Nº10 – Participação

Um novo jeito de fazer a diferença

No primeiro ano de vida, Conselho Participativo Municipal busca entender seu papel na vida política de São Paulo

Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br

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MILITÂNCIA – Ícone do movimento cara pintada, Cecília Lotufo tornou-se conselheira em Pinheiros

Ricardo Rocha/CMSP

Cecília Lotufo tinha 17 anos quando matou aula, numa tarde de 1992, para protestar nas ruas contra o então presidente Fernando Collor de Mello, acusado de corrupção. Ela teve a ideia de pintar o rosto, gesto que foi imitado pelos demais manifestantes e se tornou a marca dos protestos. Cecília se tornou uma das caras mais conhecidas do “movimento cara pintada” e percebeu que, mesmo sem qualquer vínculo político formal, podia fazer diferença no mundo.

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DEBATE • Encontro na Câmara debateu os primeiros seis meses do Conselho

Mozart Gomes/CMSP

“Eu não era vinculada a partido nem nada, mas virei a porta-voz de uma geração. Comecei a me ver como um agente de transformação real”, conta Cecília, hoje com 39 anos, dona de uma pizzaria e mãe de dois filhos. Sem interesse pela política partidária, criou suas maneiras de atuar politicamente, primeiro com o Instituto Kairós, que ensina consumo responsável nas escolas, e depois com o Movimento Boa Praça, que busca resgatar as praças como espaços de convivência.

No ano passado, Cecília abraçou a novidade do Conselho Participativo Municipal. Tornou-se uma dos 1.125 conselheiros eleitos pela primeira vez na cidade de São Paulo. “Entrar para o Conselho é uma continuidade de tudo o que vivi. Faz parte do meu processo de atuar na construção de políticas públicas sem entrar para um partido”, afirma.

O Conselho Participativo Municipal foi criado no ano passado, filho da união entre governo e oposição. A proposta nasceu de duas emendas do vereador José Police Neto (PSD) à Lei 15.764/2013 (autoria do Executivo), aceitas e sancionadas pelo prefeito Fernando Haddad (PT). De acordo com a Lei, os conselheiros devem zelar para que os direitos da população sejam atendidos pelos serviços públicos, monitorando a execução do orçamento e do Plano de Metas, entre outras atividades. “O Conselho Participativo leva a decisão para mais próximo do território do cidadão”, explica Police.

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ATOR • Paulo Goya, conselheiro da Bela Vista, acredita na democracia direta

Gute Garbelotto/CMSP

RESPOSTA A JUNHO

Os conselheiros são representantes eleitos pelos 96 distritos que compõem as 32 Subprefeituras do Município. Segundo o Decreto 54.156/2013, que regulamentou o Conselho Participativo Municipal, para concorrer ao cargo basta ter mais de 18 anos e apresentar as assinaturas de apoio de pelo menos 100 pessoas residentes na região. O cargo não é remunerado e o número de conselheiros varia entre 19 e 51 para cada Subprefeitura, de acordo com a população. A distribuição garante que cada conselheiro seja o representante de 10 mil habitantes.

Segundo Police, isso deve ajudar a tornar a gestão municipal mais descentralizada e, portanto, mais democrática. “São Paulo não tem uma gestão democrática porque é grande demais. Com 11 milhões de habitantes, cada vereador representa 300 mil pessoas. Com uma escala dessas, as decisões acabam sendo absolutamente centralizadas”, afirma o vereador. Com mais de mil conselheiros participando da administração, é possível “trazer para o centro do poder o cidadão, e não o político”.

A primeira eleição dos conselheiros foi realizada em 8 de dezembro, com a participação de 600 mil eleitores. A rapidez para pôr a novidade em funcionamento foi uma forma de reagir aos protestos de junho de 2013. “A eleição ainda neste ano é uma resposta ao clamor das ruas, ao pedido de maior participação nas administrações”, afirmou, em novembro, o então secretário municipal de Relações Governamentais, João Antonio, em entrevista à revista Época.

EM CONSTRUÇÃO

Os conselheiros que assumiram em janeiro ainda estão aprendendo a atuar numa função que está sendo construída. Uma de suas tarefas é participar da definição de obras a serem executadas com o orçamento das Subprefeituras. Sancionado em julho passado, o Plano Diretor Estratégico (PDE) trouxe mais uma atribuição para esses representantes: aprovar os Planos de Bairro. Além disso, 64 conselheiros participativos (dois para cada Subprefeitura) compõem o Conselho de Planejamento e Orçamento Participativos (CPOP), implantado em abril deste ano, com 106 assentos.

