Suspensão temporária de benefícios fiscais para instituições financeiras é discutida em primeira Audiência Pública virtual

JOTA ABREU
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A Comissão de Finanças e Orçamento realizou Audiência Pública virtual nesta quarta-feira (13/5), para tratar do PL (Projeto de Lei) 309/2020, de autoria da própria comissão e da presidência da Câmara, e que suspende temporariamente benefícios fiscais de instituições financeiras para destinar os recursos ao enfrentamento do coronavírus. Esta foi a primeira audiência com participação da população com intervenções e propostas realizadas de maneira virtual.

A ideia é suspender temporariamente benefícios fiscais atualmente concedidos a empresas de leasing e de cartão de crédito, tendo em vista que os setores financeiros não tiveram as suas atividades impactadas pela quarentena. Com isso, a alíquota de ISS (Imposto sobre Serviços) seria alterada de 2% para 5% em 2020, e de 2% para 4% em 2021, voltando ao benefício fiscal a partir de 2022.

Através de videoconferência os participantes puderam opinar e discutir as medidas propostas e eventuais consequências. O vereador Ricardo Nunes (MDB) iniciou as discussões realizando uma exposição do PL, explicando que a ideia não é aumentar tributos, mas apenas realizar uma suspensão temporária de benefícios fiscais que o município oferece. “O setor financeiro tem um benefício. Mas neste momento, temporariamente, a cidade não tem condições de continuar oferecendo, por conta das necessidades de aumento de despesas com a pandemia. E o projeto prevê, inclusive, um prazo para que posteriormente haja o retorno dos atuais valores das alíquotas que regulam o benefício”.

REPRESENTANTES DE ASSOCIAÇÕES E FEDERAÇÕES

Vanildo Veras, representante da Aesul (Associação Empresarial da Região Sul de São Paulo) deu início às falas, considerando louvável a iniciativa, justamente por lidar com um setor de negócios que não sofreu aperto neste período como ocorreu com outras categorias. Ele, porém, solicitou que a Comissão considerasse um ofício enviado pela entidade, solicitando também medidas de socorro às pequenas e médias empresas, na criação de tratamentos diferenciados para os diferentes registros de CNPJ.

Em seguida, falou o assessor para assuntos estratégicos da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), André Rebelo. Ele iniciou sua contribuição ressaltando que a Fiesp tem um trabalho profundo de avaliação do que chama de Custo Brasil, se referindo aos valores que empresários precisam arcar para investir no país, e basicamente se constituem de tributos e juros. Como no segundo caso, quem faz a cobrança são justamente as empresas financeiras, ele considera natural que durante o momento de necessidade, a redução de um benefício fiscal para estas instituições tende a ter apoio das pessoas que se sentem prejudicadas pelos altos juros no Brasil. Mas ponderou que existem também outras renúncias onde o poder público pode encontrar o recurso necessário neste momento de queda de arrecadação do município.

Rebelo também afirmou que o município fez uma escolha política ao decidir pelo fechamento de parte dos comércios e serviços, o que também impacta no pagamento de tributos. “Muita gente está querendo trabalhar, mas não pode porque houve a escolha pelo fechamento. Ao optar por diminuir a arrecadação, o município precisa rever os gastos, principalmente os gastos gerais. Nossa avaliação é que devemos fazer essa avaliação de gastos e arrecadação mais profunda, e não repassar esse ônus a apenas um setor”, concluiu.

O diretor de Políticas e Relações Trabalhistas da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Adauto de Oliveira Duarte, disse que existe numa primeira fase da pandemia, uma preocupação muito grande das pessoas sobre dois aspectos: a perda do emprego e a contaminação pela doença. Porém, segundo ele, em 43 países as medidas econômicas tomadas diante do novo coronavírus têm sido na mão contrária, com diferimento de tributo, redução da carga tributária e até devolução de tributos. Para Duarte, a medida acarreta em 150% a mais no valor pago pelos tributos. Ele ainda avalia que, se a medida for aprovada, vai acarretar em maior custo para empresários que oferecem a modalidade de pagamento em cartão de crédito, e que eles devem repassar ao consumidor final. “O aumento vai para quem é o dono da maquininha, o pequeno comerciante, o barbeiro, a manicure, o mercado, etc. E quem vai acabar pagando é o cidadão, justo nesse momento em que as pessoas estão com mais dificuldades”, defendeu.

PARTICIPAÇÃO DE MUNÍCIPES

William Silva se pronunciou representando uma comunidade de startups de São Paulo, um grupo de empresas de negócios digitais. Ele disse que São Paulo deixou de ser um polo industrial por conta de várias questões tributárias, e passou a ser um centro de negócios financeiros. Ele disse temer que o PL afaste estas instituições e gere desemprego. “Sabemos que os setores de serviço e comércio terão muito desemprego, e é importante que isso não aconteça para o setor financeiro também. Estas empresas podem facilmente migrar para outras cidades e manter as operações normalmente, por conta do alto volume. Por isso, seria melhor tentar pensar em uma alternativa que levasse em conta todos os setores que têm benefícios no ISS, e não apenas um só”, argumentou.

