Uma nova direção para São Paulo
Plano Diretor traz a receita de uma São Paulo com qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. Desafio é tirá-lo do papel
Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Ao fim de um processo de intenso debate, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) aprovou o Plano Diretor Estratégico (PDE), instrumento que pretende melhorar a vida dos paulistanos. A criação do PDE começou com um projeto de lei elaborado pelo Executivo e enviado à Câmara, que produziu um substitutivo em parceria com os maiores especialistas em São Paulo: seus moradores.
Para chegar ao texto definitivo, os vereadores realizaram 62 audiências públicas, que reuniram cerca de 6 mil participantes no total, além de contribuições enviadas pelo portal da Casa. No total, foram 2.200 sugestões, incluindo 1.200 propostas apresentadas nas audiências, 500 documentos protocolados e 531 propostas transmitidas pela internet.
Aprovado em 30 de junho, com 44 votos a favor e 8 contrários (3 vereadores não votaram), o Plano Diretor (Lei 16.050/2014) foi sancionado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em 31 de julho. Durante a cerimônia de sanção, o texto da lei foi elogiado pelo diretor regional do Escritório para América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Elkin Velásquez. Segundo ele, por usar o adensamento como uma oportunidade de reorganização do espaço, o PDE paulistano é um exemplo para outras metrópoles do mundo.
A lei apresenta uma série de objetivos que a administração municipal deve alcançar até 2029. As outras leis que planejam a cidade (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual), além do Plano de Metas, têm de seguir as diretrizes e prioridades do Plano Diretor. “É a mais importante lei urbanística da cidade de São Paulo”, explica o presidente da Casa, vereador José Américo (PT). Uma revisão do atual PDE está marcada para 2021.
Mesmo quem votou contra o novo plano reconhece os avanços com relação ao anterior, em vigor desde janeiro de 2003. As novidades da lei aprovada são muitas, entre elas a criação de uma zona rural paulistana, a ampliação das áreas destinadas à moradia de baixa renda, a implantação de um polo de economia criativa e o estímulo à construção de prédios sem muros, integrados à cidade e com comércio no térreo (a chamada fachada ativa), ao longo das principais vias de transporte.
Segundo o arquiteto e urbanista Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie), a nova lei busca reverter uma tendência de urbanização adotada pelas gestões municipais a partir dos anos 70, que resultou na população pobre espalhada por moradias precárias nas periferias e os mais ricos trancafiados em condomínios de muros altos, além de transporte vagaroso e meio ambiente devastado. O que se pretende agora é uma São Paulo compacta e misturada. “Esse plano resgata e atualiza a tradição histórica, das galerias e das calçadas largas, que rompeu preconceitos e incorporou imigrantes”, afirma Caldana.
Na elaboração da lei, a participação popular foi ampla, como prevê o Estatuto da Cidade. “Estou no meu quinto mandato e nunca vi um processo de trabalho legislativo com essa intensidade”, afirma o vereador Paulo Frange (PTB). Além das milhares de contribuições enviadas por meio das audiências públicas e da internet, o envolvimento também ocorreu em forma de manifestações, a principal delas organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Dezenas de militantes passaram uma semana acampados na rua diante do Palácio Anchieta, sede da CMSP, com batuque, buzinas, faixas e palavras de ordem, e só saíram após a Câmara aprovar o projeto em segunda votação.
A pressão dos sem-teto foi criticada por alguns vereadores. “Não tem cabimento o Palácio Anchieta ter o seu símbolo, non ducor duco (não sou conduzido, conduzo), alterado por um movimento que não tem o menor respeito pela democracia brasileira”, afirmou Floriano Pesaro (PSDB). Por outro lado, Toninho Vespoli (PSOL) disse que o movimento fez “pressão democrática e de cara limpa”. Segundo ele, “os grupos empresariais não precisam acampar na frente da Câmara, pois conseguem fazer lobby por outros meios”.
CRESCER PARA DENTRO
O ponto de partida da nova lei é o diagnóstico de que São Paulo não pode mais se expandir horizontalmente, em direção aos bairros, como ocorreu nas últimas décadas. Ao crescer para os lados, a cidade devastou o meio ambiente, principalmente áreas de manancial localizadas na região sul. Também produziu periferias muito distantes, o que obriga moradores a gastar muitas horas para chegar ao trabalho.
