Artigo: Saneamento para quem?

VEREADOR JAIR TATTO (PT)

Há tempos remotos a espécie humana aprendeu que o consumo de água suja, o acumular de detritos, provoca doenças.

No Velho Testamento, são encontradas diversas determinações de regras sanitárias ao povo judeu.

Na Grécia antiga já era hábito deslocar os excrementos, para longe das habitações ou enterrá-los, e cerca de 400 anos antes de Cristo, o filósofo grego Hipócrates – considerado o Pai da Medicina – produziu o tratado “Ares Águas e Lugares”.

No Brasil, a primeira iniciativa relacionada ao conceito de saneamento público ocorreu no período colonial, a partir da instalação do aqueduto sobre os Arcos da Lapa, hoje importante ponto histórico e turístico do Rio de Janeiro.

A obra visava aplacar as dificuldades de acesso à água e queixas da população pela falta d’água. O relato dessa primeira obra de abastecimento/saneamento no Brasil nos remete à reflexão de que, mesmo sendo nosso país relativamente abundante em água, parece que sofremos da sina da falta dela, das promessas sempre adiadas e dos projetos que levam séculos para serem executados.

A história do saneamento no Brasil possui diversos obstáculos que dificultaram o avanço ao longo do tempo, dentre eles, o planejamento inadequado, deficiência técnica dos projetos, baixo volume de investimentos, falta de recursos, as disputas entre municípios estados e a União, e muita má vontade política.

Em nosso país, o saneamento é um direito assegurado pela Constituição. A Organização das Nações Unidas (ONU) em Assembleia Geral de 2010, declarou “a água limpa e segura e o saneamento como um direito humano essencial para gozar plenamente a vida e todos os outros direitos humanos”.

O PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do saneamento, iniciativa do governo Lula, triplicou os investimentos no setor. Conforme dados do Plano Nacional de Saneamento (Plansab), entre 2003 e 2006 foram investidos cerca de R$ 11 bilhões, de 2007 a 2010, R$ 34,4, de 2011 a 2014, foram R$ 43,4 e de 2015 a 2017 R$ 26,1 bilhões, média de R$ 12 bilhões por ano.

Sob o argumento de que não há recursos, desde 2017 o Governo Federal vem desmobilizando os esforços que vinham sendo feitos. Michel Temer tentou aprovar a privatização do setor, mas não teve sucesso. Bolsonaro reencaminhou a proposta de Temer, o Congresso a aprovou e em 15 de julho último, com uma série de vetos, o presidente a promulgou como a Lei 14.026/2020, intitulado de novo Marco Regulatório do Saneamento. Esse arcabouço jurídico altera profundamente as regras desses serviços em benefício dos interesses econômicos do mercado, que passará a dominar totalmente também esse segmento.

Os que defendem a nova lei de saneamento recitam a ladainha da suposta eficiência do setor privado, mas omitem o fracasso da prestação de serviços por essas empresas em cidade como Itu e Manaus, ou nos mais de 70 municípios do Tocantins, que como Itu foram forçadas a reestatizar as atividades de saneamento diante do fiasco do serviço privado. O mesmo processo tem ocorrido mundo afora, em países como Inglaterra, Alemanha, França, Argentina, as empresas que foram privatizadas há alguns anos estão sendo reestatizadas por pressão da população.

Também usam o argumento falacioso da concorrência, com isso transmitem a ideia de que o novo marco regulatório criará condições para a convivência de diversas empresas prestando os mesmos serviços na mesma região. Isso nunca aconteceu. Tal qual no fornecimento de energia, o usuário não tem como escolher entre a empresa de energia “X” ou “Y” e nem terá como fazer esse tipo de escolha com o saneamento, pois trata-se de um monopólio natural. Na verdade, a nova lei cria o monopólio privado para os serviços de água e esgoto. E por ser privado visa somente o lucro, portanto sem nenhum compromisso de estender sua atuação para áreas pouco lucrativas como bairros distantes e comunidades pobres.

A situação de São Paulo, e particularmente da Capital, é um pouco melhor do que o restante do Brasil, porém ainda temos muito para fazer. Segundo dados da Sabesp, na Capital, 86% do esgoto gerado nas áreas regularizadas é coletado e 70% dos esgotos coletados são tratados. O atendimento com água é de 96,1%. Das ligações de água 84,14% são residenciais, 9,21% comerciais, 0,98% industriais, 0,19% públicas e 1,48% mistas. Do total de ligações residenciais apenas 5,91% estão enquadradas na tarifa social.

Em nossa cidade, os serviços de água e esgoto são explorados pela Sabesp, empresa de economia mista, cujo controle acionário é do governo do Estado de São Paulo, que detém 50,3% de seu capital social. Os 49,7% restantes estão em poder do mercado.

