A força da grana e as coisas belas
Leis aprovadas na CMSP buscam preservar espaços culturais ameaçados pela especulação imobiliária
Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Leonardo Mussi
Os homens chegaram na manhã de 27 de novembro, armados com dez caminhões, quatro viaturas policiais e um papel. Pararam diante da sede da companhia teatral Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, na Pompeia (zona oeste de São Paulo), e mostraram o papel. Era uma ordem de despejo em favor de uma incorporadora, que havia comprado o imóvel para botá-lo abaixo e erguer um condomínio no lugar.
Foi tudo muito rápido. Bastou um dia para as marretas derrubarem as paredes que continham a história do grupo, fundado em 2000, quando criou a linguagem do “teatro hip-hop”, misturando a arte teatral, surgida nos cultos da Grécia antiga ao deus Dionísio, com o ritmo e a poesia criados pelos negros do bairro nova-iorquino do Bronx, nos anos 70. Outros pedaços dessa história, contada em cenários e figurinos, prêmios e grafites, foram colocados em caixas e despachad~os nos caminhões.
Para os homens encarregados da remoção, tudo aquilo era nada. “Isso aqui não é mudança, é um despejo”, foi a resposta mal-humorada que a atriz Roberta Estrela D’Alva ouviu quando pediu a um dos carregadores que tomasse cuidado para não quebrar os cenários. Em meio aos escombros, enquanto a atriz e dramaturga Claudia Schapira via na queda do teatro “a profanação de um templo, como é toda casa de Dionísio”, o dono da empresa encarregada da retirada enxergava ali só mais um trabalho, e dos mais fáceis. “Eu removi 1.500 famílias de Pinheirinho em dois dias. Isso aqui não é nada”, disse o empresário para os atores, orgulhoso do próprio currículo.
É uma cena que pode voltar a se repetir dezenas de vezes. Um levantamento feito em 2014 pela Cooperativa Paulista de Teatro apontou que São Paulo tem 22 teatros de rua que podem ser riscados do mapa, por causa de projetos imobiliários ou de aumentos exagerados nos valores dos aluguéis. Desses, dois já fecharam: o CTI-Ecum, em maio, e o Bartolomeu, em novembro. “Estamos sendo literalmente apagados da história”, afirma Rudifran Pompeu, presidente da Cooperativa. Um problema que não é só dos teatros: um dos últimos cinemas de rua, o Belas Artes, quase foi fechado para dar lugar a uma loja.
Para o DJ e ator Eugênio Lima, um dos despejados do Bartolomeu, essa não é uma briga só dos artistas: a cada teatro de rua fechado, a cidade perde um de seus poucos espaços de convívio. “Estamos vendo a ação do 1% mais rico que transformou a cidade num canteiro de obras e quer pautar todas as formas de convivência”, afirma.
Os vereadores da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) vêm adotando ações e criando ferramentas legais para tentar impedir o fechamento dos espaços de cultura. Antes disso, há 13 anos, a CMSP já estava na origem no processo que levou à proliferação dos teatros de rua.
Marcelo Ximenez/CMSP
“A partir de 2002, com a Lei do Fomento, aprovada na Câmara, houve um incremento na atividade teatral em São Paulo e vários grupos começaram a estabelecer sedes próprias”, conta Dorberto Carvalho, vice-secretário da Cooperativa Paulista de Teatro. A Lei 13.279/2002, que implantou o Pro-grama Municipal de Fomento ao Teatro, surgiu de um projeto do ex-vereador e atual deputado federal Vicente Cândido, a partir das bandeiras levantadas pelo movimento de coletivos teatrais Arte Contra a Barbárie. Há 13 anos, o programa financia a manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral.
Com os recursos do Fomento, as companhias garantiram muito mais do que o pão de cada dia. Mergulharam em investigações sobre o fazer teatral, promoveram oficinas, cursos, shows, debates e encontros com os moradores dos bairros onde haviam erguido seus palcos e alcançaram novos públicos. Como descreve Eugênio Lima, “determinados segmentos da sociedade se juntaram para fazer do teatro sua voz, e o número de grupos aumentou exponencialmente. Na década de 90, todos queriam ter uma banda de rap. Agora, querem ter um grupo de teatro”.
