Nº05 – Exploração Sexual Infantil

Muitos envolvidos, nenhum responsável

Relatório de CPI propõe que uma secretaria centralize e responda pelas ações sobre a exploração sexual de menores

Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br

VIOLÊNCIA – Investigação de vereadores identificou exploração de crianças em vários pontos da cidade

SXC.hu

As crianças e os adolescentes em situação de vulnerabilidade sexual da capital são monitorados por um grande número de órgãos e organizações de policiamento, direitos humanos, assistência social e saúde. Mesmo com esse controle, vários jovens estão desprotegidos, à mercê de uma das piores formas de trabalho infanto-juvenil: a venda de relações sexuais. O motivo, detectado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual Infantil (ESI) da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), após oito meses de trabalho, é a inexistência de um órgão que centralize e articule todas as ações sobre o tema.

“Hoje, se chamarmos todas as entidades que tratam desse assunto, dá para encher o plenário da Câmara. É uma situação cuja necessidade de combate é unanimidade, mas, ao mesmo tempo, quem cuida? Quem é a inteligência? Qual o órgão do governo? Não é obrigação de ninguém”, diz o presidente da CPI, vereador Laércio Benko (PHS).

Nos 240 dias que durou a comissão de inquérito, Benko, o vice-presidente Ricardo Nunes (PMDB), a relatora Patrícia Bezerra (PSDB) e os vereadores Alfredinho (PT), Ari Friedenbach (PROS), Calvo (PMDB), Coronel Camilo (PSD), Ota (PROS) e Marquito (PTB) ouviram 15 órgãos e entidades ligados ao governo.

Como resultado, apresentaram em dezembro do ano passado um relatório recomendando que a Prefeitura atribua à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania a responsabilidade pelo enfrentamento e combate à ESI, uma vez que a unidade já tem a incumbência de coordenar e articular políticas sobre crianças e adolescentes no Município, interagindo com o Estado e a União em nome da Prefeitura. “Se a atribuição for feita, em três ou quatro anos diminuiremos em 95% a exploração sexual de crianças e adolescentes na cidade”, aposta Benko.

CONCLUSÃO – Vereadores Ota, Calvo, Ari Friedenbach, Laércio Benko, Ricardo Nunes, Alfredinho, Patrícia Bezerra e Marquito votam relatório final da CPI

Fábio Lazzari/CMSP

A desarticulação vista hoje na capital paulista é agravada pela complexidade do tema. A supervisora de Assistência Social na Regional Vila Maria e Vila Guilherme da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), Iria de Nazaré Pinto, descreveu para a CPI o caso de uma provável negociação de programa sexual entre uma garota e um caminhoneiro na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Sua equipe presenciou a cena e não denunciou aos policiais presentes no local. A revelação chocou a vereadora Patrícia Bezerra: “Uma menina se encaminha para o caminhão, vai ser explorada e não se faz nada? Com posto policial do lado?”. Iria Pinto explicou que o procedimento é habitual, porque sua secretaria prioriza o trabalho de observar e identificar para prevenir novos casos.

A secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer, informou à CPI que a abordagem realizada pela equipe de sua pasta não tem foco na exploração sexual infantil, mas admite que fazer a denúncia teria sido uma obrigação moral de qualquer cidadão. “Nós precisamos atender mais e melhor essas crianças vítimas de abusos. A gente tem repensado todos os serviços da Secretaria”, disse Luciana.

SEQUELA – “Vítimas têm dificuldade de ligação afetiva”, diz Juliana Petroceli, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos

Ricardo Rocha/CMSP

Mesmo quando há denúncia, pode ser difícil caracterizar a exploração sexual de menores. Alguns deles não colaboram com o sistema de proteção por não se sentirem vítimas, o que dificulta a prisão em flagrante. O trabalho de inteligência da polícia é agravado pelo limite de horário, até as 22 horas, determinado pela Smads para abordagem dos meninos e meninas nas ruas. “Esse pode ser considerado o ponto cego que impede a confirmação das ocorrências nos pontos vulneráveis”, diz o relatório da CMSP.

Outro exemplo da ineficiência do processo é o uso das 100 câmeras de monitoramento instaladas na cidade pela Guarda Civil Metropolitana (GCM). Os aparelhos são compartilhados pela fiscalização viária, que determina a localização de 60% deles, pelos serviços de proteção a menores e pela polícia militar. Porém, segundo o vereador Ricardo Nunes, os pontos mais conhecidos de exploração sexual infantil, como o Parque Ibirapuera, não têm nenhuma câmera. Em fala aos vereadores da CPI em outubro passado, Espedito Marques de Souza, inspetor e chefe da Central de Monitoramento da GCM, disse ser possível reposicionar até 10% das câmeras para os locais apontados pela comissão de inquérito. Quatro delas já estariam reservadas para o Ibirapuera.

