Nº08 – Resíduos Sólidos

Riqueza que vem do entulho

Parlamento e Executivo unem esforços para diminuir o desperdício e transformar em recursos o lixo paulistano

Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br
Colaborou Bruna Cavalini

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Vik Muniz

Todos os dias, a cidade de São Paulo produz mais de 20 mil toneladas de resíduos sólidos, os produtos não aproveitados das atividades domésticas, comerciais, industriais e de serviços de saúde, ou gerados pela natureza, como galhos e terra. Mais de 60% desse total vêm das residências e do comércio (o chamado lixo domiciliar), o que dá uma média de pouco mais de um quilo por habitante. Para dar um fim a todo esse material, somente neste ano a Prefeitura vai gastar cerca de R$ 2 bilhões.

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LIXO ZERO – Especialistas europeus Pål Mårtensson (à esquerda) e Camille Duran em evento na Câmara

Luiz França/CMSP

Para diminuir essa fortuna gasta com o lixo, o Executivo paulistano elaborou o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS) para os anos de 2014 a 2033. A prioridade número um da proposta é adotar políticas para a não geração de resíduos e, quando não for possível, a meta é reduzir o material descartado. Em seguida, a ordem de ações prioritárias é a máxima reutilização de materiais, a reciclagem, o tratamento e, por fim, a destinação ambientalmente adequada daquilo que não é possível aproveitar de forma alguma.

Essa hierarquia de metas e todas as diretrizes do PGIRS foram incorporadas ao novo Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado em junho pelos vereadores da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP). Com a sanção do PDE pelo Executivo, os apontamentos do PGIRS também serão transformados em lei.

“O plano integrado de resíduos sólidos é um decreto do prefeito que poderia ser revisto por outro decreto, mas, por estar incorporado ao PDE, vira lei e, dessa maneira, temos ampla condição de cobrar todos os governantes, pelos próximos 16 anos”, explica o vereador Nabil Bonduki (PT), relator do projeto de lei (PL) do PDE e autor do substitutivo aprovado na Câmara.

Mais importante lei urbanística da cidade, o Plano Diretor deve ser revisto pelo menos uma vez a cada dez anos e define as diretrizes para o uso do solo, além dos sistemas de circulação. O PDE aprovado em 2014 estabelece objetivos a serem alcançados ao longo de quatro gestões do Executivo, até 2029.

Na linha da principal diretriz proposta pelo PGIRS, o PL 313/2013, do vereador Eduardo Tuma (PSDB), propõe a criação do Programa Lixo Zero. Entre as ações previstas no projeto está a constituição das “usinas limpas”, capazes de transformar lixo orgânico em energia, adubo para florestas e materiais de construção como pisos, painéis e telhas. O conceito é inspirado em iniciativa de Márcia Macul e Sérgio Prado, arquitetos brasileiros que, em 2011, foram finalistas em competição mundial da organização indiana Ashoka Changemakers para escolher, entre 289 inscritos, as três melhores soluções para tornar as cidades mais sustentáveis.

“O lixo no Município é desperdiçado, trazendo para o setor público um grande ônus para seu armazenamento e tratamento em aterros sanitários”, aponta Tuma. A ideia do Programa Lixo Zero é diminuir a quantidade de lixo reaproveitável que é descartada, além de incentivar a reciclagem e a transformação dos resíduos em energia.

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IMPORTÂNCIA – Bonduki: “Os catadores prestam serviço de limpeza pública”

Mozart Gomes/CMSP

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TENDÊNCIA – Projeto do vereador Tuma cria o Programa Lixo Zero em São Paulo

Mozart Gomes/CMSP

VALOR SOCIAL

A cada partida realizada na Copa do Mundo deste ano, os torcedores descartaram uma média de cinco toneladas de resíduos por estádio. Para recolher e processar essa quantidade de recicláveis, os catadores receberam diária de R$ 110 da Coca-Cola, uma das patrocinadoras do mundial. Além de receberem pelo serviço prestado, puderam comercializar o material. A iniciativa foi pioneira em um evento desse porte, segundo o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).

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AGENTES – Projeto de lei quer que catadores sejam remunerados pelo serviço ambiental

Ludmila Tavares/Flickr

“Significa pagar por um serviço que hoje é realizado de graça por nós, catadores, que sobrevivemos apenas do valor do material, sempre muito baixo, e não pelo serviço ambiental que realizamos”, diz Eduardo Ferreira de Paulo, que coleta materiais recicláveis e é associado à Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare) e membro do Comitê de Catadores da Cidade de São Paulo e da Coordenação Nacional do MNCR.

