Políticos de chuteiras
Em tempo de Copa do Mundo, conheça as histórias de três jogadores que viraram vereadores
Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Os três trocaram chuteiras e gramado por gravata e plenário. Todos dizem que começaram “sem querer querendo”, pensando mais em ajudar amigos do que no jogo. Um dos jogadores garante que teve boa atuação em campo, outro assume que foi perna-de-pau e um terceiro prefere dizer que o desempenho é da equipe. Dois deles participaram de apenas um campeonato (ou mandato) e depois abandonaram as partidas; um terceiro ainda tem planos de voltar a jogar.
1985 – Zé jogou com Rui Chapéu (de boina) quando o campeão da sinuca visitou a Associação dos Servidores da CMSP
Acervo pessoal
O palmeirense Ademir da Guia e os corintianos Biro-Biro e Zé Maria são os três jogadores de futebol que conseguiram balançar a rede nas eleições para a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP). Zé Maria deu o pontapé inicial em 1983, ao iniciar o mandato de vereador pelo PMDB. Em seguida, veio Biro-Biro, que em 1989 entrou para o time do Palácio Anchieta, sede da Câmara, pelo PDS. Em 2005, foi a vez de Ademir da Guia, vestindo a camisa do PCdoB. Outros nomes ligados à bola também fizeram gol nas urnas. Um dos pioneiros foi o massagista Mário Américo, que chegou à CMSP em 1979, usando como chamariz o poder das mãos que haviam tratado de Pelé, Garrincha e outros craques das seleções vitoriosas nas Copas de 1958, 1962 e 1970.
Cavalo de Aço
“Futebol e política andam juntos desde que me entendo por gente”, reconhece José Maria Rodrigues Alves, 65 anos. Ele lembra que seu pai, o funcionário público Durvalino Rodrigues Alves, era “uma das pessoas mais influentes” de Botucatu (SP), sua cidade natal, e também havia sido treinador de futebol. Na infância de Zé, políticos e jogadores se misturavam na sua casa.
Conhecido como Super Zé ou Cavalo de Aço, o lateral-direito jogou pela seleção brasileira nas Copas de 1970 e 1974, mas é lembrado principalmente pela atuação no Corinthians, com destaque para a participação na final histórica do Campeonato Paulista de 1977, quando o time pôs fim a uma fila de 23 anos sem título. As vitórias levaram Zé a se aproximar dos políticos. “Na Copa do Mundo, a gente conhecia senadores, deputados, presidente da República. Em 77, o governador Paulo Egydio Martins recebeu a gente no Palácio”, lembra.
Em 1982, um ano antes de deixar os gramados, foi convencido pelo então secretário estadual de Esportes, Flávio Adauto, a se lançar nas eleições a vereador para ajudar na candidatura do jornalista esportivo Caio Pompeu de Toledo a deputado estadual. “Entrei nessa para ajudar os amigos”, conta. A ideia é que, se fosse eleito, Zé iria para a Secretaria Municipal de Esportes, mas o plano não saiu como previsto. Eleito com 33.210 votos, Zé teve de permanecer os seis anos daquela legislatura como vereador.
Ou quase. No primeiro ano, o jogador, que ainda estava na ativa de forma amadora, pediu licença do mandato e voou para os Estados Unidos, onde passou a fazer apresentações de showball (partidas amistosas com ex-jogadores consagrados). Após alguns meses, cansou-se das apresentações (“tinha que correr muito e eu já estava com certa idade”) e voltou para o Brasil, quando retomou a cadeira na CMSP.
Uma das jogadas do vereador Zé Maria acabaria garantindo, três décadas depois, a construção do estádio do Corinthians, o Itaquerão, palco da abertura da Copa do Mundo deste ano. Zé conta que o prefeito Jânio Quadros (que assumiu em 1986) havia tomado o terreno cedido ao Corinthians, e só aceitou devolvê-lo ao clube após um movimento que reuniu diversos vereadores corintianos para pressionar Jânio. A decisão foi comemorada com o lançamento da pedra fundamental no terreno.
Ao terminar o mandato, Zé lançou-se candidato à reeleição, por insistência dos colegas, mas diz que quase não fez campanha e não se importou quando foi derrotado. “A política não entrou no meu sangue”, explica. O que entrou por suas veias é seu trabalho atual como assistente de direção da gerência de esportes na Fundação Casa (antiga Febem), onde trabalha há 14 anos tentando usar a bola para mudar o rumo de vidas. “O esporte deu vida para mim. Acho que o esporte é uma alavanca positiva para a sociedade”, diz.
Craque perneta
Diante da bola, Antonio José da Silva Filho, o Biro-Biro, 55 anos, era polivalente. Volante de origem, atuou como meia e atacante, marcando mais de 70 gols pelo Corinthians nos dez anos em que jogou no clube, entre 1978 e 1988. Quando partiu para o time dos engravatados, não mostrou a mesma habilidade. “Como vereador, fui um perna-de-pau”, confessa.