Não podemos – em nenhuma hipótese – admitir a privatização do saneamento, pois as consequências seriam enormes a começar pela elevação das tarifas para a população. Além disso, a Sabesp é uma empresa altamente lucrativa. Entregá-la ao capital privado representaria uma enorme perda, pois estaríamos transferindo patrimônio público construído ao longo de décadas para o setor privado em troca de aumento na tarifa dos serviços. Ou seja, seria um grande negócio para o lucro de alguns em prejuízo de toda a população.

Nós já vimos esse filme antes!

Que os paulistanos não se deixem enganar com o canto de Sereia de que a privatização melhora os serviços, como a dupla Covas e Dória tentam dizer. Lembremos da conversa mole de “amigos empresários” que João Doria usou a exaustão quando iniciou sua passagem relâmpago pela Prefeitura, lembram?

“Amigos empresários” fariam os jardins verticais da Av. 23 de Maio e se responsabilizariam por mantê-los, o mesmo ocorreria com o muro de Vidro da Raia Olímpica da USP.

Os jardins foram abandonados em poucos meses e a prefeitura ficou com o ônus de mantê-los tirando recursos de outras áreas. O muro de vidro da Raia da USP, se revelou um enorme problema e até hoje não foi concluído. Quanto aos “amigos empresários” de Doria, continuam por aí, procurando um jeito fácil ganhar dinheiro público explorando cidade.

*Jair Tatto é vereador (PT) na cidade de São Paulo e vice-presidente da Comissão de Educação, Cultura e  Esportes.

2 Contribuições

LUIZ SANTOS FILHO

SR JAIR GOSTARIA DE SABER COMO ANDA A SITUAÇAO DO PROJETO QUE TRATA DO SANEAMENTO BASICO AQUI NA CHACARA FLORIDA , JD ARACATI REGIAO DA REPRESA GUARAPIRANGA , PERGUNTO DO PROJETO POIS ESTIVE ACOMPANHANDO E SEI QUE E DE UM MEMBRO DA FAMILIA TATTO , VI QUE FOI ARQUIVADO POR MUDANÇA DA LEGISLATURA NO COMEÇO DO ANO E ATE AGORA A SITUAÇAO APENAS PIORA , DA ESSA FORÇA PARA O POVO DA REGIAO , DESDE JA AGRADEÇO.

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José Arnaldo

Prezado Vereador,
Legal este artigo e uma boa reflexão ref. a assuntos dos serviços públicos e privados ( empresas publicas), mas que infelizmente a maioria da população não tem a clareza da relevância desses serviços prestados por essas empresas, aqui em SP. Pois restaram poucas, e o que ficou é: tarifas altas, péssimos serviços prestados, mas condições de trabalho e redução de salários etc… Exemplos: em São Paulo, anos 90 Cia Municipal (CMTC), Setor de Energia: CPFL, Eletropaulo, Comgas.
– Transporte público na Capital 100% quem opera é privado, péssimos serviços, ônibus lotados, , condições dos condutores piorou( salários, jornada e benefícios);
– Setor Elétrico : idem, péssimos serviços, salários, terceirizações quarteirizações etc… ( AES, Enel …) sem mais comentários.

E o discurso para isso tudo é sempre o mesmo há 30 anos, mais eficiência, mas produtividade, (o ex. da linha telefônica que custava 7 mil, e hj ninguém fala do custo do minuto e do valores pagos e que o usuário perde se não usar etc.) com a privatização, mais dinheiro pra saúde e educação, Interferência política, menos cabide de emprego? Hora se para entrar é por meio de concurso. Mas continua o mesmo discurso dos agentes públicos e outros grupos privados ( Bancos e Associações representantes do Capital).
A questão da Agencias Reguladoras para que servem?
Outro fato interessante em minha opinião: tem um grupo privado do setor de Álcool (Usina de Álcool), que hoje controla toda a parte de logística de transporte de cargas, passageiros, mineração, agronegócio, distribuição de lubrificantes, Bio energia, Gas Canalizado. E seu crescimento seu deu justamente no governo Dilma, e com aval e financiamentos do BNDES. Como tb é dado os subsídios ( dinheiro publico) a grupo do transporte de ônibus em SP, ou os chamados investimentos públicos a Grupos Privados, com o dinheiro público… Em Tempo: O Grupo privado também tem ex-diretores, indicados em órgão publico, que foram criados com a falácia de Agencias Reguladoras, no discurso da eficiência das privatizações. E tudo isso, passa, a boiada passa… Ou pararam por enquanto a descaracterização do SUS.
No final é monopólio privado, espero que mude não desejo tudo Estatal. Desculpe se estendi muito o meu comentário, é que passei os últimos 30 anos nesses setores.

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