Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Publicada originalmente em dez/2017 – edição nº 25
Quem hoje passa pelo Parque Trianon, um pedaço de mata nativa em plena Avenida Paulista, um dos centros financeiros mais importantes da capital paulista, talvez não saiba que o local quase foi fechado ao público e teve grande parte de suas árvores cortadas para se transformar num reservatório de água. Os responsáveis por impedir a ação, proposta pelo governo do Estado, foram os vereadores da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP).
“Não há quem ignore os males ocasionados pela devastação das matas nos arredores da capital”. Comissão de Obras da Câmara em 1914
Em 1914, época em que ecologia e aquecimento global ainda não eram grandes preocupações, os vereadores Ernesto Goulart Penteado, Raphael Archanjo Gurgel e Antonio Baptista da Costa, membros da Comissão de Obras da Câmara, emitiram parecer contrário à transformação do parque alegando que “o clima de hoje não é mais o de outrora” e “não há quem ignore os males ocasionados pela devastação das matas nos arredores da capital”. Constatavam, ainda, que “as águas têm diminuído a olhos vistos, a salubridade (condições de saúde) pública tem sofrido com esse mau hábito da destruição das matas”.
Com essas justificativas, recusaram o pedido da Repartição de Águas e Esgotos, órgão da administração estadual, que havia solicitado construir um reservatório de água no parque, uma área de 4,86 hectares (48.600 m²) coberta com árvores da mata atlântica, na avenida que já era um dos pontos mais elegantes da cidade.
Outra comissão da Câmara, a de Finanças, composta pelos vereadores Sampaio Vianna, Oscar Porto e Mario do Amaral, apoiou a decisão da Comissão de Obras. A construção do reservatório exigiria a devastação de uma grande parte da mata e, para conservar a limpeza da água, o parque teria de ser interditado ao público, o que dificultaria “seu gozo” pela população, segundo os parlamentares. No mesmo texto, lembram que o local foi criado para “suprir a falta de um parque que servisse de recreio à população daquela zona alta na cidade”.
Os membros da Comissão também sugeriram à Prefeitura que fosse construída uma “rústica ponte” entre as duas quadras do parque, separadas pela Alameda Santos, e colocassem em volta do parque cercas-vivas de roseiras e pés de café.
Quando os vereadores partiram em defesa das árvores, o parque já existia havia 22 anos. O empresário uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, responsável pela abertura da Avenida Paulista, ficou impressionado com a beleza da vegetação, no meio da nova via, e decidiu construir um parque. O nome do local escolhido indicava sua principal característica: Alto do Caaguaçu, que na língua tupi significa “mata grande”.
O empreendedor contratou o paisagista francês Paul Villon, responsável por jardins do Palácio do Catete, então sede da Presidência da República, no Rio de Janeiro, e por praças em Belo Horizonte. Por isso, durante seus primeiros anos, o local era conhecido como Parque Villon ou Parque da Paulista. “Fiz o que pude para abrir esta avenida e conservar este belo parque”, orgulhava-se Joaquim Eugênio de Lima.
O parque foi aberto ao público em 3 de abril de 1892, um ano após a inauguração da Avenida Paulista. Três dias depois, o jornal O Estado de S. Paulo recomendava: “àqueles que ainda não visitaram o belo lugar, aconselhamos que o façam, certos de que empregarão seu tempo num passeio delicioso”.
Entretanto, em 1918 o arquiteto inglês Barry Parker, que estava na cidade a serviço da Companhia City para urbanizar um bairro em construção na zona oeste, o Jardim América, fazia críticas. “Esse parque não era mais do que um pedaço de floresta primitiva em sua glória natural, com exceção de algumas trilhas sinuosas que foram dispostas entre as árvores”, diz no livro Two Years in Brazil (Dois Anos no Brasil), em que conta suas experiências em São Paulo. Segundo Parker, o local praticamente não era utilizado pelo público, sendo possível “passar e repassar por ele na Avenida Paulista sem sequer se aperceber de sua existência”.
Decoração da Paulista
Em frente ao parque, do outro lado da Avenida Paulista, onde hoje está o Museu de Arte de São Paulo (Masp), era possível ter uma vista do Vale do Riacho Saracura (canalizado nos anos 1920 para a construção da Avenida Nove de Julho) e do Centro da cidade. Naquele mirante, em 1916, foi erguido um belvedere (construção para se observar um panorama) batizado de Trianon. Com projeto do escritório do renomado arquiteto Ramos de Azevedo, no local funcionavam um restaurante de luxo, uma confeitaria, espaços para festas e uma escola de dança de salão para moças e rapazes.
