Nº07 – Direitos Humanos

Histórias na sarjeta

Leis e projetos municipais preveem atendimento digno e reinserção social da população de rua

Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br
Colaborou Sândor Vasconcelos

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BARRACAS – Abrigos improvisados sob viaduto na região do Glicério, em São Paulo

Equipe de Comunicação/CMSP

No ano passado, o paulistano Lucas (nome fictício), de 42 anos, ia de bicicleta para o trabalho, na Vila Guilherme, quando foi atropelado por uma lotação. Ao chegar à empresa, a chefe mandou que ele fosse a um hospital fazer curativos, já que seu rosto estava muito machucado. No dia seguinte, soube por telefone que estava demitido.

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INFORMAÇÃO – Para o vereador Ricardo Young, intolerância aumenta a vulnerabilidade das pessoas de rua

Equipe de Eventos/CMSP

Separado da mulher após 15 anos de casamento e sem contato com os dois filhos, Lucas morava sozinho. Com o desemprego, começou a dever os aluguéis. Teve também um desentendimento com a irmã e logo “uma depressão, um estresse, neurose”. Foi morar nas calçadas. “Enquanto isso não parar não volto para casa”, conta. Hoje, sobrevive de doações e bicos, como entregas de gás ou de móveis. A cachaça e os amigos de rua também o ajudam a “segurar o refrão”, segundo ele diz.

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SAÚDE – Vereador Jean Madeira, da Frente Parlamentar de Combate à Dependência Química: “Álcool inibe fome e frio”

Equipe de Eventos/CMSP

Os serviços e programas paulistanos voltados a Lucas e a todas as pessoas em situação de rua são descritos e exigidos pela Lei 12.316/1997. O texto, da ex-vereadora Aldaíza Sposati (PT), obriga o Poder Público municipal a suprir as necessidades básicas e os direitos de cidadania dessa população, com garantia de “dignidade e não violência”.

A lei foi regulamentada pelo Decreto 40.232/2001, que instituiu a Política Municipal de Atendimento à População de Rua na cidade, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) e envolvimento de pelo menos 12 Secretarias. O documento traz regras detalhadas que devem ser seguidas, por exemplo, por albergues, como proibição de tratamento degradante, vexatório ou humilhante e exigência de alimentação bem acondicionada e supervisionada por nutricionistas, uso de roupas limpas de cama, toalhas de banho e travesseiros individualizados, chuveiros com água quente e espaços de acomodação limpos, seguros e confortáveis.

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CARTAS – Projeto do vereador David Soares cria endereço para moradores de rua receberem correspondências

Equipe de Eventos/CMSP

Entretanto, Carlos Weis, coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP), diz que vários desses preceitos não são cumpridos. No atendimento aos moradores de rua são muitas as queixas sobre a precariedade de instalações em albergues. “Eles vêm reclamar das condições dos abrigos, que continuam muito ruins, com alimentação ruim, falta de higiene, chuveiro que não funciona”, relata. As reclamações costumam ser constatadas pessoalmente pelos defensores. Há, ainda, relatos de atritos entre os usuários e a direção dos abrigos, inclusive com expulsões de acolhidos sem justificativa. A Smads informa que vem realizando adequações técnicas e estruturais nos centros de acolhida, seguindo as recomendações da Defensoria Pública.

Para que fiquem claramente estipulados os direitos e os deveres da pessoa que utiliza o albergue, as formas de apuração das irregularidades, punições e direito a recorrer das decisões, Weis sugere manter a Lei 12.316, que “é muito boa”, mas recomenda uma emenda ou uma nova regulamentação que aborde a questão. A sugestão está em debate no Grupo de Trabalho (GT) Vulnerabilidade Social da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), articulado pelo mandato do vereador Ricardo Young (PPS).

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ESTÍMULO – Robson Mendonça, do movimento estadual, empresta bicicletas para população carente

Ricardo Rocha/CMSP

Endereço

O Projeto de Lei (PL) 878/2013, do vereador David Soares (PSD), autoriza o Executivo municipal a criar o endereço social, no qual moradores de rua, migrantes ou imigrantes sem endereço residencial poderão receber notificações, cartas e contas. “Minha motivação para a proposta foi constatar que para as muitas pessoas sem um endereço domiciliar, por mais que tivessem uma qualificação, não era dada oportunidade de emprego ou mesmo a simples obtenção de documentos”, explica o parlamentar. Soares menciona também a possibilidade de retomar os contatos familiares.

“O governo oferece cursos bons, reconhecidos mundialmente, mas quando o empregador descobre que o candidato é morador de rua, não aceita”, relata Robson Mendonça, que já viveu nas ruas e hoje preside o Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo e com frequência organiza ou participa de eventos e interlocuções sobre o tema na CMSP.

A inserção do público-alvo nos programas de qualificação do Executivo é abordada pela Lei 15.913/2013, do ex-vereador Alessandro Guedes (PT). O texto, que aguarda regulamentação, cria um programa articulado entre quatro secretarias para fazer a inclusão prioritária da população de rua em habitações temporárias e definitivas, além de prover atendimento de saúde especializado.

