Estudo sobre mortes por Covid-19 em hospitais da Prevent Senior é tema de debate em CPI

Richard Lourenço | REDE CÂMARA SP

Reunião extraordinária da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Prevent Senior desta segunda-feira (14/3)

DANIEL MONTEIRO
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Na 3ª reunião extraordinária da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Prevent Senior, os vereadores promoveram um debate entre as equipes do médico Paulo Hilário Nascimento Saldiva, do Departamento de Patologia da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), e do médico Roberto de Sá Cunha Filho, consultor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior.

Saldiva é coordenador de um grupo multidisciplinar de pesquisadores responsável por um estudo, ainda em andamento, sobre as mortes por Covid-19 em vários hospitais públicos e privados da capital paulista. Segundo resultados preliminares da pesquisa apresentados à CPI, os hospitais da Prevent Senior mostraram alta taxa de mortalidade pela doença, acima inclusive de outras unidades de saúde públicas e privadas do município.

O estudo, intitulado “Probabilidade de óbito dos pacientes hospitalizados com SRAG e Covid-19 notificados no SIVEP-Gripe no município de São Paulo”, analisou informações públicas e não nominais obtidas nas bases de dados SIVEP-Gripe e PRO-AIM (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade) sobre internações e óbitos por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) com classificação final sendo Covid-19 e outras causas.

Os dados apresentados por Saldiva foram contestados pelo consultor-executivo da Prevent Senior em depoimento à CPI no dia 16 de dezembro do ano passado. Na ocasião, Cunha Filho apresentou indicadores de performance da empresa que refutavam os resultados do estudo e sugeriam que a operadora de saúde teve bom desempenho no atendimento de pacientes com Covid-19. Essa divergência motivou o debate desta segunda-feira.

Debate

Na abertura da reunião, o consultor-executivo da Prevent Senior argumentou que os dados apresentados pelo grupo de Saldiva se baseiam em um estudo que ainda está em andamento e não foi publicado, portanto, não foi revisado por pares. Cunha também apontou que a pesquisa não apresenta declaração de conflito de interesses e informações de financiamento, necessárias para atestar sua imparcialidade.

Outro ponto questionado foram critérios utilizados para a seleção dos hospitais analisados no estudo. “O doutor Paulo tem uma carreira bastante relacionada à heterogeneidade do acesso à saúde, das regiões mais pobres, dos indivíduos com diferentes status socioeconômicos. Mas não foi só isso que levou a essa seleção. A gente tinha hospitais públicos, hospitais privados, hospitais híbridos, hospitais de alto custo e a rede Sancta Maggiore isolada num agrupamento à parte. Então, qual teriam sido os critérios de inclusão e de exclusão na hora de fazer essa seleção?”, indagou.

Cunha destacou que os dados públicos utilizados pelo estudo (SIVEP-Gripe e PRO-AIM) poderiam ser falhos, uma vez que o processo de notificação e preenchimento das informações nas bases de dados poderiam estar incorretos, ou apresentar distorções que impactariam diretamente na metodologia e nos resultados da pesquisa.

Em relação a uma suposta maior gravidade dos pacientes atendidos no HC (Hospital das Clínicas), que justificaria maiores índices de mortalidade naquela unidade, ele afirmou que “sem ver o dado clínico, isso [maior gravidade] é impossível de a gente afirmar. A gente pode supor, e a gente pode supor várias coisas, mas a gente não consegue afirmar isso”, frisou.

O consultor-executivo também contestou o recorde da pesquisa em relação à idade dos pacientes. “Apesar de ser uma variável independente, um fator de risco independente para o aumento da letalidade, o paciente idoso tem essas comorbidades que são, às vezes, um fator de risco mais importante ainda que não foi levado em consideração, porque ele pegou dados públicos sem ter essas variáveis clínicas. Então, quando a gente corrige só para a idade, a gente está perdendo muitas comorbidades na verdade, muitos outros fatores que provavelmente vão ter um impacto muito maior do que a idade isoladamente”, destacou Cunha, apresentando índices relacionados à gravidade dos pacientes atendidos pela operadora.