O caminho, então, é crescer para dentro. Para isso, a lei incentiva o mercado imobiliário a construir prédios mais altos em torno dos chamados “eixos de transporte coletivo de massa”: corredores de ônibus e linhas de trem, metrô e monotrilho. Além de aproximar emprego e moradia, pretende-se estimular o paulistano a trocar o carro pelo transporte público. Para reforçar esse objetivo, outra medida determina que prédios construídos perto dos eixos podem ter no máximo uma vaga de garagem por apartamento. Os empreendimentos que construírem mais vagas devem pagar à Prefeitura pela diferença.
Ricardo Rocha/CMSP
Para fomentar o adensamento populacional nos eixos de transporte coletivo, o plano deu a essas regiões um coeficiente de aproveitamento básico 4. Isso significa que os empreendedores podem construir imóveis com até quatro vezes o tamanho do lote nesses locais, sem pagar à Prefeitura por isso (em um terreno de 200 m2, por exemplo, é possível construir um imóvel de até 800 m2 sem custos extras).
No restante da cidade, o coeficiente básico é 1. Para construir acima desse índice, os empresários precisam pagar à Prefeitura uma taxa conhecida como outorga onerosa, que financia o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). “É a primeira vez, no Brasil, que uma cidade adota o coeficiente 1, ou seja, transforma todo o espaço construído acima da área do terreno em uma propriedade do Poder Público, que deve ser concedida”, afirma o vereador Nabil Bonduki (PT), relator do PL do Plano Diretor.
Segundo Bonduki, o incremento da outorga onerosa vai ajudar os moradores mais carentes da cidade, já que 30% dos recursos do Fundurb são destinados à compra de terrenos nas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), destinadas à moradia de baixa renda. “Só adianta ter Zeis se houver recursos para comprar as terras e produzir habitação”, explica o vereador. Essas zonas especiais previstas no novo PDE somam 37 km2, mais do que o dobro em relação ao anterior, 17 km2. Outra ferramenta de incentivo à moradia dos mais pobres é a cota de solidariedade, pela qual os empresários responsáveis por empreendimento com mais de 20 mil m2 construídos devem destinar 10% da área para habitações de interesse social, ou pagar um valor equivalente ao Fundurb.
Fábio Lazzari/CMSP
A localização das Zeis, a maioria em regiões periféricas, foi criticada pelo vereador José Police Neto (PSD). “A distribuição dessas zonas no território apontaram para cada vez mais oferecer terrenos distantes”, afirmou. “O plano prefere empurrar a população para a mais longínqua periferia, onde teremos de investir para levar sistemas de transporte, saúde, educação”. O relator da lei, Nabil Bonduki, rebate dizendo que a localização das áreas destinadas aos mais pobres melhorou em relação ao plano anterior: “Algumas das Zeis são mais periféricas, mas quase a metade delas está bem localizada na cidade, ao longo dos eixos do centro”.
PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL
O Plano Diretor pretende fazer o verde avançar sobre o cinza paulistano, com a implantação de 168 parques, financiada por um Fundo Municipal de Parques. Outra medida em benefício do meio ambiente é a recriação de uma zona rural paulistana, correspondente a um quarto do território da cidade, a maior parte na zona sul. O objetivo é impedir o avanço urbano sobre as áreas de proteção a mananciais de água.
Para isso, o PDE prevê remuneração para proprietários que preservarem áreas verdes importantes em suas terras, como os remanescentes da mata atlântica e o entorno das nascentes. O mesmo pagamento também vale para os produtores que adotarem a agricultura orgânica. Dessa forma, em vez de um estorvo para seus proprietários, as áreas de preservação se transformam em oportunidades econômicas.
A cultura também ganhou espaço na cidade imaginada pela nova lei, com a criação de distritos criativos, em que o poder municipal concede incentivos fiscais para atividades ligadas à economia criativa. A ideia será testada inicialmente em um Polo de Economia Criativa a ser implantado nos bairros Sé e República. “Depois a ideia pode ser estendida para outras subprefeituras que também tenham essa vocação”, afirma o vereador Andrea Matarazzo (PSDB). Autor da ideia, o parlamentar é presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, que analisou o projeto do Plano Diretor.
Apesar de presidir a comissão, Matarazzo votou contra a versão final da lei. Para ele e outros vereadores contrários ao texto do novo plano, uma das principais falhas do projeto é o modo como propõe o adensamento em torno dos eixos de transporte. “Adensar não é errado, mas fazê-lo de forma uniforme é querer tratar de forma igual coisas desiguais. Temos de estimular, primeiramente, os lugares que necessitam adensamento, e não os eixos de transporte como um todo”, disse Matarazzo.
