Pedala, São Paulo
Câmara e Prefeitura preparam uma cidade mais adequada aos ciclistas
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Gute Garbelotto/CMSP
Elas surgiram no centro, vermelhas e estreitas, espalham-se pelos bairros, estão cruzando os rios Tietê e Pinheiros e em breve devem chegar à Avenida Paulista e às periferias mais distantes. As ciclovias já fazem parte do cotidiano de São Paulo, e cada vez mais paulistanos estão utilizando as bicicletas para se locomover, e não apenas como lazer. “É um questão de saúde e de economia, poupo o dinheiro do metrô e da academia”, afirma Rodrigo Vicentim, que pedala 6 quilômetros por dia de sua casa, na Liberdade, até o Hospital das Clínicas, onde trabalha como analista de informática.
Segundo a Pesquisa Mobilidade Urbana, feita pelo Ibope, o número de paulistanos que usam a bicicleta todos os dias como meio de transporte cresceu 50% neste ano, em comparação a 2013, quando calculou-se que cerca de 174 mil moradores da cidade usavam a bike diariamente; em 2014, o número passou para, aproximadamente, 261 mil.
A tendência é que o número de ciclistas aumente, pois o de ciclovias não para de crescer. Com o Projeto SP400, lançado em agosto, a Prefeitura paulistana pretende que a cidade tenha 400 quilômetros de ciclovias até o final de 2015. No fim de novembro, São Paulo já tinha 183 quilômetros de vias para bicicletas. “Estamos criando uma rede cicloviária para democratizar o espaço público”, afirma o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto.
Equipe de Eventos/CMSP
PROPOSTAS
Para facilitar e incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) tem debatido a questão e realizado audiências públicas. O novo Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado pelos vereadores em junho e que dá as diretrizes para o planejamento da cidade nos próximos anos, trata do assunto em vários trechos. Por exemplo, logo no segundo capítulo consta que “a Política de Desenvolvimento Urbano e o PDE se orientam pela prioridade no sistema viário para o transporte coletivo e modos não motorizados”.
No Projeto de Lei (PL) 467/2014, apresentado pelo Executivo, no qual é proposto o Orçamento municipal para 2015, o prefeito Fernando Haddad (PT) garantiu que “a mobilidade urbana segue sendo uma prioridade para a Prefeitura” e que a expansão da rede cicloviária é prioritária na alocação de recursos. Pela proposta, em discussão na Câmara, estão reservados R$ 400 milhões para a implantação de vias cicláveis, ou seja, ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas (veja infográfico com as definições nesta página).
Os recursos para a disponibilização de ciclovias serão provenientes do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), já que o Plano Diretor determina que pelo menos 30% do Fundurb sejam destinados à implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres.
Os vereadores também têm apresentado PLs que abordam o tema. Uma das propostas, em análise, institui o Programa Vou de Bicicleta e cria o Selo Empresa Amiga do Ciclista. O PL 382/2014, apresentado pela vereadora Juliana Cardoso (PT), pretende apoiar e identificar as empresas que incentivam funcionários e clientes a usar a bike como transporte. A corporação que aderir ao programa terá direito a 10% de desconto anual no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) se cumprir alguns requisitos, como manter um bicicletário e um vestiário para os ciclistas. “Esta proposta está dentro do esforço de melhorar a mobilidade na cidade”, explica Juliana. “Tudo o que é novidade traz dificuldade de adaptação, por isso é importante incentivar as empresas.”
Em julho, a Câmara já havia aprovado o PL 11/2014, que previa que os impostos estaduais e municipais pagos na compra de bicicletas fossem compensados por meio de créditos no Bilhete Único. O projeto, apresentado pelos vereadores Goulart (PSD), Natalini (PV), José Police Neto (PSD) e Ricardo Young (PPS), previa estacionamento e seguro contra roubo para esses veículos. Entretanto, o prefeito vetou a lei, alegando que o Município não tem controle sobre impostos das esferas estadual e federal, impossibilitando as estimativas sobre as despesas relacionadas à aplicação do projeto.
Police Neto, que vai para a Câmara de bicicleta, lamenta o veto. Segundo ele, não haveria problemas com a devolução dos impostos, pois é o que ocorre com os programas Nota Fiscal Paulista e Nota Fiscal Paulistana, que retornam aos consumidores parte dos tributos recolhidos pelo Estado e pelo Município. Segundo o vereador, a lei foi vetada porque “aqueles que assessoram Haddad não conseguiram explicar a ele que, com o projeto, as faixas que acabou de pintar estariam com mais bicicletas, haveria mais estabelecimentos comerciais com bicicletários e a rede de proteção aos ciclistas seria muito maior”.