O munícipe Ricardo disse ser totalmente favorável ao PL, por considerar que os bancos tiveram lucro nos últimos anos. Ele também pediu atenção da Prefeitura na distribuição de recursos para todas as áreas impactadas pelo novo coronavírus, e não apenas na saúde. “Muitas famílias que têm direito ao cartão alimentação das crianças matriculadas nas escolas ainda não receberam, e estão preocupadas com a alimentação da família neste período”.

VEREADORES SE MANIFESTAM

A vereadora Soninha Francine (CIDADANIA) chamou atenção para os salários pagos para servidores públicos, alertando que na maioria dos casos os valores são baixos, e o município vive perdendo ótimos profissionais para o serviço privado. O assunto foi um dos exemplos que ela usou para citar os desafios que a secretaria da Fazenda enfrenta para reduzir gastos, e encontrar fontes de renda para despesas adicionais neste momento. “Foi citado aqui que poderíamos reduzir outros benefícios. Então peço aos especialistas do setor financeiro que nos ajudem a descobrir quais são”, pediu. Soninha disse entender que a redução de tributos seja destinada para os setores que estão “estrangulados”, mas ponderou que o sistema financeiro não está no prejuízo, e salientou que a medida será temporária.

Ricardo Nunes (MDB) disse que os estudos da comissão na elaboração do projeto se originaram da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) 2020 que está disponível no site da Câmara. O vereador citou um trecho do anexo da LDO relacionado às renúncias fiscais, onde a Prefeitura detalhou todos os setores que têm direito às renúncias, e que os benefícios fiscais mais consideráveis são os que tratam o PL. “O valor passa de R$ 2 bilhões por ano. Toda a avaliação da Comissão de Finanças foi realizada depois de muitos estudos sérios e com a intenção de ser justo e responsável. É óbvio que quando os bancos receberam 150% de redução, essa porcentagem não foi repassada para o consumidor. É justo que agora, mesmo se houver a suspensão, não seja repassado também. Deixo de falar tecnicamente, para falar como ser humano. Por que parece que as pessoas não estão entendendo sobre o momento que estamos passando”, solicitou. Nunes ainda apelou pela compreensão para que seja possível avançar na proposta de forma conjunta e de mãos dadas para passar pela situação de pandemia.

O vereador Rodrigo Goulart (PSD) respondeu a André Rebelo, e disse que fechar setores do comércio não foi uma decisão de vontade política, mas de saúde pública. Ele ainda disse considerar que todos os apontamentos feitos foram pertinentes, e ressaltou a relevância de ouvir as entidades financeiras, mas também fez ressalvas. “Quando foi oferecido esse benefício, não sentimos que houve benefício para quem estava na ponta. E infelizmente, acredito que os bancos não vão tirar dos ativos deles agora, e vai acabar sendo repassado para o consumidor” avaliou.

O vereador Antonio Donato (PT), presidente da Comissão de Finanças e Orçamento, também defendeu que não houve escolha política no fechamento de negócios, pois a alternativa seria deixar centenas de milhares de pessoas morrerem. “Enquanto não se alcançar o pico, precisamos manter, sim, o isolamento social. É uma escolha entre a vida e a morte. Chamar de escolha política é reduzir o tamanho do problema de saúde que enfrentamos”, disse. Donato também avaliou que no mundo inteiro há novas discussões sobre aumento da presença do Estado, e que isso demandará aumento de arrecadação. “O argumento da Febraban é que vão repassar para o consumidor. Significa, então, que nem é problema dela a alteração. Não sei qual a taxa de lucro de cada serviço, mas se for 10%, vai cair temporariamente para 7 ou 8%. Então mantenho minha defesa ao projeto aqui”, disse.

Janaína Lima (NOVO) se manifestou de forma contrária ao PL, dizendo esperar que a Câmara não insista na iniciativa. Ela defendeu que o setor financeiro é o que mais tem contribuído para o momento de pandemia, com mais de R$ 2 bilhões em doações, sem contar as linhas de crédito oferecidas, como por exemplo, para as Santas Casas. “Nós deveríamos estar discutindo agora, o acesso dos pequenos e médios empreendedores ao crédito. E não querer pressionar o setor financeiro com essa suspensão. Temos que entender que a economia parou, e temos que oferecer concessão de prazos para as pessoas pagarem suas dívidas, a suspensão de juros, entre outras medidas que poderiam favorecer os pequenos e médios empresários”, defendeu.

Isac Félix (PL), que foi relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Grandes Devedores, lembrou que o trabalho descobriu que as instituições financeiras eram as maiores devedoras da Prefeitura. “Por isso sou favorável. Elas são as que mais lucram e flagramos grandes instituições financeiras e bancos devendo ao município. Se eles pagassem devidamente, nós teríamos caixa para pagar as despesas de agora”, declarou.