Saldiva contra argumentou ressaltando que não houve conflito de interesse e que o estudo não tem um viés direcionado à Prevent Senior. Conforme reforçou o médico, a pesquisa visa entender a taxa de mortalidade nos hospitais da cidade de São Paulo, de forma a subsidiar a implantação de um programa de capacitação de profissionais médicos em diferentes áreas, como tele UTI. “Para você saber de fato o real coeficiente de letalidade, você tem que controlar por variáveis de prontuário, mas estudos desse tipo são estudos usados no mundo inteiro”, disse.

“Tem um artigo comparando todas as taxas de letalidade do mundo, publicado no Lancet e feito por um indivíduo chamado Otavio Ranzani, que mostrou que as taxas de hospitalização e as taxas de letalidade no Brasil são superiores à média europeia e isso tem uma variabilidade nacional. E nós precisamos fazer isso na cidade de São Paulo, que é onde está nossa faculdade”, acrescentou Saldiva.

O coordenador do estudo também explicou e detalhou os critérios utilizados para análise dos dados apresentados aos vereadores. Quanto à checagem das informações obtidas nas bases de dados públicas, ele pontuou que a equipe possui expertise na área.

Integrante do grupo responsável pelo estudo, Carmen Diva Saldiva de André, professora sênior do Instituto de Matemática e Estatística da USP (Universidade de São Paulo), complementou os argumentos de Saldiva. “Esse banco foi muito conferido até que a gente chegasse num modelo de regressão logística que a gente ajustou com várias variáveis explicativas, não foi só faixa etária. Talvez não tenha ficado claro isso, mas a gente também colocou o sexo, colocamos interações também dos hospitais com a faixa etária, de forma a controlar o máximo de variáveis possíveis sem as comorbidades, porque se a gente colocasse as comorbidades a gente ia perdeu o número de observações muito grande. Então a limitação do estudo é justamente a falta do controle das comorbidades, mas a gente espera que, controlando a faixa etária e o sexo, a gente já controla automaticamente algumas comorbidades”, acrescentou.

Os critérios de inclusão dos hospitais no estudo também foram objeto de defesa de Saldiva. “Hospitais privados, hospitais públicos e como eu estudo a diferenciação social dos pacientes. Eu quis saber se a chance de morrer dependia se você poderia pagar pelo plano de saúde. E a Prevent entra porque, junto com o HC, foram os hospitais que mais receberam pacientes, assim como a gente ressaltou o Santa Marcelina, que aguentou uma pressão enorme  durante a pandemia na zona leste”, argumentou, citando também o Hospital São Paulo como uma das unidades destacadas na pesquisa.

Além dos argumentos, foi apresentado um slide com uma síntese dos dados de internações e óbitos, que foi explicado pela médica epidemiologista Fátima Marinho, da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e também integrante do grupo responsável pelo estudo. “O número ali está bastante claro: praticamente 70% dos que acessaram UTI (Unidade de Terapia Intensiva) faleceram. Isso é o que está nos números, eu não preciso nem da proporção para saber. Eu tenho um total de 4.514 internações, 3.151 foram a óbitos, é muito mais que a metade”, pontuou.

Após as respostas, o médico Álvaro Razuk, da Prevent Senior, voltou a contestar o recorte etário do estudo e fez ponderações quanto às características individuais dos pacientes atendidos pela operadora de saúde. “Então, na hora que você compara, precisa realmente estratificar fatores de risco, porque a idade simplesmente, por si só, é uma comparação muito superficial do ponto de vista de ocorrência, de falar qual serviço morre mais ou menos. A gente precisa analisar realmente qual o perfil do paciente que estava nessas unidades e não por hospital”, comentou.

