa vencer: equipe multidisciplinar, com fisioterapeuta e nutricionista, e equipamentos caros, como roupa e tênis. “Treinando seis horas por dia, tem de escolher entre trabalhar ou estudar”, afirma.
Com todos esses gastos envolvidos, a atividade esportiva depende de apoio do Poder Público. Graças à proximidade dos Jogos Olímpicos de 2016, agora é uma boa hora para se apostar nos competidores. “É um bom momento para investir nos atletas e conseguir bons resultados nas classificatórias para a Olimpíada”, aponta Mauzler.
Uma possível forma de investimento é a lei da bolsa-atleta (15.020/2009), de Aurélio Miguel, judoca medalha de ouro na Olimpíada de Seul (1988) e bronze em Atlanta (1996). A legislação prevê financiar integrantes do programa dos Jogos Panamericanos, Jogos Olímpicos, Jogos Paraolímpicos ou Jogos Parapanamericanos, com valores mensais de R$ 300 para atletas com idade entre 14 e 17 anos, e R$ 600 para os de 18 a 25. Promulgada em outubro de 2009, pelo então prefeito Gilberto Kassab, a lei ainda não funcionou na prática porque não recebeu recursos do orçamento municipal. Em junho, a CMSP aprovou a Lei 16.014/2014, também de autoria de Aurélio Miguel, que atualiza os valores para R$ 400 e R$ 800 e muda a idade máxima dos contemplados para 21 anos.
NAS PERIFERIAS
O esporte em São Paulo não vive só de atletas olímpicos, mas também das rodas de capoeira, das competições nos campinhos dos bairros, do futebol de várzea. Pensando nisso, Aurélio Miguel criou o Programa para a Valorização das Iniciativas Esportivas, batizado VAI do Esporte, por meio da Lei 15.994/2014. A ideia é dar ao esporte o mesmo incentivo que o Programa para Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), criado pelo vereador Nabil Bonduki (PT) em 2003, proporcionou às ações culturais na periferia.
Gute Garbelotto/CMSP
Voltado para “jovens de baixa renda e de regiões do Município desprovidas de recursos e de equipamentos comunitários”, o VAI do Esporte busca fomentar “práticas esportivas formais e não formais” e “incentivar as manifestações desportivas de criação local”. Podem participar pessoas físicas ou jurídicas, e cada projeto contemplado recebe até R$ 15 mil. A lei cria uma Comissão de Avaliação de Propostas, encarregada de selecionar os projetos e, ao final, apreciar as contas apresentadas pelos beneficiários.
“Estudos recentes demonstram que os centros de esportes em áreas de baixa renda colaboram para afastar crianças e adolescentes carentes da criminalidade e da violência, por meio da inclusão social”, aponta Aurélio Miguel. Promulgado em abril deste ano, o VAI do Esporte aguarda regulamentação.
PASSE LIVRE
Para diminuir os gastos dos atletas que precisam percorrer grandes distâncias até seus locais de treinamento, quatro vereadores criaram um projeto de lei que estabelece passe livre para os esportistas nos ônibus.
Gabinete do vereador Aurélio Miguel
O PL 362/2013, de George Hato, Rubens Calvo, Nelo Rodolfo e Ricardo Nunes, todos do PMDB, prevê isenção de tarifa no transporte coletivo público no Município de São Paulo para os atletas de categorias de base de esportes olímpicos que “estejam federados na respectiva entidade regional de administração de desporto”. Na justificativa, os vereadores lembram que o jogador Ronaldo Fenômeno, no tempo em que era um menino de 12 anos de Bento Ribeiro, no subúrbio do Rio de Janeiro, passou em um teste no Flamengo, mas desistiu de jogar no time porque não tinha como pagar as quatro conduções diárias até a Gávea.
George Hato calcula que o transporte grátis beneficiaria cerca de 30 mil esportistas. Segundo ele, o projeto é “um reconhecimento dos vereadores aos atletas que se esforçam tanto para representar o País”. “O esporte é uma ferramenta social, que serve para focar o jovem num caminho bom”, aponta. Se aprovada a proposta, atletas como Herbert Lima não terão mais de optar entre o ônibus ou o lanche.
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