Em audiência pública, Comissão de Finanças discute terceirização da gestão dos Centros de Referência da Mulher

 

JRaposo | REDE CÂMARA

Audiência pública da Comissão de Finanças e Orçamento desta terça-feira (14/9)

DANIEL MONTEIRO
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A terceirização da gestão dos CRMs (Centros de Referência da Mulher), proposta através de chamamento público do Executivo publicado no dia 27/7 nas páginas 62 e 63 do Diário Oficial da Cidade de São Paulo, foi tema de Audiência Pública realizada na manhã desta terça-feira (14/9) pela Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal de São Paulo. O debate atendeu requerimento de autoria da vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL).

Segundo o chamamento, o objetivo da Prefeitura de São Paulo é selecionar uma parceria com Organização da Sociedade Civil para a colaboração e promoção no atendimento à demanda do Centro de Referência da Mulher Casa Elaine Grammont (Vila Clementino), do Centro de Referência da Mulher Maria de Lurdes Rodrigues (Capão Redondo), e do Centro de Referência da Mulher da Brasilândia.

Ainda de acordo com o documento, os trabalhos serão supervisionados pela Coordenação de Política para Mulheres da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e terão vigência de 24 meses.

Posicionamento dos participantes

Primeira a se manifestar na Audiência Pública, a defensora pública Paula Santana Machado de Souza, coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa do Direito das Mulheres da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, apresentou um histórico das ações de enfrentamento à violência contra a mulher, que culminaram na criação dos Centros de Referência da Mulher.

Ela também informou que o órgão enviou um ofício à Prefeitura com uma série de questionamentos sobre o chamamento e demonstrou preocupação com a possibilidade de terceirização do serviço. “Como uma organização, já que a finalidade do chamamento é escolher uma organização, vai conseguir, na sua integralidade, cumprir todas essas missões do Eliane de Grammont que, como nós trazemos no ofício, vai desde esse marco histórico de criação desse serviço como o compromisso do município de prestação direta, passa pelo primeiro serviço de atendimento multidisciplinar do Brasil, é um serviço de atendimento de qualidade e humanizado que atende a diversas mulheres desde a década de 90, é também o local que preconiza a formação de outras políticas públicas, uma importante fonte de saber, e por fim, também um lugar que deve ser importante para a produção de dados, de estatísticas e de pesquisa. Então, essas são as preocupações, os pontos que nós trouxemos no nosso ofício”, destacou Souza.

Logo após, a vereadora Elaine do Quilombo Periférico apontou os possíveis problemas que a terceirização pode trazer para a qualidade do serviço prestado nos CRMs. “Quando a gente olha para as pesquisas que falam de terceirização, a gente consegue apontar ali uma grande dificuldade de queda de qualidade dos atendimentos, de queda de qualidade para as trabalhadoras que trabalham nesses espaços. Então, aqui já foi levantado também, porque a gente não pensar nos funcionários públicos que deveriam ser destinados para trabalhar nesse atendimento. E existe uma questão neste edital, especificamente, que é a ausência de uma justificativa que trate da necessidade objetiva de a gente realizar esse edital de terceirização. Você não tem essa justificativa dentro desse edital”, apontou Elaine.

Participante da audiência, o presidente da Comissão de Finanças, vereador Jair Tatto (PT), fez questionamentos sobre a infraestrutura existente no município para o acolhimento de mulheres e falou sobre a necessidade de novos equipamentos para garantir o atendimento em toda a cidade. “Nós precisamos de dados de quantos Centros de Referência da Mulher nós temos na cidade de São Paulo. Eu diria que, no mínimo, teria que ter um por distrito na cidade de São Paulo, e são 96 distritos, baseado nessa terrível demanda, vou chamar de demanda. Nós temos uma região, por exemplo, como cidade Ademar, uma subprefeitura inteira que não tem Centro de Referência da Mulher”, comentou Tatto.

Na sequência, a vereadora Luana Alves (PSOL) defendeu o trabalho e o papel dos Centros de Referência da Mulher. “Casa Eliane de Grammont, assim como os outros CRMs da cidade, cumprem um papel fundamental e indispensável que outros serviços não vão conseguir cumprir, justamente porque não conseguem ter o modelo de atendimento, que é o acompanhamento longitudinal da mulher, da família, dos filhos de uma situação de violência que é sempre complexa”, afirmou Alves.

Já a vereadora Juliana Cardoso (PT) contestou as justificativas para a terceirização dos CRMs. “Qual o motivo que a gente tem para ser colocado para terceirização? Dizer que é um serviço que não tem RH (Recursos Humanos), sendo que têm concursos públicos abertos e que precisam ser imediatamente chamados? E os profissionais que já estão ali, que já tem expertise, que já tem um trabalho, que já tem a dedicação para trabalhar nesses serviços vinculados à violência contra as mulheres? Qual o motivo?”, perguntou Cardoso.

Ativista no enfrentamento à violência contra a mulher, Lili de Grammont leu uma carta na qual lembrou o assassinato de sua mãe, Eliane de Grammont, cuja morte motivou ações de enfrentamento à violência contra a mulher na capital – resultando no equipamento que a homenageia -, e ressaltou a importância dos CRMs para a defesa das mulheres. “Foi na Casa Eliane de Grammont que o modelo de atendimento integrado surgiu. Essa tríade tão necessária – assistência social, psicológica e jurídica – foi usada pela primeira vez em um mesmo espaço. Os serviços prestados na Casa Eliane de Grammont começaram a ser replicados por todo o Brasil e o modelo inspirou outras instituições pela América Latina, multiplicando esse conhecimento, replicando o modelo de atendimento e beneficiando muitas, muitas mulheres”, exaltou.