Usar a coleta seletiva para gerar renda, cidadania e inclusão é um dos princípios do Plano paulistano de Gestão de Resíduos. Tanto que um trecho do documento prevê a criação de fundo financeiro para fortalecer as organizações de catadores e garantir a remuneração dos serviços prestados. Nesses mesmos moldes, o PL 591/2013, de Nabil Bonduki, determina remuneração pelos serviços das associações e cooperativas de catadores, além do pagamento pelo peso de resíduos triados e pela capacitação dos trabalhadores. “Os catadores prestam serviço de limpeza pública e, então, devem ser remunerados também por isso”, diz o parlamentar.

O MNCR, uma das entidades que contribuíram com Nabil Bonduki para a elaboração do PL, diz que o projeto representa um avanço ao transformar em lei a “intenção” embutida no PGIRS. O movimento pede, entre outros pontos, que o vereador adapte o texto à legislação nacional, que prevê, por exemplo, a dispensa de licitação para a contratação de associações e cooperativas de catadores pelo Poder Executivo.

Hoje, a cidade de São Paulo recicla menos de 2% do lixo coletado, mas a Prefeitura quer ampliar essa porcentagem para 10% até 2016. Para isso, no fim de junho o Executivo inaugurou a Central Mecanizada de Triagem Ponte Pequena e, até julho, pretende pôr em funcionamento a Central de Triagem Santo Amaro. Cada uma terá a capacidade de processar 250 toneladas por dia de material reciclável.

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PENA – Se o projeto do vereador Jair Tatto for aprovado, quem jogar lixo na rua será multado

Equipe de Eventos/CMSP

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DESCARTE – Lei proposta por Milton Leite obrigou instalação de recipientes de coleta em estabelecimentos comerciais

Equipe de Eventos/CMSP

PROPOSTAS PARA RECICLAGEM

Pelo menos quatro leis aprovadas pela CMSP tratam da regulamentação do universo paulistano da reciclagem. A 14.973/2009, proposta pela ex-vereadora Claudete Alves, é responsável por obrigar grandes geradores de resíduos a separar suas sobras por tipo: papel, plástico, metal, vidro e não recicláveis. O texto disciplina o armazenamento, a coleta, a triagem e a destinação desses materiais. Os atingidos pela lei foram escolhidos em função da quantidade de lixo gerado. A 14.907/2009, do vereador Milton Leite (Democratas), determina a instalação de recipientes para coleta em estabelecimentos comerciais com concentração média de 500 pessoas ou mais. As duas legislações preveem multa em caso de infração.

A Lei 13.513/2003, apresentada pelo ex-vereador Carlos Apolinário, obriga o Executivo a enviar à CMSP relatório bimestral sobre a execução da coleta, tratamento e destinação final do lixo no Município. “É fundamental que os vereadores tenham as informações necessárias para que possam participar dos debates e soluções deste problema e para que tenham condições de intervir na defesa do interesse público, na proteção do meio ambiente e no cuidado da saúde do munícipe paulistano”, menciona a justificativa do projeto.

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Outra lei, a 12.493/1997, de Paulo Frange (PTB), define que a Prefeitura instale lixeiras para coleta seletiva nos estabelecimentos públicos municipais de ensino. “A diretoria de cada escola promoverá a venda, pelo maior preço, do lixo colhido”, diz o texto. O valor deve ser investido na própria unidade escolar.

Entre os projetos de lei apresentados nesta legislatura (2013 a 2016), está o PL 218/2013, da vereadora Patrícia Bezerra (PSDB), que determina que os pontos de venda varejistas de produtos embalados disponham de urnas ao lado dos caixas, para destinação das embalagens que os clientes não desejam levar para casa. Em caso de descumprimento, a proposta prevê multa.

O vereador Floriano Pesaro (PSDB), por meio do PL 576/2013, quer estimular os comerciantes a disponibilizarem, em suas calçadas, coletores separados para recicláveis, lixo eletrônico e bitucas de cigarro, entre outros. De acordo com o PL 167/2014, de Aurélio Nomura (PSDB), haverá um conselho gestor para cada uma das três estações de transbordo (locais intermediários entre o ponto de coleta e a destinação final dos resíduos) paulistanas. Segundo o projeto, os conselhos vão propor melhorias à atividade e metade de seus membros deve ser da sociedade civil.

