Os desafios da educação inclusiva no contexto da pandemia de Covid-19 são tema de reunião da Comissão da Criança

DANIEL MONTEIRO
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A Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude se reuniu, na manhã desta quinta-feira (1/7), para debater o tema: “Educação Inclusiva: Direitos Preservados Durante a Pandemia”. 

O objetivo foi discutir como as crianças, jovens e adolescentes com deficiência ou transtorno do espectro autista estão sendo assistidas nas escolas e demais unidades de ensino no contexto da pandemia da Covid-19.

Os trabalhos foram conduzidos pela vereadora presidente da Comissão, vereadora Janaína Lima (NOVO). Também participaram a vice-presidente do colegiado, vereadora Ely Teruel (PODE), as vereadoras Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) e Juliana Cardoso (PT), membros da Comissão, além do vereador Gilberto Nascimento Jr. (PSC).

Manifestações

Primeira participante da reunião, a pedagoga Adriana Pagaime apresentou os resultados da pesquisa “Inclusão Escolar em Tempos de Pandemia”, desenvolvida por meio de uma parceria entre a FCC (Fundação Carlos Chagas), a UFABC (Universidade Federal do ABC), a UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e a USP (Universidade de São Paulo). “O objetivo da pesquisa era conhecer os desafios e as estratégias que as redes e as escolas utilizaram para garantir o atendimento, na perspectiva inclusiva, dos estudantes com deficiência. E buscar quais foram as ações das redes, das escolas e as ações e práticas dos professores”, explicou Adriana.

O levantamento foi realizado em julho de 2020, através de um questionário on-line, com professoras e professores da educação básica. Participaram 1.594 docentes que atuavam com o público-alvo da educação especial, sendo 3,7% deles com deficiência, 70% da região sudeste e 52% que atuavam na rede municipal. Importante destacar que 31% dos respondentes da pesquisa eram do município de São Paulo.

Segundo os dados, 67,5% dos participantes atuavam na chamada classe comum com alunos público-alvo da educação especial, enquanto 32,5% que davam aulas nos chamados serviços especializados, que contemplam o AEE (Atendimento Educacional Especializado), escolas ou classes bilíngues para surdos e escolas ou classes especiais.

Os resultados apontaram, de maneira geral, que as estratégias mais usadas pelos professores para a realização das atividades foram o material impresso e as aulas gravadas. Em relação à acessibilidade dos materiais impressos, houve maior resposta de acessibilidade para os alunos com deficiência intelectual, seguido dos alunos com transtornos globais do desenvolvimento, depois os estudantes com deficiência visual (como fonte aumentada e/ou braile) e, por fim, o atendimento acompanhado de tradução em libras, inclusive dos alunos com altas habilidades/superdotação. O estudo apontou que os professores da classe comum também atuaram nesse aspecto de promoção da acessibilidade para os estudantes. 

Já em relação aos efeitos do contexto da pandemia no ensino, os resultados da pesquisa mostram que os professores perceberam que a relação família-escola foi aumentada, mas também salientaram que houve dificuldades dos pais e das famílias em obterem os recursos de acessibilidade necessários para a aprendizagem dos alunos. Os docentes ainda afirmaram que a atenção da gestão escolar aumentou, porém, a aprendizagem desses alunos diminuiu.

Sobre as dificuldades de atuar com os alunos da educação inclusiva, mais de 60% dos participantes indicou que o trabalho à distância foi a maior dificuldade encontrada durante a pandemia. Outro aspecto destacado na pesquisa foi a importância do reforço e promoção do trabalho conjunto entre o docente da classe comum e o docente da educação especial. “Pensando em educação especial, é fundamental que a gente reflita e trabalhe na formação desses professores, de como deve ser o trabalho conjunto entre esses dois grupos de professores”, salientou Adriana.

Acerca das principais barreiras enfrentadas pelos alunos, na percepção dos professores, a maior dificuldade relatada foi a alteração de rotina para o aluno, em especial os problemas para eles realizarem as atividades da escola em casa.

Outros destaques da pesquisa, obtidos através de respostas abertas no questionário on-line, foram: o esforço dos professores com a produção de materiais individualizados aos alunos; o grande empenho dos docentes em manter o vínculo com suas alunas e alunos; e a preocupação com o aspecto emocional desses estudantes, com quem não tem acesso à internet e com aqueles que não podem retirar o material na escola – nesses casos, há relatos de docentes que levavam os materiais adaptados às residências. 

Por outro lado, foi observado que ainda há muito presente, por parte dos professores, a concepção do modelo médico da deficiência – a concepção em que a deficiência é vista como uma questão que está posta no indivíduo -, fato que afasta o direito a estar na escola e à aprendizagem. “Um dos aspectos para a gente pensar é trazer mais essa ideia da concepção social da deficiência. E trazer também, nas formações dos professores, mais a respeito sobre o capacitismo”, sugeriu a pedagoga.

Na sequência, quem se manifestou na reunião foi Carla Mauch, uma das fundadoras da ONG Mais Diferença. “Eu gostaria de ressaltar a importância da discussão sobre o tema da educação inclusiva, dos direitos no contexto que nós estamos vivendo da pandemia, ao mesmo tempo que eu queria reforçar todas as questões que a educação e a falta de direitos humanos vêm sofrendo. É impossível a gente esquecer nesse debate discussões que estão muito fortes e muito presentes no nosso país, no que diz respeito à Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva e a nova política que o governo federal criou, que é a Política Nacional de Educação Especial, que nós a chamamos de Política Nacional da Exclusão, que está suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas que coloca em risco os avanços que nós tivemos nos últimos anos em relação ao direito à educação”, disse. 

