Câmeras de reconhecimento facial e direito à cidade são temas da 1ª reunião da Frente Parlamentar contra Tecnologias Racistas

 

André Bueno | REDE CÂMARA SP

 

DANIEL MONTEIRO
DA REDAÇÃO

Na noite desta terça-feira (21/11), a Frente Parlamentar contra Tecnologias Racistas da Câmara Municipal de São Paulo realizou sua primeira reunião, abordando a utilização de câmeras de reconhecimento facial como equipamento de segurança na capital paulista e o direito à cidade. A vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL), propositora da frente, presidiu a reunião.

Instituída pela Resolução nº 19/2023, a Frente Parlamentar contra Tecnologias Racistas foi criada com o objetivo de traçar um diagnóstico sobre os impactos da implementação de tecnologias com potencial de discriminação e segregação racial na cidade de São Paulo para a população negra e para os cofres do município.

Um dos convidados da reunião inaugural da Frente Parlamentar foi Alcides Eduardo Peron, pesquisador associado do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo). Ele abordou, entre outros pontos, os problemas ligados à utilização de tecnologias, como o reconhecimento facial, para a prevenção de crimes. “O grande dilema aqui não é só compreender como podemos melhorar essas tecnologias, mas, em grande medida, nós precisamos de transparência para saber como elas funcionam”, ressaltou.

“Como foram geridos, por exemplo, os algoritmos que embasam o funcionamento dela, a identificação de condutas consideradas suspeitas, quais são as bases de dados nas quais essas tecnologias foram treinadas e de que maneira ela é capaz de performar, no final das contas, e qual é o uso que está sendo dado para essas tecnologias no final do dia”, pontuou Peron, citando que o Smart Sampa – programa da Prefeitura de São Paulo para instalação e uso de câmeras de reconhecimento facial na segurança – utiliza esse tipo de tecnologia.

Também participante, Michel Roberto de Souza, diretor de políticas públicas da ONG Derechos Digitales, apresentou outros problemas do reconhecimento facial para fins de segurança pública. “Quando falamos de base de dados, não falamos só da base de dados para treinar algoritmo, estamos questionando, por exemplo, de onde vem as bases de dados. É uma base de dados do Estado? É uma base de dados do governo federal? Quais são esses tipos de base dados? É uma base de dados de fugitivos? E, quando começamos a fazer essas perguntas, começamos a ver quais seriam alguns dos dilemas, digamos assim, e dos direitos que estão afetados pela utilização dessa tecnologia”, afirmou, elencando que, entre os direitos públicos que poderiam ser afetados, estão o de reunião pacífica, de protesto, à privacidade, à proteção aos dados pessoais, não discriminação, entre outros.

Claudio Carvalho, professor de Direito Ambiental, Direito Urbanístico e Direito Agrário da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), refletiu sobre o direito à cidade e como a desigualdade é destacada, principalmente contra as populações periféricas. “Quando nós falamos da população negra, nós representamos 56% da população desse país. Por outro lado, hoje no Brasil os indicadores sinalizam que, das pessoas presas por tecnologia facial, os negros correspondem a 90% da população que foi presa por tecnologia facial. E há vários estudos que apontam que, quando você não é uma pessoa branca, a margem de erro chega a 60%”, ponderou Carvalho.

Já a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da FAU USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), destacou a importância da discussão da discriminação nas políticas públicas. “Eu acho que a luta pela racialização da discussão do direito à cidade é uma luta que só começou, que tem uma perspectiva enorme pela frente e acredito que é uma luta que vai ser capaz de reverter o modelo de cidade. Porque, se existe alguma coisa absolutamente presente nesse modelo que a gente sempre caracterizou como excludente há muitos anos, desde os anos 80, que os movimentos sociais, de luta pela moradia, de luta pelo transporte, de luta pela saúde, de luta pelos equipamentos urbanos sempre caracterizaram como uma cidade, um modelo excludente, então é absolutamente necessário nomear a natureza dessa exclusão. E a racialização, as lutas do movimento negro, assim como as lutas das mulheres e as lutas em torno da questão do gênero, são fundamentais para que possamos começar a entender melhor como funciona esse mecanismo”, disse Raquel.

Vice-presidente da Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians, Danilo Biu apontou uma outra utilização negativa do reconhecimento facial: nos estádios de futebol. “Na Gaviões está muito clara a nossa posição: somos contra isso”, frisou. “Cada vez mais a tecnologia vai mostrando que quer segregar, por exemplo, a nossa pauta que é o estádio. Isso está bem claro e a gente, como o time do povo, como a gente vê o futebol, não só como entretenimento, mas como uma ferramenta social de cultura, de educação também, abominamos esse tipo de coisa, uma vez que não a questão da tecnologia facial, por exemplo, que estamos discutindo. Não é só sobre isso. É a intenção que ela está sendo usada, porque a tecnologia tem que ser para todos. Só que a intenção dela, de algumas pessoas, faz com que haja exploração, segregação e tudo mais”, acrescentou Biu.

Ao final, a vereadora Elaine do Quilombo Periférico avaliou a reunião. “Essa Frente Parlamentar é tão importante justamente porque estamos falando de um tema tão complexo como a instalação de tecnologias de reconhecimento facial. E, muitas vezes, as pessoas acham que estamos falando de um outro tipo de tecnologia que já conhecemos, que já é utilizado na cidade. Não. Esse tema do reconhecimento facial traz inúmeros elementos que são fundamentais para garantir a liberdade individual das pessoas e também traz um outro elemento, fundamental, que é discriminação através de tecnologias e de como as tecnologias podem, sim, ser racistas, porque perpetuam algoritmos e comportamentos racistas”, analisou a vereadora, exaltando o fato da Câmara poder se apropriar desse tema.

Confira a íntegra da reunião no vídeo abaixo:

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