O Belvedere Trianon tornou-se um dos pontos de encontro da elite política, econômica e intelectual da cidade. O sucesso foi tanto que o parque à sua frente passou a ser conhecido como Parque do Trianon e, depois, simplesmente Parque Trianon.
A Prefeitura de São Paulo, com apoio da CMSP, comprou em 1911 o parque e contratou Barry Parker para reformá-lo. Segundo o urbanista, era necessário um esquema que combinasse o local ao Belvedere Trianon, em uma composição arquitetônica que abrisse o parque e o tornasse “utilizável sem destruir nada de sua beleza natural” e ainda fizesse dele e do belvedere “a decoração para a Avenida Paulista”.
Durante a reforma, Parker construiu uma pérgula (traves horizontais que servem de suporte a trepadeiras) na entrada para combinar com o belvedere do outro lado da Avenida Paulista e derrubou árvores. O corte foi necessário para que quem estivesse no parque pudesse ver melhor o bairro Jardim América, justificou o arquiteto.
A medida foi muito criticada pela imprensa. “Para que se cortam árvores e arbustos no lindíssimo bosque, único verdadeiramente rústico da cidade? Será para alindá-lo transformando-o num jardim inglês?”, questionou um cronista do jornal O Estado de S. Paulo, que assinava apenas a letra P. Ele acusou a Prefeitura de estar cometendo um “atentado de lesa-natureza”.
A arquiteta Silvia Ferreira Santos Wolff esclarece, no livro Jardim América, que Parker apenas procurou “domar a natureza, cuja magnitude o impressionou, de forma a configurar a área natural como um elemento urbanístico”. Segundo ela, o corte de árvores também procurava dotar a mata de caminhos que permitissem a circulação entre a vegetação, expressando a ideia de intervenção própria aos ambientes urbanos planejados.
Últimos ajustes
Certamente influenciado pelo sucesso do restaurante do Belvedere Trianon, o prefeito de São Paulo, José Pires do Rio, enviou para a CMSP, em 1928, um ofício solicitando verba para a construção de um pavilhão-restaurante no parque do Trianon, na quadra entre a Alameda Santos e a Jaú. A Prefeitura anexou ao pedido plantas do projeto, realizado pelo escritório de engenharia e arquitetura Dacio A. de Moraes. Também foi incluído um orçamento, com o custo de cada etapa das obras. Todos esses documentos estão no Arquivo Geral da CMSP. Não foram encontrados registros de que a obra tenha saído do papel.
Em 1931, o local recebeu oficialmente seu nome atual: Parque Tenente Siqueira Campos, em homenagem a um dos líderes do movimento tenentista, tendo participado da Revolta do Forte de Copacabana, da Revolução de 1924 e da Coluna Prestes. O tenente Antônio de Siqueira Campos, paulista de Rio Claro, havia morrido em 10 de maio de 1930 em um acidente aéreo quando voava de Buenos Aires para São Paulo. O nome, contudo, nunca pegou. Tanto que a estação de metrô perto do parque se chama Trianon-Masp.
O parque passou por mais uma reforma em 1968, quando o prefeito Faria Lima contratou o paisagista Roberto Burle Marx e o arquiteto Clóvis Olga para que fizessem melhorias no local. Eles substituíram a ponte de madeira que ligava as duas quadras do parque, separadas pela Alameda Santos, por outra de concreto, alargaram as alamedas internas e as pavimentaram com pedras portuguesas em forma de mosaico.
Hoje, além da mata, os visitantes podem ver animais, principalmente pássaros, e obras de arte, como a escultura O fauno, de Victor Brecheret, e Aretusa, de Francisco Leopoldo Silva. O Parque Trianon fica aberto todos os dias, das 6h às 18h.
SAIBA MAIS
Livros
Jardim América: o primeiro bairro-jardim de São Paulo e sua arquitetura. Silvia Ferreira Santos Wolff (Edusp, 2001).
Avenida Paulista: a síntese da metrópole. Vito D’Alessio (Dialeto, 2002).
Avenida Paulista: imagens da metrópole. Maria Margarida Cavalcanti Limena (Educ, 1996).
Reportagem
Cidade Viva – Parque Trianon. Nayara Costa (TV Câmara, 2017).