“Também não podemos esquecer nesse debate de toda a discussão que também está posta em relação ao homeschooling, que é outro direito que será tirado das crianças e adolescentes no nosso país, caso essa lei venha a ser efetivada. E aqui eu já queria fazer um apelo a todas as vereadoras e vereadores, que pudessem estar atentos a estes processos e Projetos de Lei que estão em discussão e que significarão um retrocesso enorme em relação aos direitos de todas as populações, mas principalmente em relação ao direito das crianças, adolescentes e jovens com deficiência”, completou. 

Em sua fala, Carla também levantou questões para serem refletidas, como a situação de isolamento vivenciada por milhões de crianças, adolescentes e adultos com deficiência quando excluídos da educação inclusiva – cenário que foi potencializado no contexto da pandemia -, e fez uma grande defesa da educação pública e da importância dos professores nesse contexto. 

Ela ainda pontuou alguns desafios para a educação inclusiva, como: a ampliação da situação de isolamento na pandemia; os poucos dados e pesquisas que considerem as pessoas com deficiência; a desigualdade social; os serviços e políticas públicas insuficientes do ponto de vista da oferta, bem como indicadores e o monitoramento para fortalecer políticas intersetoriais; o baixo acesso à tecnologia e internet; as campanhas de informação e conscientização sobre prevenção à Covid-19 que não consideraram as pessoas com deficiência; programas, políticas e práticas discriminatórias e capacitistas por parte dos governos e da sociedade; a população com deficiência que não foi considerada grupo prioritário em diversas ações emergenciais; o baixo investimento público para garantir direitos fundamentais; e as plataformas, conteúdos pedagógicos e situações de aprendizagem sem diferentes recursos de acessibilidade.

Também participante da reunião, Luiza Corrêa, coordenadora de advocacy no Instituto Rodrigo Mendes, apresentou dados da “Pesquisa sobre protocolos para Educação Inclusiva durante a pandemia”, realizada pela instituição. O objetivo do estudo foi contribuir com os gestores responsáveis por planejar e implementar políticas públicas voltadas à garantia do direito à educação das pessoas com deficiência, com orientações relacionadas ao período de isolamento social, assim como à fase de reabertura das escolas.

A pesquisa foi realizada com base em consulta feita a 43 especialistas do mundo todo e na análise de documentos de organismos internacionais e governos de países que já haviam elaborado protocolos especialmente voltados à educação no período da pandemia, com diretrizes, protocolos e práticas que possam servir de referência para equipes de secretarias de educação, gestores escolares, educadores e demais profissionais responsáveis pela educação no país.

Um dos pontos destacados no estudo, em relação aos critérios para o retorno, é que não existe correlação automática entre deficiência e risco aumentado para Covid-19. Ou seja, a pesquisa aponta que os estudantes com deficiência têm o direito de retornar juntamente com os demais estudantes, não em um regime diferenciado. 

Acerca das questões sanitárias relacionadas à reabertura das escolas, o estudo faz uma série de recomendações, como a de que a escola precisa assegurar que todas as medidas de higiene sejam adotadas, incluindo lavagem frequente das mãos, uso de álcool em gel, procedimentos de limpeza de instalações e práticas seguras de preparação de alimentos. As instalações de água e higiene devem ser acessíveis a todos, bem como os estudantes com deficiência com dificuldades para lavar ou higienizar as mãos precisam receber apoio. A pesquisa reforça ainda que equipamentos como cadeiras de rodas, bengalas, óculos, próteses, merecem atenção nos cuidados de higiene, entre outras medidas. 

Em sua fala, Luiza também alertou para a necessidade de atenção aos aspectos sócio-emocionais relacionados ao acolhimento desses alunos no retorno às aulas, com todas as questões envolvendo a pandemia, o contágio e a adaptação às novas regras sociais. 

Última participante da reunião, Silvana Lucena dos Santos Drago, conselheira do Conselho Municipal de Educação da cidade de São Paulo, fez um resumo sobre o órgão, suas atribuições e responsabilidades na formulação de políticas públicas.

Especificamente sobre a pandemia, Silvana apontou que o conselho, desde o primeiro momento, atuou em ações que visavam garantir a organização e planejamento das equipes educacionais necessárias às aprendizagens e desenvolvimento integral dos bebês, crianças, jovens e adultos, no que se refere à reorganização do calendário de atividades da rede de ensino, bem como na formação dos professores, na implementação do ensino à distância, na formulação de políticas públicas voltadas às famílias em vulnerabilidade, entre outros.  

De acordo com Silvana, o conselho também recomendou normas para o retorno às atividades presenciais nas unidades educacionais do sistema municipal de ensino de São Paulo, suspensas como medida temporária e emergencial de prevenção ao contágio pela Covid-19. Ela ainda elencou uma série de medidas necessárias à plena inclusão dos alunos com deficiência, bem como possíveis melhorias na atuação dos diferentes órgãos (públicos, privados e da sociedade civil) que atuam nessa área.

Eleição CMDCA

Na reunião, a vereadora Janaína Lima (NOVO) informou que a eleição do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) foi suspensa, após pleito da Comissão, que manifestou preocupação com os prazos e diretrizes que regem o pleito. 

A íntegra do debate pode ser conferida aqui.

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