Nº10 – Documentação

Hieróglifo moderno

Por meio de símbolos, taquígrafos registram desde 1948 o que se fala na CMSP

Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br

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“A palavra falada voa e a escrita permanece”, afirma um antigo ditado. Portanto, é fundamental que discursos, depoimentos, protestos, questões de ordem e apartes ditos em um Parlamento fiquem registrados por escrito, preservados para a história. Para que isso seja feito o mais rápido possível, existe o serviço de taquigrafia, método que usa sinais e abreviaturas para acelerar a escrita. No alto desta página, por exemplo, lê-se (em forma taquigráfica) “A Câmara Municipal de São Paulo é formada por 55 vereadores eleitos pelo povo. Ela é o Poder Legislativo desta cidade”.

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REGISTRO – Taquígrafas durante trabalho no Plenário 1º de Maio

Ricardo Rocha/CMSP

O serviço de taquigrafia da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) existe desde 1948 e transcreve sessões (inclusive as solenes), reuniões das Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs), audiências públicas e alguns eventos organizados por vereadores. “O taquígrafo tem fé pública, o que ele registra vai para os anais da Casa”, diz a responsável pela Secretaria de Registro Parlamentar e Revisão da Câmara, Paula de Castro Bello. Ela explica que, à medida que o vereador fala, o taquígrafo transcreve utilizando os sinais, que depois são traduzidos.

Cerca de 3 horas após o fim das sessões ordinárias e extraordinárias, o material produzido pela taquigrafia é disponibilizado no portal www.saopaulo.sp.leg.br, na seção Atividades Legislativas. Em aproximadamente 15 dias é publicado no Diário Oficial da Cidade. No caso de um discurso, o texto passa antes pela revisão do vereador que fez o pronunciamento, mas ele não tem permissão para retirar, apenas acrescentar informação. Somente a Presidência da Câmara tem autoridade para excluir partes da transcrição.

Com 30 anos de atuação na CMSP, Paula Bello lembra-se da boa oratória de dois ex-vereadores. Brasil Vita (veja perfil nesta edição), segundo ela, “tinha um vocabulário vastíssimo”, enquanto José Eduardo Cardozo, atual ministro da Justiça, notabilizava-se por usar muito bem as pausas, “o que facilitava bastante taquigrafá-lo”. Entre os momentos ruins passados pela equipe, ela se recorda dos trabalhos durante a CPI da Máfia dos Fiscais, em 1999, quando alguns depoentes vestiam colete à prova de bala. Os taquígrafos, que ficavam bem ao lado dos declarantes, estavam assustados. “Eles pensaram: ‘se estão de colete é porque alguém pode atirar, e a bala pode nos atingir’. Mas nada aconteceu, ainda bem”, diz aliviada.

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FATOR HUMANO – Tecnologia aprimora o processo, mas não substitui o taquígrafo, diz Paula Bello

Ricardo Rocha/CMSP

Paula ressalta que o taquígrafo tem a obrigação de preservar o estilo de cada orador, mas também o dever de reelaborar pensamentos mal formulados e respeitar o sentido exato que o autor quis dar às palavras. Quando há ocorrências no plenário, como aplausos ou vaias, o funcionário tem de registrá-las, e se alguém usa expressões que possam caracterizar ofensa ao decoro o taquígrafo deve consultar a chefia. Segundo a secretária, o bom taquígrafo fica “invisível”, com atitude discreta, pois ninguém fica à vontade sabendo que alguém está anotando tudo o que se fala. “Tive uma chefe que dizia que taquígrafo tem de ter cara de vaso, não falar nada, nem mesmo rir, mais isso é impossível”, conta.

FUTURO DA PROFISSÃO

No Palácio Anchieta, sede da CMSP, trabalham 24 taquígrafos, formados em diversos cursos superiores como engenharia, geografia, psicologia, letras e relações internacionais. “É um grupo bem eclético, isso enriquece nosso trabalho, porque a Câmara trata de muitos temas”, diz Paula. Esses profissionais conseguem transcrever cerca de 100 palavras por minuto.

Existem centenas de métodos de taquigrafia, e no Brasil os principais são o Taylor, o Leite Alves e o Nélson de Oliveira. É possível usar qualquer um deles. “O método não importa, às vezes o próprio taquígrafo cria seus sinais, os taquigramas; o importante é o resultado final”, esclarece a supervisora da Equipe de Taquigrafia e Revisão da CMSP, Carla Oliveira Santos Mariano. Na Câmara, os profissionais utilizam bloco de anotação e lápis ou caneta. “As máquinas de taquigrafia, conhecidas como estenotipia, são mais usadas nos tribunais”, informa Carla.

Taquigrafia, que em grego quer dizer “escrita rápida”, também é conhecida como estenografia (ou “escrita abreviada”, no mesmo idioma). O primeiro taquígrafo de que se tem registro é Tiro, secretário de Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C.), político do Império Romano. Ele criou as notas tironianas para conseguir registrar com mais rapidez os famosos discursos de seu superior.

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TAQUIGRAMAS – O método Leite Alves, na foto, é um dos mais utilizados pelos taquígrafos da CMSP

Ricardo Rocha/CMSP

Mais de 2 mil anos depois de Tiro, a discussão hoje é se os especialistas da área serão substituídos por programas de computadores capazes de reconhecer o que está sendo falado e transcrever automaticamente. Paula tem certeza de que não, e acredita que o taquígrafo sempre será necessário, mesmo com o desenvolvimento tecnológico. Ela conta que uma vez estava taquigrafando uma reunião de pesquisa de preço em que dez pessoas discutiam e algumas falavam ao mesmo tempo. “Eu tive de me esforçar para saber em quem deveria prestar atenção, quando pôr outros comentários e, no final, fazer um texto único”, diz. Segundo a taquígrafa, a tecnologia aprimora o procedimento, mas não substitui o profissional. “Tem a emoção, a ironia, o humor, a sutileza, e isso só o ser humano capta”, conclui.

Saiba mais:

Site: www.taquigrafia.emfoco.nom.br

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