REUNIÃO ORDINÁRIA

A Comissão ainda realizou uma reunião ordinária virtual, com a participação do epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP (Universidade de São Paulo) e especialista no assunto.

Logo no início da intervenção, ele descreveu que a Covid-19 não é nem uma “gripezinha”, nem uma “gripona”. “O novo coronavírus não só faz uma pneumonia muito grave, mas ainda desregula todo o sistema da pressão arterial, atua nos rins, no coração e no cérebro. Causa até desregulação de oxigênio. E com isso temos um número muito grande de casos de infarto, AVC, alguns graus de trombose; todos causados pelo novo coronavírus, e que não necessariamente se manifestam com as características de uma pneumonia”, explicou.

Lotufo explicou que a epidemiologia separa o ano em semanas epidemiológicas, e com essa metodologia, foi realizado um estudo relacionado à quantidade de mortes na capital. Na separação das semanas, em 2020, as mortes na cidade estavam dentro da média dos últimos quatro anos até o mês de março, quando o número disparou substancialmente. “Pegamos a quantidade de mortes  além da média e notamos e vimos que 1/3 foi classificada como Covid-19; os outros 2/3 nem deu tempo de avaliar os motivos da morte. Os melhores epidemiologistas neste momento são os coveiros e escrivães do sistema funerário, que estão registrando um aumento muito acima dos movimentos normais” declarou.

QUESTIONAMENTOS DOS VEREADORES

O primeiro a realizar questionamentos foi o vereador Ricardo Nunes (MDB), que contou uma situação pessoal. Ele realizou o teste em 50 colaboradores de sua empresa, e nos membros da família. Mais da metade dos colaboradores e todos os familiares apresentaram anticorpos, indicando que já tiveram contato com o novo coronavírus. Ele quis saber se isso pode significar que uma parte grande das pessoas já teve contato e se podemos estar em situação de declínio de contaminações.

O professor disse que essa é a dúvida mundial, porque não se sabe ainda a confiabilidade dos dados analíticos e o nível de sensibilidade dos testes. “O teste no mercado tem uma sensibilidade baixa, e isso significa que tem uma quantidade grande de pessoas com falso positivo; a pessoa se considera imune, e na realidade não está. Mas a equipe de vigilância, com certeza, está muito bem informada e saberá dar as orientações a respeito”, afirmou.

O vereador Antônio Donato (PT) quis saber se atualmente os números de mortes comparados à série histórica permanecem hoje como estavam em março. Lotufo revelou que aguarda novos dados em breve, então não poderia tratar disso no momento.

Já a vereadora Soninha Francine (CIDADANIA), quis saber nos casos de verdadeiros positivos testados, como saber se ainda está na fase inicial sem sintomas ou se o teste aponta positivo porque a pessoa já teve a doença. O epidemiologista explicou que ainda estão sendo feitas pesquisas para tirar essas dúvidas, porque ainda não há respostas sobre o assunto.

O vereador Atílio Francisco (REPUBLICANOS) demonstrou preocupação com as aglomerações no transporte público, com o aumento de usuários do sistema depois da decretação de rodízio no trânsito mais rígido pela Prefeitura.

O especialista respondeu, considerando que deveria haver uma limitação de pessoas para entrar nos terminais, para que houvesse um número restrito de pessoas nos veículos e vagões, e respeitando o distanciamento.

Ainda em resposta ao vereador Atílio, ele disse que apesar de adotada sem sucesso em poucos lugares, o chamado isolamento vertical (que isola somente pessoas do chamado grupo de risco) sequer existe como possibilidade, do ponto de vista técnico da epidemiologia. “A epidemia é para todos, não tem para classe alta, baixa, para grupos. Ela afeta as pessoas de maneiras diferentes, mas o isolamento, que é a única forma de enfrentamento, é para todos”, afirmou.

REQUERIMENTOS

Ainda na reunião, os vereadores aprovaram requerimento do vereador Atílio Francisco (REPUBLICANOS) que questiona a Prefeitura sobre os dados estatísticos e regionalizaram que nortearam as decisões pelo rodízio mais rígido e o consequente aumento de usuários do transporte coletivo.

Também foi aprovado requerimento do vereador Ricardo Nunes (MDB) solicitando à Secretaria da Fazenda dados relativos aos valores que a Prefeitura abriu mão através de concessão de incentivos fiscais para instalação de estabelecimentos na Zona Sul da cidade, prevista na LDO de 2018.

Participaram dos trabalhos da Comissão de Finanças e Orçamento nesta quarta-feira os vereadores Antonio Donato (PT), presidente da Comissão, Ricardo Nunes (MDB), Soninha Francine (CIDADANIA), Atílio Francisco (REPUBLICANOS), Janaína Lima (NOVO), Rodrigo Goulart (PSD), Isac Félix (PL) e Adriana Ramalho (PSDB).

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