O parlamentar-ciclista elogia a coragem do prefeito em traçar tantas ciclovias em pouco tempo, mas critica a falta de ousadia de sua equipe em criar mais apoio para os ciclistas: “As bicicletas andam sem ciclovia, mas uma ciclovia sem bicicleta não tem sentido”.
Com o objetivo de aumentar o número de pessoas que vão em duas rodas para o Palácio Anchieta, sede da CMSP, o vereador Nabil Bonduki (PT) apresentou o Projeto de Resolução (PR) 13/2014, criando um bicicletário (local fechado, com zeladoria, e destinado ao estacionamento de bicicletas) e um vestiário com duchas para os funcionários. Para quem não trabalha na Câmara, haveria um paraciclo, dispositivo que permite apoiar e fixar a bicicleta estacionada, que poderia ser instalado na rua ou no interior do prédio.
Na justificativa da proposta, Bonduki explicou que “o transporte por bicicletas compreende uma forma de mobilidade limpa e saudável, mais justa quanto à utilização da via pública e com ganhos socioambientais inquestionáveis”, já que “não emite gás carbônico (CO2) e apresenta velocidade média de 20 km/h, muito superior à do transporte automotivo individual (14,1 km/h)”. O PR está em tramitação na Casa.
Em relação aos estacionamentos para bicicletas, o vereador Marco Aurélio Cunha (PSD) apresentou o PL 527/2009, que se tornou a Lei 15.649/2012 e foi regulamentada em março de 2013. Essa legislação obriga os estacionamentos coletivos, construídos a partir da data da regulamentação, a reservar 10% de suas vagas para bikes. O vereador conta que teve a ideia de apresentar o projeto após ciclistas o terem procurado queixando-se sobre as dificuldades em guardar seus veículos, já que os estacionamentos só se preocupavam com os carros. “Eles tinham dificuldades até para ir pedalando a uma loja, porque não tinham onde deixar a bicicleta”, justifica o parlamentar.
Embora apoie os ciclistas, Cunha posiciona-se contra a forma como as ciclovias vêm sendo criadas. “Tudo que é feito muito rápido não é bem feito”, critica. Ele defende que haja um estudo geográfico e socioeconômico antes de se decidir onde haverá uma ciclovia. “O Poder Executivo tem uma vocação autoritária muito grande, falta debate com a Câmara de Vereadores, que é a representante da sociedade”, critica.
No começo de novembro, o Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou um inquérito civil para apurar os critérios de planejamento da implantação das ciclovias. A ação da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo pediu esclarecimentos à Prefeitura para determinar o impacto das vias exclusivas para bicicletas no trânsito.
GRANDE APOIO
Apesar de algumas críticas pela forma como as ciclovias estão sendo criadas, os usuários estão gostando da novidade. “Agora eu ando com segurança e tranquilidade, antes era muito desrespeitado”, diz o analista Rodrigo Vicentim. “A bicicleta é um fator de união, várias classes sociais se encontram nas ciclovias”, completa entusiasmado.
As vias especiais para bikes, aliás, têm a aprovação da grande maioria dos paulistanos. Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha realizada em setembro, 80% dos entrevistados aprovam a implantação de ciclovias e 14% são contrários. A parcela de indiferentes abrange 6%. Entre os mais jovens (de 16 a 24 anos), a aprovação atinge 93% e cai conforme avança a idade do entrevistado, chegando a 66% entre os mais velhos (a partir dos 60 anos).
DIÁLOGO – Secretário de Transportes na ciclovia da Av. Cruzeiro do Sul; Jilmar Tatto diz que Prefeitura debate com a sociedade
Acervo CET
O consultor de mobilidade urbana e cicloativista Daniel Guth, diretor de participação da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), também faz elogios às ciclovias, mas ressalta que uma política cicloviária engloba bem mais do que reservar uma faixa para as bikes. “Precisamos criar uma cultura da bicicleta, fazer campanhas que promovam o veículo, principalmente entre os mais jovens. É preciso formar ciclistas”, afirma. “Precisamos de uma mobilidade ativa”, completa.
Ao perceber a nova tendência, a cidade vem se preparando para receber mais ciclovias. Alguns restaurantes já oferecem desconto para quem chegar de bicicleta e estão sendo organizados passeios turísticos em duas rodas. Um dos estabelecimentos de olho no mercado, localizado próximo à Estação de Metrô Pinheiros, é o Aro 27 Bike Café, que também funciona como oficina mecânica e loja de acessórios ciclísticos, onde os ciclistas podem estacionar suas “magrelas” e tomar banho. Outro estabelecimento que oferece serviços aos usuários de bicicleta é o Dress Me Up, no Brooklin, onde podem, por exemplo, trocar de roupa.