“Eu nem queria sair candidato. Política não tinha nada a ver comigo”, lembra Biro-Biro. Ainda assim, no ano em que chegou ao Parque São Jorge, uma brincadeira mostrou que o nome do jogador podia faturar nas urnas. Numa época em que os votos de protesto estavam na moda, cerca de 80 mil pessoas escreveram “Biro-Biro” nas cédulas para os votos ao Senado. O talento no futebol, o apelido engraçado e a figura curiosa, com os cabelos encaracolados e tingidos de louro, transformaram o corintiano numa figura muito popular. “Onde eu vou tem Biro-Biro. As pessoas colocam meu nome em tudo, até em gato, cachorro”, conta.
Velho cartola da política, Paulo Maluf sabia do potencial político de Biro-Biro e resolveu convidá-lo a sair candidato pelo PDS, por intermédio de Vicente Matheus, presidente do Timão e tio da esposa do jogador. O atleta não queria, os amigos insistiram e ele foi “para ver como era”. Eleito com 39.198 votos em 1988, teve dificuldade para cumprir os primeiros anos de seu mandato, porque ainda estava na ativa como jogador, na Portuguesa. “A cada seis meses eu pedia licença de um mês para poder me dedicar ao time. Queria continuar jogando até o final da minha carreira”, relembra. Isso durou quase o mandato todo. “Só no final comecei a frequentar mais e participar das votações.”
Comprou brigas com o PDS, por se recusar a votar como o partido pedia, e foi para o PMDB, a convite do corintiano e futuro governador Luiz Antonio Fleury Filho. Sem paciência para negociações partidárias, Biro procurava seu próprio jeito de ajudar as pessoas – inclusive com ações que hoje seriam consideradas ilegais. “Naquela época, a gente podia dar cesta básica no gabinete. Eu conseguia com uns amigos que tinham mercado e até tirei do meu bolso para ajudar”, conta. “A gente via o sofrimento do pessoal que passava fome. Eu pensava no benefício do povo”, justifica.
Biro conta que não voltou mais a se candidatar, mas se manteve próximo aos políticos, atuando como assessor de parlamentares. Saiu do único mandato com uma certeza: “A política não é para mim”.
Divino vereador
Depois de dois corintianos, foi a vez de um palmeirense chegar ao Palácio Anchieta. Mas o próprio Ademir da Guia, hoje com 72 anos, sabia que era uma zebra no campeonato eleitoral. “Eu não tinha esperança de vencer”, lembra o jogador. Quando aceitou o convite do ministro Aldo Rebelo para disputar as eleições municipais de 2004, pensava apenas em ajudar outra candidata do PCdoB, Nádia Campeão (atual vice-prefeita de São Paulo). Mas o resultado das urnas mostrou a Ademir que não apenas o futebol é uma caixinha de surpresas: ele foi eleito com 27.541 votos, enquanto a favorita Nádia ficou como suplente.
Um resultado que não deveria ser tão surpreendente, já que Ademir é um dos maiores ídolos da torcida alviverde. Filho de Domingos da Guia, considerado um dos maiores zagueiros da história, Ademir jogou 900 partidas e marcou 153 gols pelo Palmeiras, entre 1961 e 1977, sendo cinco vezes campeão paulista e pentacampeão brasileiro. Chamado de Divino, conquistou os gramados com um estilo sereno e elegante, que foi cantado em prosa e verso por cronistas, escritores e até pelo poeta João Cabral de Mello Neto.
Como seus dois antecessores, da Guia também se desentendeu com seu time na Casa e trocou o PCdoB pelo PR. Mesmo assim, afirma não ter tido grandes dificuldades para se adaptar ao jogo do Palácio Anchieta. “Não é fácil conviverem 55 pessoas, cada uma pensando de um jeito, e chegar num acordo. Mas fiz muitas amizades, tanto com os partidos da oposição, como da situação”, lembra. No meio do campeonato, tropeçou em denúncias de corrupção, que foram arquivadas pela Corregedoria da Casa. “Procurei ser sempre uma pessoa correta”, afirma Ademir, que diz não guardar mágoas da sua passagem pela Câmara.
Entre as leis que conseguiu aprovar, está a 14.886, de 2009, conhecida como “lei antitrombada”, que obriga a colocação de uma faixa sinalizadora em vitrines e outras peças de vidro, para evitar que as pessoas batam contra elas.
O próximo desafio do craque é prosseguir na carreira política. Tentou a reeleição para vereador em 2008, mas foi uma bola fora. Neste ano, tentará outro campeonato, o da Assembleia Paulista, e espera acertar “onde a coruja dorme”.
Entrevista: Zé Maria
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Entrevista: Biro-Biro
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Entrevista: Ademir da Guia
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Copa do Mundo passou pela CâmaraA atuação dos vereadores da Câmara Municipal de São Paulo ajudou a criar condições para a realização da Copa do Mundo 2014 e a debater consequências, positivas e negativas, do megaevento. Em 2011, a Câmara aprovou projeto de lei da Prefeitura de São Paulo que concedeu R$ 420 milhões em incentivos fiscais para a construção do Itaquerão, estádio de abertura da Copa. No mesmo ano, os vereadores criaram uma subcomissão, no âmbito da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, para acompanhar o andamento das obras ligadas à Copa. Em 10 de junho do ano passado, o secretário-geral da Federação Internacional de Futebol (Fifa), Jérôme Valcke, esteve no Plenário da CMSP para representar o presidente da instituição, Joseph A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual Infantil, concluída em dezembro do ano passado, analisou medidas para tentar coibir o abuso de menores por conta do turismo sexual relacionado à Copa. |
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