EDUCAÇÃO E PUNIÇÃO

Em 12 de maio, foi realizado na Câmara Municipal o I Seminário Internacional Legislação para o Lixo Zero. Um dos convidados, Camille Duran, que falou em nome do movimento Zero Waste Europe (Desperdício Zero Europa), apontou que é fundamental educar as pessoas para se chegar ao lixo zero. A organização da qual ele faz parte promove os conceitos de redução dos resíduos gerados e materiais consumidos, a conservação e recuperação dos recursos e a diminuição do volume de itens queimados ou enterrados. “A questão não é tomar essa ou aquela medida, mas fazer com que as pessoas entendam onde você está tentando chegar. As pessoas são inteligentes e querem ajudar, mas precisam de informação”, disse Duran.

Algumas leis aprovadas pela CMSP propõem a educação como forma de combate ao problema de geração de lixo. Com a Lei 15.099/2010, elaborada pelo vereador Arselino Tatto (PT), a Prefeitura ficou obrigada a veicular campanhas de conscientização, a cada três meses, para evitar que o cidadão suje a cidade. O texto também determina que as empresas de coleta e varrição façam ações educativas em parceria com o Executivo.

Com a mesma intenção, a Lei 14.439/2007, cujo projeto é da ex-vereadora Soninha, diz que a administração pública deve providenciar programas educativos aos servidores sobre reciclagem e reutilização de materiais em suas atividades. Também com apelo para a conscientização, a Lei 12.403/1997, proposta pelo ex-vereador Alberto Hiar (Turco Loco), cria o Dia do Lixo no Lixo na cidade, para que o calendário oficial contemple reuniões e palestras de esclarecimento sobre a limpeza urbana.

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Entre os projetos desta legislatura, o PL 583/2013, de Jair Tatto (PT), propõe multar os cidadãos que jogarem lixo fora dos locais adequados nas ruas paulistanas. Em 2013, a cidade do Rio de Janeiro adotou medida igual e conseguiu reduzir em 50% a quantidade de lixo largado nas ruas. A aplicação de penalidade também está prevista no PL 562/2013, do vereador Conte Lopes (PTB), para quem jogar lixo nas calçadas em vez de destiná-lo às lixeiras comuns ou para recicláveis. O parlamentar, além de educar a população, quer também evitar o entupimento dos bueiros, que colabora para as enchentes. “Quando o infrator passar pelo constrangimento público de ser multado, certamente evitará a reincidência”, diz a justificativa da proposta.

Outro projeto que prevê penalidade para quem não entrar na luta pela diminuição de resíduos é o 742/2013, da vereadora Sandra Tadeu (Democratas). Segundo a iniciativa, as pessoas que não contribuírem para minimizar os resíduos (por meio da racionalização, reutilização, reciclagem ou recuperação) devem ser submetidas a medida educativa, além de advertência e multa já previstas em lei.

Ao lado da educação dos cidadãos, caminham medidas para minimizar os impactos ambientais. Entre outros objetivos, a Frente Parlamentar de Sustentabilidade da CMSP debate regularmente, em reuniões públicas, temas relacionados às questões ambientais do Município. O grupo, presidido pelo vereador Ricardo Young (PPS), é formado por Abou Anni (PV), Andrea Matarazzo (PSDB), Ari Friedenbach (PROS), Aurélio Nomura, Eduardo Tuma, Floriano Pesaro, José Police Neto (PSD), Juliana Cardoso (PT), Laércio Benko (PHS), Mario Covas Neto (PSDB), Nabil Bonduki, Natalini (PV) e pelo vice-presidente Toninho Vespoli (PSOL).

Uma das legislações que busca preservar o meio ambiente em São Paulo é a Lei 10.939/1991, de Arselino Tatto, que proíbe a implantação de sistemas poluentes de tratamento de lixo em áreas de proteção de mananciais. Pela lei, nessas áreas podem funcionar apenas sistemas que, comprovadamente, não agridam os mananciais, como usinas de compostagem aprovadas em estudo de impacto ambiental e incineradores e centros de triagem de resíduos que não produzam agentes poluidores.