Já o médico Roberto de Sá Cunha Filho, consultor-executivo da operadora de saúde, defendeu a atuação da empresa e novamente citou os dados apresentados à CPI, que mostrariam que a performance da Prevent Senior no atendimento a pessoas com Covid-19 seria superior à registrada no município de São Paulo.

Por sua vez, o médico Paulo Saldiva rebateu os argumentos dos representantes da Prevent Senior. “O estudo, vale ressaltar, não está analisando a qualidade do hospital. Em nenhum momento ele se propõe. Nem temos como analisar as condições do hospital. Eu plenamente reconheci que as comorbidades podem ser um diferencial das razões [para a taxa de mortalidade]. Essa é uma ferramenta de exploração de letalidade do hospital baseado [em dados públicos], e o Brasil tem bons dados”, discorreu. “Então, no fundo, eu gostaria que esse trabalho fosse de utilidade para a própria Prevent e para a própria sociedade”, concluiu.

Também se manifestou em nome da Prevent Senior o médico pediatra Antônio Sérgio da Silva, que fez uma apresentação com uma série de ponderações estatísticas relacionadas à forma como os hospitais da operadora de saúde foram incluídos e analisados no estudo. Ele criticou o agrupamento das unidades da empresa, ressaltando que isso poderia distorcer os dados obtidos.

“Que existem hospitais da Prevent que internaram pouco por Covid-19, é verdade. Então, para minimizar, se pegou a média do sistema, que é isso que nós queremos fazer, como a gente colocou todos os hospitais públicos e todos os privados dentro do mesmo pacote. Tem hospitais diferentes”, respondeu Saldiva.

Posicionamento dos vereadores

“Esses dados são riquíssimos e as informações são preciosas. E o que mais assusta, realmente, é exatamente aquilo que a gente percebeu desde o início: a condição socioeconômica dos pacientes foi um dos fatores mais agressivos da doença. O abismo ficou maior ainda depois da pandemia”, comentou o relator da CPI da Prevent Senior, vereador Paulo Frange (PTB). “É difícil a gente, depois de passado esse momento, pelo retrovisor, tentar jogar pedra. A ideia nossa, agora, é tentar construir. Acho que cada entidade agora tem a responsabilidade, inerente à própria entidade, de buscar aprimorar”, refletiu.

“Estamos na reta final da CPI, mas evidente que não é a CPI que vai esgotar esse tema. A gente precisa ter desdobramentos e tirar saldos de tudo o que a gente escutou aqui. E eu sempre digo que CPI, é evidente que a gente está aqui para apurar irregularidades, para eventualmente sugerir punições ao Ministério Público, mas a CPI também tem que dar um salto do ponto de vista de sugestões legislativas, sugestões metodológicas, para dentro do setor público e para o próprio setor privado”, refletiu o presidente da CPI, vereador Antonio Donato (PT). “E é esse espírito que a gente tem aqui, de procurar avançar, além de apurar as responsabilidades, que é a função primeira da CPI”, concluiu o vereador.

Requerimento

Além dos debates, foram aprovados dois requerimentos. Um deles, de autoria do vice-presidente da CPI, vereador Celso Giannazi (PSOL), solicita uma cópia na íntegra dos contratos de locação de dois imóveis alugados pela operadora de saúde.

O outro requerimento, de autoria dos vereadores Xexéu Tripoli (PSDB) e Paulo Frange, pede informações à Prevent Senior sobre o registro de logins do sistema de prontuários eletrônicos e de telemedicina da empresa.

A reunião desta sexta-feira foi conduzida pelo presidente da CPI da Prevent Senior, vereador Antonio Donato (PT). Também participaram o vice-presidente da Comissão, vereador Celso Giannazi (PSOL), e o relator dos trabalhos, vereador Paulo Frange (PTB).

Confira a íntegra dos trabalhos no vídeo abaixo:

 

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