Passagem para o sossego
Vereadores e moradores se unem para tentar transformar o Elevado Costa e Silva em Parque Minhocão
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Considerada uma obra feia, mas útil (ou útil, mas feia), o Elevado Costa e Silva há 43 anos marca a cidade de São Paulo com engarrafamentos, poluição e barulho. Muitos urbanistas comparam a via de 2,8 km a uma cicatriz. Mas durante a semana, das 21h30 às 6h30, e aos domingos e feriados, tudo muda. Os carros dão lugar a bicicletas, patins, skates e carrinhos de bebê. Os estressados motoristas são substituídos por homens, mulheres e crianças em busca de diversão.
BARULHO – Uma das grandes reclamações em relação ao elevado deve-se ao intenso tráfego, das 6h30 às 21h30
Ricardo Rocha/CMSP
Nesses períodos, o Minhocão (como o elevado é mais conhecido) fica fechado para o trânsito. Na prática, a via se transforma em um parque linear, ainda que não oficialmente. Pensando nisso, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) analisa o Projeto de Lei (PL) 10/2014, que, gradualmente, aumenta os períodos de proibição do tráfego no elevado e torna a via suspensa, de fato, no Parque Minhocão.
O projeto, apresentado pelos vereadores José Police Neto (PSD), Nabil Bonduki (PT), Toninho Vespoli (PSOL), Ricardo Young (PPS), Goulart (PSD), Natalini (PV), Aurélio Nomura (PSDB) e George Hato (PMDB), proíbe o trânsito de veículos no elevado em várias etapas. Se a proposta se tornar lei, em até três meses após a sanção do prefeito o tráfego será proibido também aos sábados; nove meses depois, ficará fechado nas férias escolares; em dois anos, o horário em que fica fechado durante a semana será ampliado; em três anos, pela manhã só funcionará no sentido bairro-centro e à noite no sentido centro-bairro. Finalmente, após quatro anos, o trânsito de veículos ficará proibido e o Parque Minhocão irá se tornar realidade (veja quadro).
Equipe de Comunicação/CMSP
“CARRODEPENDÊNCIA”
Segundo o vereador Police, “o Minhocão é o principal símbolo da síndrome da ‘carrodependência’, porque é uma via que serve ao carro e não ao transporte coletivo”. Para ele, as linhas de metrô que estão em construção poderão compensar parte do trânsito que passa pelo elevado. “A criação do parque também vai estimular a revitalização do centro”, completa. O parlamentar ressalta, porém, que o PL 10/2014 não define as características do parque, como tamanho e horário de funcionamento. “Isso a Câmara vai discutir com a sociedade, já que a gestão do Parque Minhocão será democrática”.
O presidente da Associação Parque Minhocão, Athos Comolatti, é um dos maiores entusiastas do projeto. Segundo ele, aos domingos o local já serve como parque e proibir o trânsito aos sábados será “o primeiro e grande passo” para a oficialização. Comolatti explica que essa medida também vai ajudar a resolver questões de segurança e de limpeza. “Atualmente, a Prefeitura e a Polícia Militar fazem de conta que isso não é um parque”, afirmou em entrevista na sede da associação, que fica em um prédio na Avenida São João, a poucos metros dos carros que passam pelo elevado. O grupo, formado por moradores de vários bairros, tem organizado atos em favor do Parque Minhocão.
Ricardo Rocha/CMSP
Os críticos mais ferrenhos do Minhocão, como o escritor Marcelo Rubens Paiva, defendem uma ação radical: derrubá-lo. Construções semelhantes passaram por esse processo há alguns anos em cidades como Boston (EUA) e Seul (Coreia do Sul). Mais recentemente, o Rio de Janeiro também pôs abaixo o Elevado da Perimetral. Em seu blog, Paiva classifica o Minhocão como uma “das obras mais infelizes e horrorosas de São Paulo”.
“Derrubar é um raciocínio simplista, como se houvesse apenas duas opções: derruba ou mantém os carros”, afirma Comolatti. “Porém, existe a opção de usar o que já temos. O parque é uma solução mais inteligente, mais humana, muito mais legal.” Segundo ele, pôr o elevado no chão também sairia muito caro, cerca de R$ 100 milhões. “Com esse dinheiro é possível fazer um parque muito bom.”
O fotógrafo Felipe Morozini, morador do 13º andar de um prédio na Avenida São João, reclama muito do barulho e da poluição dos carros que passam pelo Minhocão. “Não posso nem abrir as janelas”, lamenta. Ele defende a criação do parque, pois espera que com ele a segurança da região melhore.