Os novos locais de cultura ajudaram a mudar cenários reais da paisagem urbana, ao atrair pessoas e ocupar espaços esvaziados. Com o tempo, alguns teatros viraram vítimas da própria valorização que ajudaram a provocar.
PALCO QUE TRANSFORMA
“Desculpa, mas na Roosevelt eu não piso.” Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral, criadores da companhia Os Satyros, fundada em 1989, ouviram algumas vezes isso, da boca de jornalistas e críticos teatrais, quando resolveram montar um teatro na Praça Roosevelt, em dezembro de 2000. Embora os Satyros fossem um grupo conhecido, com encenações realizadas desde Londres até Kiev, era dureza convencer as pessoas a ver um espetáculo da companhia numa região decadente do centro de São Paulo, ocupada principalmente por traficantes, skatistas e travestis.
“A gente podia ter escolhido Cerqueira César ou Vila Madalena, mas escolhemos a Roosevelt porque queríamos um espaço mais democrático, que várias pessoas pudessem acessar”, lembra Rodolfo. Os Satyros levaram a praça para o palco, ao convidar gente da cena local para participar das montagens – uma das travestis da região, a cubana Phedra de Cordoba, tornou-se diva da companhia. O palco tam-bém invadiu a praça, por meio de eventos como o festival Satyrianas, realizado a cada primavera.
O trabalho do grupo movimentou a Roosevelt, que também recebeu bares e outros teatros, como o Parlapatões, e logo se transformou num dos endereços mais importantes da cultura e da noite paulistana. “O exemplo da Roosevelt mostra que é muito mais interessante para o Poder Púbico acreditar no potencial urbanístico revolucionário da arte do que investir em projetos megalomaníacos que nem sempre têm o mesmo impacto de um teatro”, afirma Rodolfo.
Prêmios e isenções
Além da Lei do Fomento e do Plano Diretor, a CMSP tem outras leis e projetos de apoio ao teatro paulistano. Uma delas é o Prêmio Zé Renato, implementado pela Lei 15.951/2014, proposta por Floriano Pesaro (PSDB), José Américo (PT), Orlando Silva (PCdoB) e Reis (PT), que premia projetos de produção e apresentação de espetáculos teatrais com valores de até R$ 200 mil.
Já o Projeto de Lei (PL) 888/2013, elaborado por Andrea Matarazzo (PSDB), Pesaro, José Américo, Nabil Bonduki e Ricardo Nunes (PMDB), concede isenção de IPTU para os espaços teatrais. A proposta foi aprovada em primeira votação e segue em tramitação na CMSP.
Com a revitalização, o preço dos aluguéis nas imediações da Roosevelt explodiu, mandando embora os antigos moradores e passando a ameaçar também os grupos de teatro, justamente os responsáveis pela valorização. “Quando chegamos, pagávamos R$ 1,2 mil de aluguel. Hoje, o mesmo espaço cobra R$ 7 mil”, compara Rodolfo. Segundo ele, parte dos novos moradores, que chegou após a revitalização, sonha com uma Roosevelt mais silenciosa, sem bares, festas nem teatros.
“Veio para cá uma classe média que passou a lutar pela higienização da praça. Fazem um movimento forte para tirar os skatistas e proibir eventos ao ar livre”, conta.
Além da Roosevelt, outras regiões do centro foram redescobertas pela população e, assim, caíram nas graças do mercado de imóveis. Se, nos anos 1990, os 38 distritos do centro expandido perderam 11% da população, na década seguinte esses mesmos locais receberam 8,7% mais pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), analisados pelo urbanista Anderson Kazuo Nakano em sua tese de doutorado em demografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Um dos primeiros espaços culturais a sentir o impacto dessa revalorização do centro foi o Cine Belas Artes, fechado em 2011. Mas a reabertura do cinema, no ano passado, graças a um movimento que envolveu diversos setores da cidade, mostrou que é possível resistir.
