Nº14 – Debate

A idade do crime

Câmara promove eventos com especialistas para discutir a redução da maioridade penal

Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br

Montagem sobre foto de Marcos Santos/USP Imagens

“Se quer reduzir a maioridade para 16, beleza. Aí vem o traficante pro moleque de 14. Aí reduz a maioridade para 14. Vem o traficante para o moleque de 12. Aí vai virar um ciclo vicioso”, disse na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) o estudante Gabriel Bellucci, de 17 anos, morador da periferia paulistana e ex-interno da Fundação Casa.

Gabriel foi um dos convidados para falar em uma das audiências públicas que a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude da CMSP tem feito para discutir a proposta de emenda à Constituição Federal (PEC) 171/1993 – que pretende reduzir para 16 anos a maioridade penal no País e já passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Se o texto proposto pelo ex-deputado federal Benedito Domingos for aprovado, os infratores a partir dessa idade passarão a responder pela lei penal brasileira e a cumprir penas em prisões comuns.

Atualmente, delitos cometidos até os 18 anos configuram infrações (mas nunca crimes) e podem, no máximo, gerar internações em instituições socioeducativas, como a Fundação Casa, conforme as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Após a maioridade, a pena se extingue.

O promotor Thales Cezar de Oliveira, que por duas décadas atuou na área de Infância e Juventude do Ministério Público do Estado (MPE) de São Paulo, disse, durante debate na CMSP, que concorda com a proposta de diminuir a maioridade para 16 anos. “O adolescente hoje pratica crime consciente, sabedor das suas responsabilidades e das suas consequências”, falou à TV Câmara, no dia 23 de abril. Para ele, no entanto, a PEC 171 só faria sentido se aliada a mais investimentos públicos em educação, saúde, saneamento básico, estímulo ao esporte e projetos urbanísticos para as crianças e adolescentes. “A experiência mostra que apenas endurecer o direito penal pode ser um remédio paliativo que surtirá efeito por dois anos; depois disso, estaremos discutindo uma redução para 14 anos”, acredita.

No mesmo evento, o psiquiatra forense Guido Palomba explicou que “os neurônios cerebrais, responsáveis também pela maturidade, capacidade de entendimento e determinação do indivíduo, maturam aos poucos”. Por isso, ele defende que, dos 13 aos 18 anos, os brasileiros sejam julgados pelas leis penais, mas cumpram as sentenças em unidades socioeducativas. Quando houver pena restante, seria cumprida em prisões comuns. A seguir, estão os posicionamentos dos vereadores Conte Lopes (PTB), Juliana Cardoso (PT) e Ari Friedenbach (PROS), que apresentam três opiniões distintas sobre a questão.

Vereador Conte Lopes (PTB), capitão reformado da Polícia Militar e vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da CMSP

Mozart Gomes/CMSP

Você concorda com a redução da maioridade penal no Brasil?

Eu sou favorável a que a pessoa a partir de 16 anos seja responsabilizada criminalmente. Ora, se a partir dessa idade o menor pode escolher o presidente da República, não sabe quando está matando, roubando, estuprando?

Como policial, a gente sabe muito bem que até a frase que eles usam erroneamente, “eu sou de menor”, é uma fórmula para matar todo mundo. Eles agem impunemente. Não é problema se vai ficar no meio de criminosos de 20, 30, 40 anos de idade. Minha opinião é que a pessoa seja afastada do convívio social. Não é cabível um Champinha (que assassinou Liana Friedenbach em 2003) da vida, que é um estuprador, homicida, volte às ruas. Não sou eu que falo, são os psiquiatras: ele vai cometer os mesmos crimes, porque a satisfação dele é estuprar e matar uma mulher. Ele se satisfaz, até sexualmente, quando a mulher tá morrendo.

Nós não temos nada que proteja a sociedade. Se prende um determinado tempo, depois vai para a rua e acha que pode fazer o que bem entender até completar 18 anos? Acredito que, se quase 90% da população é favorável à queda da maioridade penal para 16 anos (segundo pesquisa do Datafolha), é porque ela sente na carne. O resto faz discurso. Discurso é fácil fazer. Agora: a própria população sente, onde mora, que os menores não têm medo de nada.

