Luto na pandemia é tema de reunião virtual na Comissão da Criança

MARCO CALEJO
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Lidar com os sentimentos de perda não é algo tão simples, principalmente para as crianças e os adolescentes. Entender o significado da vida, ainda mais quando se trata da morte, requer cuidados psicológicos para que eventuais traumas sejam transformados em aprendizado e compreensão.  Neste período de pandemia, o luto tem feito parte do dia a dia de milhares de famílias espalhadas pelo mundo inteiro.

Para compartilhar conhecimento em relação ao tema, a Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude da Câmara Municipal de São Paulo convidou duas especialistas para falar sobre o assunto. A reunião virtual foi conduzida pela presidente da Comissão, vereadora Soninha Francine (CIDADANIA).

“Um assunto importante em todos os tempos, mas mais ainda nestes dias de hoje em que a gente convive com perdas, fala de perdas todos os dias. As crianças têm pelo menos duas grandes perguntas difíceis para as mães, pais e responsáveis responderem. De onde a gente vem e para onde a gente vai”, disse Soninha na abertura dos trabalhos.

A vereadora Juliana Cardoso (PT), vice-presidente da Comissão, reforçou a relevância do assunto tratado no encontro. “É importante esse tema e as coisas que têm sido feitas porque acalma um pouco a alma. Eu tenho perdido muita gente próxima e tenho ficado bastante chorona, muito sentida com tudo. E, muitas vezes, a gente acha que não vai dar conta”.

Integrante da Comissão, a vereadora Patrícia Bezerra (PSDB) também falou sobre a importância em abordar este assunto na reunião. “Não é fácil falar desse tema, é extremamente complexo a criança entender o luto, compreender o luto. Eu acho que tendo essas informações, a gente pode orientar não só os familiares de amigos, mas também sobretudo a população mais carente, a mais necessitada do município”.

Durante a reunião, além dos questionamentos das vereadoras, a Comissão recebeu perguntas de pessoas que acompanharam o debate. As explicações dos processos de luto e as formas de enfrentar os momentos difíceis com a morte de parentes e amigos foram esclarecidas pelas psicólogas Cristiane Uchôa Pinheiro e Valéria Ulbricht Tinoco.

COMPORTAMENTO

Na abertura da reunião, as duas especialistas falaram sobre o comportamento e as emoções das pessoas enlutadas. De acordo com Cristiane, cada ser humano reage de um jeito diferente. Segundo ainda a psicóloga, o luto é um processo e não uma doença.

“Quando estamos enlutados, nós temos alterações emocionais, no comportamento e, às vezes, até queixas como dor de cabeça, vômito, dor de barriga, diarreia e febre. Muitas vezes a criança não está doente, ela está passando por um processo muito difícil”, falou Cristiane.

Valéria reconhece que perder um ente querido é uma experiência difícil para as crianças, mas a especialista também afirma que elas são capazes de enfrentar o processo de luto.

“Sempre é preciso da ajuda de um adulto. A gente costuma dizer que não é o evento em si, da perda, que é o mais complicado para o processo de luto da criança. E sim, o que acontece após essa experiência. Os cuidados posteriores que são dados a essa criança é que vão fazer com esse processo seja mais ou menos difícil de ser vivido”, falou Valéria.

EMOÇÕES

No entendimento das psicólogas, é importante que as crianças expressem suas emoções e que os adultos deem apoio a elas durante o tempo de luto. Outra orientação é nunca mentir sobre o ocorrido, para não causar traumas futuros.

“Se a gente apoia ela (a criança), fala que é muito difícil mesmo, e que a gente vai passar por isso juntos, eu já dou uma outra perspectiva. Eu estou dizendo, olha, é coerente, é correto, eu também me sinto assim”, explica Valéria.

MOMENTO ATUAL

O período de pandemia que assola o mundo inteiro foi outro ponto de destaque da reunião. Por causa do isolamento social para evitar a proliferação da doença, a falta dos rituais de despedida pode afetar o emocional das crianças. Nestes casos, é aconselhável buscar alternativas para incluí-las no processo da separação material para elas participarem do luto familiar.

“A gente tem que pensar, como sociedade e como profissionais também, como a gente pode ajudar nos processos de despedida. Hoje em dia a tecnologia está nos ajudando em todas as relações e neste momento é importante incluir a criança neste processo”, disse Valéria.

Ainda neste cenário atual, a psicóloga afirma ser essencial que a sociedade – como os pais, os professores, os profissionais de saúde – esteja preparada para receber a crianças no período pós pandemia para lidar com o tema de luto.

PAPEL DA ESCOLA E PROFESSORES

Para Cristiane Pinheiro, é importante que os professores busquem informações para tratar sobre o luto dentro das salas de aula. “Hoje, a gente tem vários institutos de luto que fornecem esse tipo de material para que a gente possa se instrumentalizar, para poder discutir nos espaços como as escolas. Temos a literatura a nosso favor”.

Valéria também concorda que o tema deve ser abordado nas escolas com as crianças, principalmente quando retornarem as aulas após a quarentena. “Não tem ninguém no mundo, hoje, que não foi afetado por essa pandemia. Então, trazer esse assunto (para a escola), incluir até como estudo, abrir espaço para falar como estão, como se sentiram, o que foi mais difícil”.

As especialistas chamaram a atenção ainda para os cuidados que devem ser adotados com os professores, que eventualmente também estejam em um processo de luto. “Os coordenadores dos professores e os diretores de uma escola têm que abrir este mesmo espaço. Se a gente não faz isso em cadeia, não consegue chegar nas crianças”, disse Valéria.

PERIFERIA

Sobre o luto nas periferias, regiões onde a concentração de crimes é maior, as crianças têm experiências consideradas mais traumáticas. Por isso, segundo as psicólogas, é relevante desenvolver um trabalho para que a vida seja valorizada.

“Nós adultos temos uma responsabilidade de acolhimento com o sofrimento das crianças e dos adolescentes. Temos que levar para as crianças também a importância de valorizar a vida, não deixar com que elas banalizem”, falou Cristiane.

Para as situações em que as crianças presenciam crimes e até violência domiciliar, Valéria ressalta que além do luto também ficam os traumas. “Primeiro a gente vai trabalhar a segurança dessa criança. A gente vai trabalhar o luto depois que tivermos garantidas algumas questões prioritárias. Como profissional de saúde, a gente nem consegue trabalhar a questão de um luto se temos uma questão traumática associada antes”.

A reunião completa da Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude você acompanha aqui.

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