Movimentos negros criticam demora na aplicação da lei que inclui ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira

Richard Lourenço | REDE CÃMARA SP

Audiência Pública da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania desta terça-feira (26/9)

HELOISE HAMADA
DA REDAÇÃO

A Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo realizou, nesta terça-feira (26/9), uma Audiência Pública para debater os avanços e desafios da Lei federal nº 10.639/2003, após 20 anos da sua promulgação e a falta de efetiva implantação na capital paulista. A demora dessa aplicação foi criticada pelos movimentos negros e ativistas.

A discussão atende ao requerimento da vereadora Luna Zarattini (PT), que presidiu a audiência. A parlamentar afirmou que é importante o Legislativo paulistano estar aberto a esse debate fundamental para poder cobrar o Poder Executivo municipal, estadual e federal, para que apliquem essa lei nacional e garantam uma sociedade antirracista.

“A gente tem uma lei maravilhosa, a Lei 10.639, de 2009, mas é uma lei que não é aplicada na sua integridade, não é aplicada de forma efetiva, e a gente infelizmente está em um país muito racista e que ainda não se encontrou com a sua própria história, ainda não fez uma revisão de todo o processo de racismo estruturante no nosso país. A gente teve um longo processo de escravidão no nosso país e a gente não teve uma reparação histórica nesse sentido, um reconhecimento do Estado brasileiro nesse momento muito terrível da história do nosso país, do mundo. E, por isso, a gente busca, através de ações afirmativas, através de leis como esta, a prevenção e o combate ao racismo na educação e também na cultura política do nosso país”, explicou.

O professor da Universidade Federal do ABC, Ramatis Jacinto, fez parte da mesa de discussão. Militante do movimento negro desde a década de 70, ele ressaltou que a luta pela educação, pela inclusão, pelo legado científico e cultural dos africanos nos currículos escolares, assim como a luta por estar nos espaços de educação, é uma luta muito antiga do povo negro no Brasil.

“É uma luta histórica porque todos sabemos que quando fomos sequestrados no continente africano e trazidos para cá para produzir a riqueza, riqueza essa produzida nas terras roubadas dos indígenas, nos foi tirado também todo nosso legado cultural. A nossa cultura foi proibida, hoje não é proibida, mas é criminalizada”, enfatizou o docente.

O 2º vice-presidente da Comissão da Verdade sobre Escravidão Negra no Brasil da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo), Saimon Cardoso, também fez parte da mesa. Ele falou que esta lei é uma das principais armas de combate ao racismo estrutural se devidamente aplicada, e cobrou sua aplicação. “Em 20 anos, essa lei já deveria estar devidamente aplicada. Olha a gravidade. Não estou falando de uma lei recente. Não vou esconder os avanços que a gente tem e nem vou culpabilizar a lei porque ela é excelente. É uma grande conquista de décadas do movimento negro”, comentou.

“O grande desafio foi aprovar a lei e é necessário debater sua aplicação. Essa lei faz parte das diretrizes básicas da educação. Não dá mais para dizer que a gente vai atuar na escola por atalhos. Não pode mais ser atalho. São 20 anos que essa lei foi promulgada. Essa lei precisa de financiamento e ser movimentada dentro do currículo nacional. A nossa luta não é colocar essa lei no colo do professor, quem é o responsável são os Estados, os municípios e o governo federal”, frisou a professora e ativista Marilândia Frazão.

O MEC (Ministério da Educação) foi representado pela diretora de Políticas de Educação Étnico-Racial e Educação Escolar Quilombola da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão), Lucimar Dias. Ela salientou que o debate na Câmara Municipal é muito importante para se conseguir mais avanços na legislação.

“Não é uma política pública pequena essa conquista do movimento negro. A lei é um projeto de sociedade. Nós sabemos que há muito por fazer para que, de fato, a gente tenha uma educação antirracista, uma educação que combata o racismo. Porém, nós não podemos deixar de observar os avanços que essa legislação produziu e como ela é parte de todo um processo de luta de um movimento negro que educou e educa a sociedade brasileira para uma perspectiva de equidade racial”, disse Lucimar Dias.

Movimentos

Integrantes de movimentos negros e professores também contribuíram com o debate. “Essa lei não pode estar na subjetividade das pessoas negras. É a sensibilidade das professoras negras que fica submetida ao cumprimento da lei. A lei é para todas as pessoas, principalmente as pessoas brancas porque foram elas que inventaram a escravização de outras pessoas, elas precisam ser responsabilizadas também”, relatou a integrante do MNU (Movimento Negro Unificado), Cristiane Coutinho.

“Essa lei é uma demanda dos negros e negras de movimentos, mas é essencial para a sociedade brasileira entender que essa lei é um direito social e fundamental”, disse o professor Ricardo Pinto.

Combate ao racismo nas escolas

Ao final da Audiência Pública, a vereadora Luna Zarattini falou da criação de um protocolo de combate ao racismo nas escolas. “Infelizmente, a gente observa casos de racismo, mas não há nenhuma forma dessa vítima, desses pais, da comunidade escolar lidar com essa questão. A gente tem preparado esse protocolo que a gente quer apresentar aos movimentos negros presentes para gente entender se esse protocolo está correto, se a gente consegue colocar mais garantias de medidas de combate ao racismo nas escolas. Ainda não protocolamos porque queremos protocolar junto com os movimentos negros’, finalizou a parlamentar.

Veja a discussão na íntegra no vídeo abaixo:

 

 

 

 

 

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