Ela ainda fez um apelo pela manutenção e maior atenção a esses equipamentos. “No entanto, a execução do orçamento destinado ao enfrentamento da violência contra mulher pela Secretaria de Direitos Humanos de São Paulo evidencia o desrespeito ao legado social e histórico da Casa Eliane de Grammont, que está funcionando com metade de sua capacidade, colocando em risco o atendimento que tornou o equipamento social modelo de atendimento. Em nome das brasileiras mortas, dos filhos e filhas do feminicídio, eu não posso me omitir enquanto a Casa estiver correndo risco de não cumprir a sua missão. Missão essa de garantir a vida de mulheres, mulheres filhas, que ainda, infelizmente, vivem em situação de violência”, disse Grammont.

“Cresci acreditando que a história triste da minha vida não foi em vão, porque deixou um legado para as mulheres brasileiras: o CRM, a Casa Eliane de Grammont, que desdobrou em muitos outros equipamentos. Minha mãe morreu, mas muitas mulheres foram e são protegidas pela Casa. Muitos filhos e filhas puderam crescer perto das suas mães por causa da Casa. Por ser a pioneira e um modelo bem-sucedido, a Casa Eliane de Grammont impacta diretamente os outros Centros de Referência da Mulher. Por isso, se o projeto de terceirização dos serviços oferecidos pelo município de São Paulo for construído de forma descompromissada, não for democraticamente discutido com a sociedade calculando os riscos para a existência do próprio equipamento, bem como a qualidade e continuidade ao atendimento às mulheres em situação de violência, a maior cidade do país cometerá um retrocesso injustificável”, acrescentou.

“O atendimento às mulheres não pode correr o risco de ser ainda mais precarizado. Manter os CRMs funcionando com qualidade é a condição para salvar vidas, para permitir que os filhos, como eu, possam contar suas histórias ao lado das suas mães. Eu fui privada da convivência com a minha mãe, mas muitos não serão. Deixar a Casa Eliane de Grammont ser sucateada seria como deixar a minha mãe morrer novamente. Por isso eu peço ajuda de todos, todas aqui presentes, quem está me ouvindo, pelas mídias sociais, para dialogar. Eu peço o diálogo com a sociedade civil sobre essa pauta tão importante e tão cara para a mulher e para toda sociedade”, concluiu Grammont.

Kelly de Oliveira, integrante do CTP (Coletivo dos Trabalhadores Terceirizados das Políticas Públicas), se manifestou contrária à terceirização dos serviços. “O CTP, quando tomou parte dessa situação da terceirização, não só da Casa Eliane de Grammont, mas outros CRMs,  não só colocou como suspeito esse processo de terceirização, mas nós nos anunciamos contra esse processo”, destacou Oliveira.

Na mesma linha se posicionou a representante da Marcha Mundial das Mulheres, Sônia Coelho. “Eu vejo a Casa Eliane de Grammont cumprindo um papel não só no sentido do atendimento, mas cumprindo esse papel da prevenção, uma vez que ela tem o papel de fazer estudos e pesquisas, uma vez que tem o papel de fazer a formação para trabalhadores da rede, uma vez que ela faz reflexão e o trabalho multiprofissional. Então, eu acho que isso é um aspecto da política preventiva. E terceirizar, privatizar, é o município se desresponsabilizar pela Casa Eliane de Grammont, por esse serviço”, afirmou Coelho.

Adriana Magalhães, da direção do Sindicato dos Bancários e conselheira de Políticas Públicas do Município de São Paulo representando a CUT (Central Única dos Trabalhadores), foi outra participante da audiência a se manifestar contra a terceirização dos CRMs. “Eu entendo que a luta pela permanência do serviço de qualidade da Casa Eliane de Grammont tem a ver com essa luta que a própria Lili colocou aqui, que é uma luta de décadas para que a gente possa combater a violência e o feminicídio”, defendeu Magalhães.

Integrante do coletivo Rede de Mulheres Negras Evangélicas, Simone dos Anjos também demonstrou preocupação com a possível terceirização dos Centros de Referência da Mulher. “O nosso medo é que a terceirização hoje, tanto no atendimento às crianças por meio das creches, mas também por meio da política de drogas, onde vai acolher as pessoas que têm uso nocivo de drogas, e também por meio da política de acolhimento às mulheres em situação de violência, são as OSs (Organizações Sociais) religiosas ganhando essas licitações. Por que a gente está dizendo isso e quis registrar isso na reunião? Porque quando essas OSs vão acolher as mulheres em situação de violência, elas podem inclusive piorar o quadro da saúde mental dessas mulheres com a reafirmação da culpa da mulher do meio de dogmas religiosos”, alertou dos Anjos.

Além das manifestações contrárias à terceirização da gestão dos Centros de Referência da Mulher, os vereadores e participantes da audiência também criticaram a ausência de representantes do Executivo, que haviam sido convidados, confirmaram presença, mas não compareceram ao debate.

Os trabalhos foram conduzidos pela vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL). Também participaram os vereadores Delegado Palumbo (MDB), Ely Teruel (PODE), Felipe Becari (PSD), Fernando Holiday (NOVO), Jair Tatto (PT), Juliana Cardoso (PT) e Luana Alves (PSOL). A íntegra da audiência pode ser conferida neste link.

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