Destino do Minhocão
O Plano Diretor Estratégico estabeleceu o fim do Elevado Costa e Silva, o Minhocão, como via de tráfego para automóveis. O texto da lei não define prazos nem informa qual será o destino do elevado, que pode ser demolido ou transformado num parque (inteiramente ou em parte). Segundo o PDE, os prazos e a destinação precisarão ser definidos por uma “lei específica”. Atualmente, a Câmara analisa o Projeto de Lei 10/2014, de José Police Neto (PSD), Nabil Bonduki (PT), Toninho Vespoli (PSOL), Ricardo Young (PPS), Goulart (PSD), Natalini (PV), George Hato (PMDB) e Aurélio Nomura (PSDB), que prevê a transformação do Minhocão em parque, num prazo de quatro anos.
Para Ricardo Young (PPS), faltam estudos, principalmente ambientais, sobre o impacto que a construção de prédios mais altos pode provocar nas regiões próximas às vias de transporte. “Temos uma grande preocupação com a omissão do Plano Diretor em relação ao licenciamento e às análises de impacto ambiental”, afirmou o vereador, que votou a favor da lei.
PARA SAIR DO PAPEL
Várias das medidas do Plano Diretor, como a cota de solidariedade e o aumento do IPTU de terrenos ociosos, são autoaplicáveis e não precisam de regulamentação. Passaram a valer desde 31 de julho, quando a lei foi sancionada. Mas há desafios para a aplicação.
Um deles é o detalhamento de itens do PDE que dependem da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que define o zoneamento da cidade e deve ser discutida pela Câmara Municipal a partir do ano que vem. Falta também discutir os planos regionais, relativos a cada subprefeitura, e os planos de bairro. “Estamos abrindo um processo de debate da cidade”, conta Nabil Bonduki.
Por mais bem planejada que esteja no papel, a São Paulo de verdade não vai mudar apenas com a força de uma lei. Para existir no mundo real, as diretrizes do Plano Diretor Estratégico dependem de vontade política e da aplicação de recursos dos governos municipal, estadual e federal em questões como transporte coletivo e moradia. “Se não conseguirmos colocar em prática as propostas, não adianta planejar”, reconhece o próprio relator do plano, Bonduki. Ou, como diz o também arquiteto e urbanista Valter Caldana: “Temos experiência de saber como os planos diretores podem ser peças técnicas brilhantes para ilustrar gavetas”.
Entrevista: Nabil BondukiO vereador foi relator do projeto de lei do Plano Diretor Estratégico em 2002 e em 2014 Como compara a participação popular e dos vereadores no PDE de 2002 e no atual? Quais são os avanços em relação ao de 2002? O ponto central deste PDE é o adensamento nos eixos de transporte. Por quê? Há instrumentos para criar outras centralidades? Como a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo e dos planos regionais complementam o PDE? |
Entrevista: Andrea MatarazzoO vereador preside a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, que analisou o Plano Diretor, e votou contra a versão final do projeto Quais os avanços e as imperfeições do plano aprovado? O argumento é aproximar moradia e emprego. Essas questões podem ser aprimoradas com os planos regionais? Quais as contribuições dos vereadores e da população ao plano? |
Entrevista: Valter CaldanaArquiteto e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie Como avalia o novo Plano Diretor? Como o paulistano, tão preocupado com segurança, vai receber o modelo de uso misto e fachada ativa? Como o PDE pode resolver os problemas de São Paulo? O plano aponta para uma cidade mais democrática? Existem defeitos no PDE? |
HABITAÇÃO: O Plano visto por um líder dos sem-teto e um representante de empresários da construção civil |
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Marcelo Camargo/Abr Guilherme BoulosCoordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que acampou em frente à Câmara Municipal para pressionar pela aprovação do PDE Qual a avaliação do novo Plano Diretor? E as falhas? Que mecanismos poderiam ser esses? Alguns vereadores reclamaram da pressão do MTST. O que acha? |
Divulgação Claudio BernardesPresidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP) Qual é sua avaliação do novo Plano Diretor? Como o mercado vai lidar com essas novidades? O público paulistano é conservador? O plano estimula a produção de moradia para baixa renda? Qual será o impacto nos preços dos imóveis? |
Saiba mais
Site
http://planodiretor.camara.sp.gov.br
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