Nº13 – Premiação

Festa da rima

Primeira edição do Prêmio Sabotage celebrou talentos do hip hop e lembrou a violência na periferia

Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br

VENCEDORES — Cris, Lauane e Daiane (filhas de DJ Lah), Carlostep, Bonga e Tamires (filha de Sabotage)

Mozart Gomes/CMSP

“O mesmo Estado que às vezes premia também mata”, afirmou o grafiteiro e arte-educador Donizete de Souza Lima, o Bonga, ao receber o Prêmio Sabotage, no Salão Nobre do Palácio Anchieta, sede da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), na noite de 20 de março. Com mais de 20 anos de carreira e trabalhos apresentados em países como Chile, Canadá, França e Itália, o artista dedicou o prêmio aos “milhares de moleques mortos” nas periferias e aos painéis de grafite apagados pelo poder público.

Foi essa a pegada da primeira edição do Prêmio Sabotage, concedido pela Comissão Extraordinária Permanente dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude da CMSP para homenagear os talentos do hip hop. Do começo ao fim do evento, a celebração dividiu espaço com a crítica social. “Estamos aqui para denunciar o genocídio da população preta periférica. Sabotage representa isso”, disse o rapper André Luiz dos Santos, o Pirata, após receber a presidência do evento das mãos da vereadora Juliana Cardoso (PT) – o outro vereador presente foi Netinho de Paula (PCdoB).

O prêmio levou dez anos para sair do papel. O projeto de resolução (PR) que criou a premiação foi apresentado em 2005, pela então vereadora Soninha, dois anos após a morte de Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage (saiba mais no box). Os vereadores aprovaram o PR em 2008, dando origem ao Prêmio. A ideia foi posta em prática no ano passado, com um requerimento enviado à Câmara pelo Fórum Hip Hop, que visa promover o diálogo entre os jovens do movimento e as representações da administração pública municipal.

As categorias contempladas na premiação (melhor DJ, MC, grafiteiro e b-boy) homenageiam os quatro elementos que formam a cultura hip hop: gente que toca, canta, desenha e dança, respectivamente. Cada vencedor recebeu uma Salva de Prata confeccionada pela CMSP.

No evento, Sabotage foi representado pela filha, Tamires Rocha Mateus dos Santos, 20 anos, que hoje canta rap ao lado do irmão Wanderson, o Sabotinha, no grupo Família Sabotage. “Meu pai lutava pelo hip hop e pela periferia. Eu e minha família ficamos muito felizes com esse prêmio”, elogiou Tamires. Outras homenageadas no lugar do pai assassinado foram Daiane, 15 anos, e Lauane Cavalcante de Souza Grimas, 17. Elas são filhas de Laércio Grimas, o DJ Lah, uma das sete pessoas mortas em uma chacina ocorrida em 2013, no Jardim Rosana, zona sul de São Paulo. “É bom ver que continuam a reconhecer o trabalho do nosso pai e lembrar a injustiça que foi cometida contra ele”, disse Daiane.

Ao pegar o microfone, a vencedora da categoria MC, Cristiana Aparecida de Souza (Cris), 38 anos, do grupo SNJ, preferiu cantar. “Eu não sou boa de falar, mas a gente rima”, disse, antes de emendar com o rap Se tu luta, tu conquistas. De lutas e conquistas ela entende: com 23 anos de trajetória, Cris agora se prepara para lançar o primeiro trabalho solo. “Quando comecei, o hip hop era muito fechado para as mulheres. Melhorou muito, mas ainda tem muitas barreiras a serem derrubadas”, afirmou à Apartes.

“O prêmio é lindo, maravilhoso, mas a realidade é nua e crua: a gente está lá sofrendo”, disse Carlos Roberto da Silva, 35 anos, b-boy do grupo Silêncio Crewativo, que utiliza a dança e o grafite como ferramentas educativas. “Tentamos modificar a realidade da nossa comunidade”, disse. “O hip hop não é só o mike (microfone), a picape ou o buti (tênis). São as pessoas. Ontem a casa da menina do nosso grupo alagou. Eu saí do trampo e corri para lá ajudar. Isso é hip hop”, completou.

Na noite de estreia, o Prêmio Sabotage terminou com um coquetel no Restaurante-Escola e um show de hip hop no Auditório Externo Freitas Nobre. Mesmo felizes com as homenagens e a festa, os participantes não se esqueceram dos problemas que continuavam a esperar do lado de fora. Bonga comentou: “Tem muita gente que vai sair daqui e tomar geral ou sofrer alguma forma de preconceito”.

A grande esperança do rap

ÍDOLO — Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage

Cezar Schaeffer

“Mauro Mateus dos Santos – o Sabotage – era, talvez, a grande esperança do gênero musical brasileiro que mais esperança traz aos jovens de nossas periferias: o rap, ou, latu sensu, a cultura do hip hop. Era o mais admirado, o mais querido, o mais respeitado – inclusive pelos míticos Racionais MC’s, que o apoiaram no início de carreira”, afirmou a então vereadora Soninha, na justificativa do projeto de resolução que originou o Prêmio Sabotage, em 2005.

Abandonado pelo pai antes do nascimento, Mauro foi criado pela mãe, que trabalhava como faxineira e vivia na Favela do Canão, na zona sul de São Paulo, “num ambiente onde seus tios e parentes muitas vezes o embalaram no sono e trocavam suas fraldas com revólver na cintura”, como descreve Toni C. na biografia de Sabotage, Um bom lugar. Mauro começou a trabalhar como “olheiro” do tráfico de drogas aos oito anos e, na juventude, continuou a avançar na hierarquia do crime. Mas nunca desistiu do sonho de ser músico.

O talento de Sabotage chamou a atenção de rappers como Rappin’ Hood e os integrantes do grupo RZO, que o ajudaram a trocar o crime pela carreira musical. Sua trajetória foi tão rápida quanto o ritmo das rimas que pipocavam da sua boca. Em dois anos, lançou um álbum que marcou a história do hip hop nacional, O rap é compromisso, participou de dois filmes de sucesso, O Invasor e Carandiru, e gravou com bandas como Charlie Brown Jr. e Sepultura.

Mesmo tendo largado o tráfico, as velhas questões do mundo do crime voltaram para persegui-lo. “Se eu fizer sucesso, a inveja dos caras não vai me deixar viver em paz”, disse uma vez para o amigo Rappin’ Hood. Em 24 de janeiro de 2003, foi morto com quatro tiros. Tinha 29 anos. Em 2010, Sirley Menezes da Silva, acusado pelo crime, foi condenado a 14 anos de prisão. Sobre o músico que dá nome ao prêmio da CMSP, afirma Toni C: “Sabotage personifica numa só pessoa as mais profundas mazelas sociais de nosso Brasil”.

Saiba mais

Livro
Sabotage – Um bom lugar: biografia oficial de Mauro Mateus dos Santos. Toni C. LiteraRUA, 2013.

Filmes
Sabotage Nós. Direção de Guilherme Xavier Ribeiro. 2013.
Sabotage: o Maestro do Canão. Direção de Ivan 13P. 2015.

Comente sobre essa matéria:

Facebook Twitter

Envie críticas ou sugestões:

Email: apartes@saopaulo.sp.leg.br