Para caracterizar a população de rua, a Lei 15.913 usa a mesma definição dada pelo governo federal: grupo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, utilizando logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

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CIDADANIA – Defensores públicos atendem pessoa em situação de rua em São Paulo

Assessoria de Imprensa DPE

O vereador Ricardo Young acredita que muitas empresas estão interessadas em empregar essa parcela desassistida da população, mas concorda que ainda existe discriminação: “Os impactos que a população de rua exerce no restante da cidade, às vezes gerando intolerância, deixa essas pessoas ainda mais vulneráveis”.

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Para ajudar a romper o bloqueio social, o movimento liderado por Robson Mendonça faz a sua parte: empresta, aos atendidos, 2 bicicletas para transporte de turistas, outras 12 para irem ao trabalho ou realizarem entregas e 2 triciclos para o recolhimento de material reciclável, além de oferecer livros, gratuitamente, em 28 biciclotecas – bibliotecas itinerantes.

Reabilitação

Para a professora doutora Maria Helena Rocha Antuniassi, diretora do Centro de Estudos Rurais e Urbanos (Ceru) da Universidade de São Paulo (USP), grande parte das pessoas está nas ruas por causa de drogas ou “tem droga na história de vida”. Ela coordenou em 2011 o estudo Ruptura, Desemprego e Solidão: Relatos de Acolhidos nos Serviços de Assistência Social na Cidade de São Paulo, a pedido da Smads. Foram 382 entrevistados, que passavam parte do dia ou 24 horas em albergues paulistanos.

No estudo, a equipe do Ceru encontrou jovens que se revoltaram com a pobreza na família de origem, saíram de casa e encontraram o vício. Conversou, também, com mulheres que saem de casa ou expulsam o companheiro por violência, bebida ou falta de emprego: “Quando o marido é de idade, não tem mais a família de origem e perde a família constituída, fica sem chão e pode ir para as drogas”. Entre os ouvidos, 41% bebiam ou se drogavam todos os dias. A maioria enfrenta a pobreza e conflitos na família.

A Frente Parlamentar de Saúde Mental e Combate à Dependência Química da CMSP, composta por vereadores, especialistas, acadêmicos e entidades, monitora propostas de lei e a execução de políticas públicas sobre prevenção e amparo – social e ambulatorial – a dependentes químicos ou com doença mental. “Cuidamos para que a droga não entre nos albergues. Muitos moradores de rua, inclusive crianças, não usam porque são dependentes, mas porque o álcool inibe a fome e o frio”, diz Jean Madeira (PRB). Também compõem o grupo os parlamentares Aurélio Nomura, Claudinho de Souza, Coronel Telhada, Eduardo Tuma, Floriano Pesaro, Gilson Barreto, Mário Covas Neto e Patrícia Bezerra, todos do PSDB, além de Calvo (PMDB) e Paulo Frange (PTB).

A reabilitação das pessoas em situação de rua está prevista em dois projetos de lei que tramitam na Câmara. O PL 859/2007, dos vereadores Floriano Pesaro (PSDB) e Marta Costa (PSD) e da ex-vereadora Mara Gabrilli (PSDB), institui o Programa Equilíbrio, que dá diagnóstico e tratamento psiquicossocial a crianças e adolescentes em vulnerabilidade e risco social, em situação de rua ou em abrigos e Centros de Referência da Criança e do Adolescente. O objetivo é reintegrar as crianças e jovens às suas famílias, assim como assegurar o retorno às atividades escolares e evitar o retorno às ruas. A ação envolve educadores, psicólogos e assistentes sociais, considerando também o papel dos familiares na recuperação e proteção dos atendidos pelo programa.

O PL 245/2009, do vereador Gilson Barreto (PSDB), cria o Centro de Reabilitação de Cidadania (Creca) em cada região da cidade para acolher os moradores de rua e dar atendimento psicológico e psiquiátrico, capacitação profissional, área para prática esportiva e horta comunitária. “O morador de rua permanecerá no Creca até que esteja apto à reintegração social”, diz a justificativa do projeto.

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Um programa de educação ambiental e de proteção animal voltado a meninos e meninas de rua está previsto no PL 409/2005, do vereador Aurélio Nomura (PSDB). Outro projeto da Casa, o 350/1994, do vereador Arselino Tatto (PT), anula a Lei 11.623/1994, que prevê desocupação das áreas não utilizadas pela Prefeitura embaixo dos viadutos e pontes do Município, para outorga a entidades que explorem o estacionamento de veículos ou instalem suas obras sociais ou beneficentes.

Para chamar a atenção sobre a questão, os vereadores aprovaram o Dia Municipal da Cultura e Cidadania da População em Situação de Rua, celebrado em 21 de abril, criado pela Lei 15.823/2013, projeto do ex-vereador Chico Macena (PT). Está em tramitação na Casa o Projeto de Lei 113/2014, que cria a Semana de Conscientização sobre Pessoas em Situação de Rua, que abrange campanhas sobre os direitos dessa população, entre outros aspectos. O PL é do vereador Toninho Vespoli (PSOL).

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Saiba Mais

Serviço
Atendimento jurídico à pessoa em situação de rua da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) e da Defensoria Pública da União na cidade de São Paulo (DPU-SP)
Rua Riachuelo, 268, às terças e quintas, das 8h às 12h

Site
Movimento Estadual da População em Situação de Rua
www.bicicloteca.com.br

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