EM DISCUSSÃO – Características do parque serão determinadas pela sociedade, diz o vereador Police (de capacete preto)
Mozart Gomes/CMSP
Taxista com ponto há 20 anos no Largo Padre Péricles (Perdizes), onde o elevado termina, Juramildo Tozo Miranda é contra a ideia do parque. “Para o mercado imobiliário seria ótimo, já que os prédios da região se valorizariam, mas para o trânsito seria o caos”, comenta.
Enquanto a cidade não decide o que fazer com seu elevado mais famoso, os moradores ocupam-no sempre que têm chance, especialmente aos domingos. Cada vez mais organizam diversas atividades que mudam a cara da via que tanto incomoda alguns paulistanos, transformando-a em um lugar para festas, jogos, feiras gastronômicas, grafitagens, piqueniques, exibições de filmes e peças ou até para um banho de piscina.
Polêmico até no nomeInaugurado em 25 de janeiro de 1971, o Elevado Costa e Silva surgiu com muitas controvérsias. Para o prefeito da época, Paulo Maluf, ele era “a maior obra viária urbana da América Latina”. Contudo, muitos paulistanos já o viam como um símbolo do autoritarismo dos tempos de ditadura militar. Por causa dos acidentes rotineiros e do barulho, em 1976 o tráfego de veículos foi proibido da meia-noite às 5h. Em 1990, a prefeita Luiza Erundina regulamentou o fechamento do elevado, mas em 1996 o novamente prefeito Paulo Maluf tentou reabrir o Minhocão à noite e aos domingos. Foi impedido pela Câmara Municipal, que aprovou um projeto do então vereador José Eduardo Cardozo que tornava lei a proibição do tráfego de veículos no elevado nesses períodos. A Prefeitura, que procura alternativas para amenizar os problemas do Minhocão, organizou, em 2006, a segunda edição do Prêmio Prestes Maia de Urbanismo. O projeto vencedor foi o dos arquitetos Juliana Corradini e José Alves, que viviam e moravam num apartamento próximo ao Minhocão. A proposta previa que o elevado seria “encaixotado” por uma estrutura metálica, que teria isolamento acústico e permitiria que os carros continuassem a passar. Fora da caixa haveria galerias com espaços culturais, praças de serviço e lanchonete e, em cima dela, um parque. O projeto não saiu do papel. Outro aspecto polêmico é o nome do elevado, que homenageia o marechal Arthur da Costa e Silva, responsável por editar o Ato Institucional nº 5, que deu início ao período mais repressivo da ditadura militar. Projetos foram apresentados na Câmara para que ele passasse a se chamar Presidente João Goulart, Presidente Nestor Carlos Kirchner (ex-presidente da Argentina) ou Sobral Pinto (jurista brasileiro). Atualmente, a Câmara analisa uma proposta do vereador Nabil Bonduki (PT) para que o elevado se chame oficialmente Minhocão. |
Inspiração nova-iorquinaUma linha férrea desativada se tornou um parque suspenso em Nova York (EUA) e é o grande exemplo para os defensores do Parque Minhocão. Em 1999, a Prefeitura da cidade anunciou que iria derrubar mais um trecho de uma via ferroviária elevada a 10 metros do solo, desativada desde 1980. Dois moradores da região, Joshua David e Robert Hammond, criaram a Associação Amigos da High Line e conseguiram impedir a destruição e transformar o local em um parque. O High Line foi inaugurado em junho de 2009. Com 2,3 km, é um sucesso entre moradores e turistas. “Tenho três metas para o High Line: que ele seja sempre amado pelos nova-iorquinos, que inspire outras pessoas a iniciar os próprios projetos e que fique melhor quando eu e Joshua sairmos da Associação”, afirmou Robert Hammond no livro High Line – A História do Parque Suspenso de Nova York Outro modelo que inspira os que sonham com o Parque Minhocão é o Promenade Plantée, parque suspenso com 4,7 km de comprimento, em Paris (França). Inaugurado em 1988, utiliza os trilhos de uma linha que funcionou de 1859 a 1969. |
Saiba mais
Livros
Caminhos do Elevado: Memória e Projetos. Rosa Artigas, Joana Mello e Ana Claudia Castro (organizadoras). Imprensa Oficial, 2008.
High Line: A História do Parque Suspenso de Nova York. Joshua David e Robert Hammond. BEI Editora, 2013.
Documentário
Elevado 3.5. João Sodré, Maíra Bühler e Paulo Pastorelo (diretores). 2007.
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