Risco de Incêndio: 65% dos condutores elétricos do mercado estão fora da norma, diz Qualifio na CPI dos Fios

Indústrias que produzem condutores ruins driblam a fiscalização criando diversas marcas

Lucas Bassi | REDE CÂMARA SP

Reunião da CPI dos Furtos de Fios e Cabos desta quinta-feira (9/11)

ANDREA GODOY
DA REDAÇÃO

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Furtos de Fios e Cabos, que apura o ciclo de furto e receptação de cobre em São Paulo, também está lidando com outro problema grave relacionado ao tema: trata-se da má qualidade de condutores elétricos que chegam ao mercado, fora da especificação da norma da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) NBR NM-280, onde 65% dos materiais se enquadram, o que pode causar incêndios.

Nesta quinta-feira (9/11) o secretário executivo e gerente técnico da Qualifio (Associação Brasileira pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos), Maurício Santana, depôs aos vereadores sobre os produtos de baixa qualidade, que deixam lares, hospitais, escolas, entre outras edificações sob o risco de curto-circuito, além de desperdiçar energia deixando a conta mais cara.

Os condutores elétricos que não obedecem a norma técnica e com pouco cobre são designados como desbitolados pela Qualifio. Acrescenta-se a isso a baixa qualidade do PVC, que derrete facilmente com o aquecimento. “Um cabo que está dentro da norma, de 2,5 mm², quando fazemos testes de laboratório ele pode chegar a 70ºC porque o PVC é apropriado para isso. Normalmente uma airfryer alcança uns 42ºC. Enquanto que um cabo desbitolado, onde falta de 30% a 40% de cobre, a temperatura chega muito rápido, em três minutos, a 105ºC. Ou seja, se o cabo estiver atrás do sofá ele vai pegar fogo. Foi o sofá que pegou fogo, mas o causador foi o fio”, exemplificou Maurício.

A Qualifio é uma entidade sem fins lucrativos com 30 anos de existência que identifica marcas e os fabricantes que atuam de maneira ilegítima no mercado de fios e cabos elétricos. A entidade recolhe amostras de qualquer marca, associada ou não, em lojas de todos os portes que são identificadas, registradas e depois submetidas a ensaios técnicos em seu laboratório no município de Santo André. Ao constatar a má qualidade a denúncia é aberta  no Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), que a avalia e manda para o Ipem-SP (Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo).

“Realmente todo mundo faz a certificação do Inmetro por organismos certificadores de produtos, que vistoriam a fábrica e naquela semana a produção está toda perfeita. Mas é só virar as costas e eles começam a fabricar material ruim”, pontuou Maurício.

Entre 2014 e 2022, a Qualifio fez ensaios técnicos com 6.014 amostras, das quais 2.190 (36%) estavam em conformidade e 3.821 (64%) não conformes. “O valor médio da sonegação de cobre no produto é de 33%”, acrescentou o secretário executivo.

Na pesquisa parcial deste ano até o mês de outubro nada mudou. Das 729 amostras ensaiadas em laboratório de 85 fabricantes, 256 (35%) estavam em conformidade e 473 (65%) não conformes, sendo que 165 fabricantes estão registradas no Inmetro atualmente. O Estado de São Paulo abriga 64% das fábricas de condutores elétricos no Brasil.

Uma das características de indústrias fabricantes de materiais desbitolados é a criação de diversas marcas para driblar a fiscalização, pois se uma for denunciada as demais ainda estarão à venda. “Os fabricantes sérios têm uma ou duas marcas, mas os fabricantes de má índole tem quatro, cinco, até oito marcas para fugir da fiscalização. É muito lucrativo fazer o produto de má qualidade, se você sonegar 30% de cobre em um cabo você está ganhando 30% a mais. Então em uma tonelada de cobre que vale US$10 mil, se você só põe sete, você ganha US$3 mil dólares, por isso que cada dia aparecem mais fabricantes”, ponderou.

A penalidade leve aplicada a esse tipo de crime também incentiva a atividade ilegal da indústria, segundo Maurício. Ele contou que um dos fabricantes processados através do trabalho da Qualifio, que lucrava R$ 1 milhão ao mês com materiais ruins, foi condenado pelo juiz a pagar dez salários-mínimos.

Como sugestão à CPI dos Furtos de Fios e Cabos, o secretário executivo disse que é importante inserir no texto dos editais de licitação a exigência de todos os fios e cabos das edificações atenderem à norma da ABNT NBR NM-280, pois segundo ele, não adianta só pedir a certificação pelo Inmetro no certame, uma vez que a indústria consegue enganar a fiscalização com amostras boas, depois voltando a fazer produtos ruins. Condutores desbitolados foram identificados pela Qualifio inclusive em moradias do programa Minha Casa Minha Vida.

CPI vai visitar laboratório da Qualifio

O presidente do colegiado, vereador Aurélio Nomura (PSDB), decidiu agendar uma visita ao laboratório da Qualifio em Santo André, para conhecer o trabalho de ensaio técnico da entidade. “As informações fornecidas hoje nos deixaram estarrecidos com 65% dos fios em desacordo com a norma. Vamos fazer uma visita o mais rápido possível à entidade para que nós possamos ter mais informações e conhecer o laboratório, pois estamos tratando de segurança”, destacou o parlamentar.

O relator, vereador Coronel Salles (PSD), concordou com a ideia de modificar o texto de editais para garantir mais segurança em edificações públicas. “A Prefeitura de São Paulo tem um rol gigantesco de compras, o orçamento só da educação é de R$ 16 bilhões até agora e se compram fios, materiais didáticos, então a gente precisa colocar mais uma exigência para excluir fios que possam colocar em risco a vida das pessoas. As informações de hoje da Qualifio são assustadoras”, afirmou.

O vereador Hélio Rodrigues (PT) expressou a mesma indignação. “Um caminho importante que a gente vai agora perseguir. Não só a questão dos furtos de fios e cabos, mas dos condutores que estão em nossas residências, hospitais, escolas, UBSs que podem estar abaixo da qualidade. Você comprar um produto que exige o cumprimento de uma norma técnica, porque tem uma questão de segurança por trás, e ele não obedecer a isso pode estar provocando a perda de energia elétrica e levando a incêndios”.

O vice-presidente da CPI, vereador Eli Corrêa (UNIÃO) também participou da reunião.

Requerimentos aprovados na CPI

Quatro requerimentos foram aprovados na reunião, sendo um do vereador Hélio Rodrigues) para pedir ao secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, que encaminhe ao colegiado o relatório do inquérito policial presidido pelo delegado Dr. Maurício Del Trono Grosche, titular da 36ª DP da Vila Mariana, que apurou a morte do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa. Dentre as questões encaminhadas, o vereador quer saber se houve conclusão sobre o que causou o incêndio.

Os demais requerimentos são de autoria do vereador Coronel Salles, um deles pedindo o comparecimento de representantes da empresa Via Mobilidade para prestar esclarecimentos sobre a repercussão dos furtos de fios e cabos em seus modais de transporte e medidas mitigatórias tomadas.

Veja a reunião na íntegra no vídeo abaixo:

 

 

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