Pål Jorgen Mårtensson, palestrante do Seminário Lixo Zero, realizado na CMSP, é coordenador do EcoPark, na cidade sueca de Gotemburgo, projeto operado pela prefeitura (em cooperação com um centro de caridade) para cuja sede os cidadãos podem levar materiais para reciclagem ou doar resíduos e produtos para reutilização. As doações são vendidas em lojas no próprio Ecopark. Para Mårtensson, “o lixo é a prova de que há algo errado na sociedade”, pois simboliza o desperdício de recursos que custam muito caro para se obter.

Saiba Mais

Seminário Internacional Legislação para o Lixo Zero – Íntegra das apresentações no link goo.gl/1YtX7K

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RESPONSABILIDADE – Legislativo gerenciava os resíduos da cidade diretamente, conta Caodaglio

Gute Garbelotto/CMSP

Entrevista: Ariovaldo Caodaglio


Autor de Limpeza Urbana na Cidade de São Paulo – Uma História para Contar, Ariovaldo Caodaglio faz um panorama histórico da coleta de lixo e explica como os depósitos antigos alteraram até mesmo o desenho viário e a forma de ocupação do Município.

Como a limpeza pública da cidade evoluiu desde o século 17?
No início do seu povoamento, com menos de 5 mil habitantes, os resíduos eram basicamente de refeições, couros de sapatos, roupas e arreios (acessórios utilizados em cavalos), que eram enterrados nos quintais das casas. Com a industrialização, o Poder Público, representado pela própria Câmara Municipal, já que não tínhamos prefeito, encarregava-se de evitar que o lixo proliferasse e fosse colocado em locais indesejados. À medida que a cidade crescia, pouco antes da virada do século 19 para o 20, o Legislativo precisou assinar e gerir o primeiro contrato com uma empresa privada de coleta de resíduo. Devido aos altos e baixos na relação entre contratante e contratado, volta tudo a ser feito pelo poder público municipal, até 1910. Com o adensamento no centro, resíduos passam a ser jogados na periferia. Surgem os lixões e os veículos para transportar o lixo. Na década de 70, a coleta em sacos plásticos* foi outro avanço para aquele momento, se considerarmos que as pessoas colocavam o lixo para fora em latas de 20 litros. O barulho era infernal (na hora do transporte) e com o tempo formava-se uma crosta contaminadíssima nas latas. O último salto foi a coleta com contêineres, que começaram a ser colocados em regiões de difícil acesso. Temos hoje estação de transbordo moderníssima, sem cheiro, inaugurada há dois anos, mas já tínhamos duas na década de 60.
* Prevista em decreto que regulamentou a Lei 10.227/1972, proposta pela CMSP

Seu livro relaciona a cultura dos lixões à especulação imobiliária, por volta de 1975. Como isso ocorreu?
Começou-se a jogar resíduos nas várzeas para aproveitar o espaço que servia para dar vazão aos rios, quando chovia muito. Essas áreas começaram a ser paulatinamente solidificadas pelo depósito de lixo e terra. Já sólidos e com baixíssimo custo, os terrenos foram aproveitados pelo mercado imobiliário. Depois que constrói, o governo retifica o rio para impedir inundações, põe muretas, afunda a calha, tira areia do fundo para aumentar a capacidade de vazão. E o entorno das várzeas, que eram absolutamente desvalorizadas, valorizam-se. Aí vem o pessoal da mobilidade urbana, pensa em ligar uma zona da cidade à outra e traça um negócio chamado avenida marginal, que passa a ser uma das artérias mais importantes da vida paulistana, ao lado da qual se veem centros comerciais e residenciais. Essa valorização imobiliária surge da necessidade de se colocar o resíduo em algum lugar. Tudo começou no lixo e espero que não termine no lixo.

A falta de mão de obra do setor atualmente tem a ver com preconceito histórico?
Sempre teve. O primeiro sistema de coleta da cidade era executado por pessoas que ainda estavam cumprindo pena por terem cometido algum tipo de delito, ou seja, presidiários. Havia um decréscimo da pena de quem se prestasse a fazer o serviço de passar nas casas com carroças e coletar o lixo. No Rio de Janeiro os escravos pegavam os resíduos e iam até a Baía de Guanabara para lançar.
No momento atual, o problema é esse tipo de mão de obra ser a base da pirâmide social, disputada ao mesmo tempo pela construção civil, que está num boom intenso.

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