Porém, os usuários também têm críticas às ciclovias, como a condição de alguns trechos, nos quais o piso está defeituoso. A segurança é outro ponto a se condenar: bicicletas estão sendo roubadas e jogam até tachinhas para furar os pneus. “Esses são problemas pontuais, que serão resolvidos logo”, acredita Guth. “Os espaços públicos estão sendo devolvidos à cidade”, comemora.
POSIÇÃO CONTRÁRIA
O taxista José Roberto Pugliese é contrário às ciclovias em São Paulo, por considerar que atrapalham o trânsito e são pouco usadas. “Diariamente, ando em meu táxi por cerca de 150 quilômetros em toda a cidade e quase não vejo ninguém nelas. De noite viram pista de cooper”, afirmou. “Seria melhor ter usado o dinheiro para fazer hospitais”, sugere Pugliese.
Os moradores e comerciantes do bairro de Santa Cecília, no centro, também lamentam a forma como as ciclovias estão sendo criadas. “A Prefeitura só quer saber de números, não se importa com os transtornos que estão surgindo”, critica o presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) do bairro, Fabio Fortes. Entre os problemas causados pelas faixas exclusivas para ciclistas, ele cita a diminuição de vagas para os carros estacionarem, prejudicando o comércio. “Não somos contra as ciclovias, mas contra o improviso e a falta de diálogo da Prefeitura”, ressalta.
Marcelo Ximenez/CMSP
Os proprietários de restaurantes em torno da Praça Vilaboim, em Higienópolis, criticaram a ciclovia do local, alegando que atrapalhava o acesso dos clientes. Após as reclamações, a CET alterou o traçado da faixa. Segundo a companhia, tratou-se de “aperfeiçoamentos necessários”.
O secretário de Transportes, Jilmar Tatto, refuta as acusações de que as ciclovias estão sendo feitas sem discussão com a sociedade. “O incentivo à rede cicloviária fez parte da campanha do prefeito Haddad e está no Plano Municipal de Mobilidade, ninguém foi pego de surpresa”, esclarece. Ele também lembra que a questão é muito debatida no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT), no qual há representantes de vários setores, inclusive taxistas, motoristas de ônibus e ciclistas. Segundo Tatto, as Subprefeituras realizam reuniões com a comunidade para discutir os prós e os contras das vias exclusivas para bicicleta. “As ciclovias são um sucesso e vieram para ficar”, garante.
Longo e antigo percursoAcervo CMSP Não é de hoje que a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) se preocupa com os ciclistas. Em 1951, o vereador Ermano Marchetti apresentou o Projeto de Lei (PL) 511, determinando que a Prefeitura criasse “faixas de segurança reservadas para o tráfego de bicicletas e motocicletas” em diversas vias da cidade, como nas ruas Voluntários da Pátria e Vergueiro, nas avenidas Nove de Julho, Rebouças e Brigadeiro Luís Antônio, na Marginal Tietê e até nas rodovias Anchieta e Anhanguera. A proposta também afirmava que nenhuma via pública de “largura superior à normal” seria aberta sem que fosse reservado um espaço para ciclistas e motociclistas. Por fim, o projeto ainda obrigava a Prefeitura a construir “parkings” (estacionamentos) para motos e bicicletas “localizando-os em centros de concentração de trabalhadores, nas proximidades de seus locais de trabalho”. Antes de pôr a ideia em votação, o presidente da Câmara na época, Cantídio Sampaio, preferiu enviar um ofício à Prefeitura solicitando “informações quanto à conveniência e possibilidade de execução da medida proposta”. Em 1953, o prefeito Jânio Quadros respondeu com um parecer feito pelo engenheiro da Prefeitura Fabio Pereira Bueno, que era contra as ciclovias. Segundo Bueno, as ruas e avenidas citadas no projeto eram “ligações importantes onde é necessário que o tráfego se escoe com a máxima rapidez possível, motivo pelo qual se instituiu a faixa para ônibus e caminhões e se proibiu o tráfego de carroças e bicicletas”. O engenheiro também aconselhou que “aqueles que transitarem de bicicletas deverão procurar ruas secundárias, de menos trânsito, a fim de circularem com segurança, bem como não atrapalharem o tráfego de uma maneira geral”. Baseado no parecer enviado pela Prefeitura, a Comissão de Justiça da CMSP decidiu arquivar o projeto, mas sem “deixar de reconhecer seu mérito”. Os vereadores membros da Comissão sugeriram que a proposta de Marchetti fosse transformada em “indicação para que o Executivo estude as possibilidades do aproveitamento da ideia, principalmente na abertura das novas avenidas e ruas”. |
Saiba mais
Sites
http://www.cetsp.com.br
http://www.ciclocidade.org.br
http://vadebike.org
http://www.euvoudebike.com
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