Os vereadores fizeram diligências noturnas na Rua Augusta, Avenida Indianópolis, Parque Ibirapuera e no Itaquerão. Nas redondezas do futuro estádio do Corinthians, na zona leste, encontraram meninas em situação de exploração sexual e visivelmente drogadas. A existência de ilegalidades nesse local foi confirmada por Matt Roper e Jota Roxo, repórteres do tabloide inglês Sunday Mirror que colaboraram com a CPI. Eles captaram imagens e gravações em que as menores relatam como fazem programas, principalmente, com funcionários da obra.

O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito, com as conclusões, sugestões e súmula das apurações, foi entregue ao prefeito Fernando Haddad (PT), ao Ministério Público e à Procuradoria-Geral de Justiça, para que executem ou fiscalizem, de acordo com as suas competências, medidas para minimizar a mercantilização de vulneráveis em São Paulo. Benko promete acompanhar os próximos passos: “Vou cobrar o Executivo”.

EDUCAÇÃO – Vereador Eduardo Tuma criou semana de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil

Ângelo Dantas/CMSP

Também ouvida pela CPI, a coordenadora do Programa Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Juliana Marques Petroceli, contou que as vítimas de exploração sexual podem ter sequelas físicas, dificuldade de ligação afetiva, tendência a sexualizar os futuros relacionamentos, abalo na autoestima, além de desenvolver o uso de substâncias ilícitas e entrar na prostituição.

Segundo o Código Penal brasileiro, submeter, induzir ou atrair à exploração sexual, além de facilitar o crime ou dificultar que o menor de 18 anos abandone a prática, pode levar a reclusão de até dez anos, além de multa.

Dia de enfrentamento

Em janeiro de 2014, Haddad sancionou a Lei 15.965/2014, do vereador Eduardo Tuma (PSDB), que cria a Semana Municipal de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil nos sete dias anteriores a 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Durante a semana, serão intensificadas em São Paulo as campanhas de conscientização sobre o tema, particularmente no sistema de ensino público infantil, com possíveis parcerias público-privadas. O objetivo é estimular as denúncias e auxiliar no combate ao problema.

Para brasileiros e estrangeiros

SXC.hu

A lei federal 11.577/2007 exige que alguns estabelecimentos afixem letreiro, em português, inglês e espanhol, com número de telefone para denunciar anonimamente a exploração sexual e o tráfico de crianças e adolescentes.

A legislação atinge bares, lanchonetes, restaurantes, centros de hospedagem, recreativos, casas noturnas, salões de beleza e outros locais voltados à estética, agências de modelos, casas de massagem, saunas, postos de gasolina e demais locais de acesso público próximos a rodovias e academias de fisiculturismo, dança e ginástica ou atividades físicas correlatas. O cartaz deve estar em local visível e com letras grandes, para permitir a leitura a distância.

Exploração 24 horas

Ricardo Rocha /CMSP

“No Parque do Carmo, que fica em São Mateus (com área equivalente a 1500 quarteirões) e é muito escuro, é 24 horas a exploração contra adolescentes. Mas é muito difícil atingi-los. Não se sentem vítimas, não querem ser atendidos pela rede de proteção, seja da Saúde, seja da Assistência Social.”

Fabiana de Gouveia Pereira,
psicóloga da Secretaria Municipal de Assistência Social

Trecho de depoimento à CPI da Exploração Sexual Infantil, em 4/4/13

Melhor atendimento às vítimas

Fábio Lazzari/CMSP

“Temos, nos acolhimentos, jovens que saíram das mais diversas situações e que às vezes acontece (relação sexual), na própria casa (abrigo). Não se sabe quando é curiosidade sexual, porque tem jovens de 15, 16 anos lá, que acabam se relacionando sexualmente, e quando é, de fato, um abuso. Seja uma situação ou outra, tem de ser tratada com a mesma seriedade por nós, pelo Ministério Público e pelo Judiciário, sempre numa parceria.”

Luciana Temer, secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social

Trechos de depoimento à CPI da Exploração Sexual Infantil, em 20/6/13

Abusos dentro dos abrigos

Fábio Lazzari/CMSP

“Nós temos muitas crianças sendo exploradas; e há abusos dentro dos nossos abrigos. Tem abrigo ao qual, dependendo da situação, a gente evita de levar a criança porque, com certeza, ela será violentada sexualmente. Todos os conselheiros sabem disso. Se eu faço o atendimento de uma menina que se perdeu de uma mãe e veio parar no Conselho, eu jamais colocaria essa criança lá, pela complexidade da configuração. Você tem adolescentes em situação de rua, tem questão de drogadição. Mas não significa que em outros abrigos isso também não se reproduza. O Conselho Tutelar recebe e fiscaliza denúncias de outras entidades. Tem denúncia de suposta violência, suposto aliciamento sexual.”

Fernando Rodrigo Prata, conselheiro tutelar da região da Vila Mariana

Trecho de depoimento à CPI da Exploração Sexual Infantil, em 12/9/13

 

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SAIBA MAIS

Site

Cartilha do governo federal sobre a violência sexual infantil. – disponível em http://goo.gl/Qao7s