Qual sua opinião sobre educar em vez de punir antes dos 18?

Não é por aí. Veja bem, falo como policial: polícia não cuida de causas, mas de efeitos. A lei tem que cuidar de efeitos. Temos que diferenciar uma coisa da outra. A lei penal é punitiva. A polícia cumpre a parte dela. Agora, esse outro problema de ações sociais cabe à outra (parte da) sociedade.

Vereadora Juliana Cardoso (PT), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude e membro da Comissão de Direitos Humanos da CMSP

Marcelo Ximenez/CMSP

Você concorda com a redução da maioridade penal no Brasil?

Eu sou totalmente contra reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. Porque fazer o encarceramento da juventude não é política pública de segurança. Nessa discussão, a questão da segurança tem de se interligar à política pública geral.

A PEC 171 foi, em 1993, uma reação à aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. Restauraram essa PEC e conseguiram pautá-la agora, apesar de ser um documento bem antigo. Afinal, nós estamos com um Congresso muito conservador, que não tem só essa discussão, mas também a da terceirização, a de revogar o Estatuto do Desarmamento.

A redução da maioridade penal não tem só a intenção de segurança; tem também um lobby, porque se eu reduzo a maioridade vai se prender mais. Os presídios não comportarão a quantidade adicional de pessoas e, com isso, para dar conta do serviço teremos que construir mais, terceirizar mais. Tudo tem um porém, um quê a mais.

Que acha da justificativa da PEC, de que os jovens estão mais expostos à informação e, portanto, mais conscientes do crime que cometem?

O que chamam de informação, muitas vezes, não chega aos lugares de grande vulnerabilidade social. A gente tem de buscar a organização da política pública que se desenvolva em educação, saúde, trabalho, cultura e lazer, para que o jovem tenha mais opções de caminho, além do tráfico e da droga. Que alternativas de informação eu tenho para esse jovem que, muitas vezes, nem sai de sua região para conhecer outras partes de São Paulo?

Vereador Ari Friedenbach (PROS), pai de Liana Friedenbach, assassinada em 2003, aos 16 anos, por Champinha, à época também com 16 anos. O parlamentar integra a Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Segurança Pública da CMSP

Mozart Gomes/CMSP

Você concorda com a redução da maioridade penal no Brasil?

No momento da emoção, após o falecimento de minha filha, fui favorável à redução da maioridade penal. Quatro, cinco meses depois, eu mudei de opinião porque fui pesquisar a fundo a questão. Ao reduzir a idade penal você criminaliza todo e qualquer ato cometido por maiores de 16 anos, seja ele de extrema ou baixíssima gravidade. Tanto o jovem acima dessa idade que cometeu um homicídio, quanto o que roubou uma bicicleta vão acabar no sistema prisional, que não recupera, é dominado pelo crime organizado e acabará de vez com a possibilidade de retorno à sociedade como uma pessoa melhor.

Outro problema grave: quando se fala em reduzir a maioridade para 16 anos, a pessoa de 14 ou 15 anos que comete atos extremamente violentos também não vai ser alcançada pela lei. Por isso proponho a responsabilização criminal de todo menor de idade que cometa crimes hediondos. Somente nesses casos, o jovem cumpriria pena numa unidade prisional mais rígida da Fundação Casa (a possibilidade se daria por alteração no ECA). Quando completar a maioridade, se ainda tiver pena para cumprir, ele pode ser transferido para o sistema prisional.

Nessa proposta que estou estruturando, o menor de 18 anos cumpriria uma pena inferior à que teria se fosse maior. Além disso, para evitar que o criminoso adulto recrute jovens cada vez mais novos e mais vulneráveis, proponho aumento na pena do maior acompanhado de menor ao cometer um crime. Levarei essa proposta à comissão especial sobre o tema na Câmara dos Deputados, para que ser apresentada como projeto legislativo.


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