Na prática, os conselheiros dizem que ainda encontram dificuldades para emplacar um modelo de participação popular na gestão pública. “A Subprefeitura aparece com uma lista de projetos prontos para a gente votar. Enquanto conselheiros, nós é que deveríamos pautá-la”, analisa Cecília, eleita pelo distrito de Alto de Pinheiros. Ela também aponta que, para descentralizar as decisões, é preciso dar mais poder e recursos às Subprefeituras. “Tudo ainda é muito centralizado. As Subs não conseguem atuar de maneira adequada, porque não têm verba. Não tem muito o que a gente possa fazer para ajudar”, diz.

O condutor escolar Sebastião Ronildo Dantas, 49 anos, eleito conselheiro pelo distrito de Cidade Ademar, na Subprefeitura de Cidade Ademar, lembra uma ocasião em que encontrou uma maneira de aprimorar os gastos públicos: reuniu os conselheiros para analisar em detalhes a aplicação de uma dotação de verba destinada a revitalizar dez praças e vielas de sua região. Para isso, usaram aquele conhecimento da cidade que só os moradores têm. “Mostramos que algumas praças e vielas listadas não precisavam de reforma, e outras que estavam de fora sim. No final, com a mesma verba de R$ 1 milhão, aumentamos de dez para 20 os locais beneficiados”, conta. Filiado a um partido político, Sebastião não vê oposição entre a atuação como conselheiro e a política profissional. “Pretendo fazer uma boa gestão e me candidatar a vereador em 2016.”

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Outros não pensam assim. Em 21 de agosto, durante um debate na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) que avaliou o primeiro semestre de existência do Conselho Participativo Municipal, alguns atacaram a presença de conselheiros ligados a agremiações políticas. “Teve partido que aparelhou os conselhos como se fosse um tabuleiro de xadrez para ser jogado num ano de eleição”, reclamou o engenheiro Jorge Ifraim, 51 anos, conselheiro do distrito de Santana, pela Subprefeitura de Santana-Tucuruvi.

“Os partidos partem a sociedade em fatias, e eu acredito mais no que é feito horizontalmente e em rede”, afirma Ifraim. Dono de um café, ele começou a atuar como ativista a partir das conversas que tinha com os clientes sobre os problemas do bairro. Foi membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades) e hoje ajuda a desenvolver o Plano de Bairro de Santana. Apesar das críticas, afirma que continua a acreditar no projeto. “É um conselho de governança pública gigantesco, como a gente nunca teve, e as pessoas ainda estão entendendo o que é”, diz. “Tenho esperança de que vamos construir uma democracia diferente.”

Presente no debate, o professor Marcelo Nerling, do Curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), disse que os partidos não podem ser vistos como inimigos da participação popular. “Temos que superar o dogma de que o sujeito que se filiou a um partido político não presta”, afirmou. Segundo ele, a criação dos conselhos ajuda as pessoas a se lembrarem de lições apagadas pelos anos de autoritarismo. “A ditadura fez a sociedade civil e a política se esquecerem de como dialogar uma com o outra. Agora é um momento de grande aprendizagem.”

Militante há 12 anos pela preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade, o ator Paulo Goya, 62 anos, conselheiro da Bela Vista (Subprefeitura da Sé), acredita que a democracia representativa não funciona mais. “O Conselho é uma abertura em direção a uma nova democracia participativa direta, que talvez leve séculos para ser construída”, diz. Enquanto isso, ele se empenha em realizar um bom trabalho: “Queremos deixar para o próximo Conselho, que será eleito em 2015, a nossa experiência e vivência, torcendo para que melhorem o que a gente deixou.”

Justiça vetou primeira versão do Conselho

Embora tenha recebido o empurrão das passeatas de junho de 2013, a ideia do Conselho Participativo Municipal já fazia parte da Lei Orgânica do Município, de 1990, com o nome de Conselho de Representantes. A Mesa da Câmara Municipal tentou criar o órgão em 2004, com a Lei 13.881. No ano seguinte, o Ministério Público moveu uma ação afirmando que a lei era inconstitucional, por criar cargos e funções na administração pública através de uma norma idealizada pelo Legislativo, algo que só o Executivo pode fazer.

A ação foi acatada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou inconstitucional não apenas a lei, como também os artigos 54 e 55 da Lei Orgânica, que haviam criado o Conselho. O caso aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Saiba mais

Site
conselhoparticipativo.prefeitura.sp.gov.br

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