RIQUEZAS DE UM POVO
Para o teatro-escola Instituto Brincante, instalado desde 1993 em uma antiga fábrica de lustres da Rua Purpurina, na Vila Madalena, a resistência veio na forma de uma campanha com o mote “#ficabrincante”, disparada nas redes sociais por amigos do grupo. Em julho do ano passado, Antônio Nóbrega e Rosane Almeida, o casal de multiartistas que criou o espaço, recebeu uma ordem de despejo informando que tinha um mês para deixar o teatro. A história de sempre: proprietário que vende imóvel para dar lugar a um condomínio.
Graças à campanha, Antônio e Rosane conseguiram adiar a saída para o final de 2015. Depois disso, o Brincante deve se mudar para duas casinhas que o casal possui ao lado do prédio atual, que serão reformadas para virarem um centro cultural. Rosane conta que pensou em largar tudo e se aposentar, mas o #ficabrincante a fez mudar de ideia. “Essa devolutiva que eu tive da sociedade, tão carinhosa, só acordou em mim um desejo de começar outra fase do trabalho”, diz.
A cada vez que um condomínio sepulta um teatro, Rosane acredita que a cidade coloca em risco um dos principais patrimônios do Brasil: a qualidade do seu povo. Esse povo que, sem ganhar dinheiro algum, movido pelo desejo de agradecer pela vida, criou riquezas como frevo, maracatu, bumba-meu-boi, reisados e outras complexidades artísticas que hoje o Brincante ensina e encena. “Se não prestar atenção, a gente vai deixar de ser bem-humorado, criativo, generoso, para ser tão mesquinho, violento e cruel quanto as outras nações”, alerta.
FERRAMENTAS DE PROTEÇÃO
Os teatros também resolveram resistir pressionando o Poder Público. As companhias se uniram num grupo chamado Movimento dos Teatros Independentes de São Paulo (Motin) e, por meio da Cooperativa Paulista de Teatro, com o apoio da Secretaria Municipal da Cultura, conseguiram que os 22 teatros ameaçados fossem registrados no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), em 30 de setembro, como patrimônio imaterial. O registro imaterial, contudo, é apenas um começo, pois não garante, sozinho, a permanência de nenhum grupo – tanto que não conseguiu impedir a demolição, bastante material, do Bartolomeu.
Teatros ameaçados
Brincante, do Instituto Brincante
R. Purpurina, 428 – Vila Madalena
Casa Laboratório para as Artes do Teatro
R. Conselheiro Brotero, 82 – Barra Funda
Casa Livre, da Companhia Livre
R. Pirineus, 107 – Campos Elíseos
Casa Balagan
Al. Olga, 444 – Barra Funda
Casarão da Escola Paulista de Restauro
(antigo Espaço do Grupo Redimunho de Investigação Teatral)
R. Álvaro de Carvalho, 75 – Anhangabaú
Café Concerto Uranus
R. Dr. Carvalho de Mendonça, 40 – Santa Cecília
Companhia da Revista
Al. Nothmann, 1.135 – Campos Elíseos
Club Noir
R. Augusta, 331 – Consolação
Espaço Maquinaria, Grupo de Teatro de Narradores
R. 13 de Maio, 240 – Bela Vista
Espaço Os Fofos Encenam
R. Adoniran Barbosa, 151 – Bela Vista
Espaço da Companhia do Feijão
R. Teodoro Baima, 68 – República
Espaço dos Satyros
Pça. Franklin Roosevelt, 214 – Consolação
Galpão do Folias, do Grupo Folias D’arte
R. Ana Cintra, 213 – Santa Cecília
Grupo de Teatro da VertigemR. 13 de Maio, 240 – Bela Vista
Núcleo Bartolomeu de Depoimentos – FECHADO
Sede Luz do Faroeste, do Pessoal do Faroeste
R. do Triunfo, 301 – Santa Efigênia
Teatro Commune
R. da Consolação, 1.218 – Consolação
Teatro Studio Heleny Guariba, do Núcleo do 184
Pça. Franklin Roosevelt, 184 – Consolação
Teatro Coletivo CIT-Ecum – FECHADO
Teatro do Incêndio, da Companhia do Incêndio
R. da Consolação, 1.219 – Consolação
Teat(r)o Oficina
R. Jaceguai, 520 – Bixiga
Teatro do Ator
Pça. Franklin Roosevelt, 172 – República
Fonte: Cooperativa Paulista de Teatro
Os artistas também participaram das discussões para a elaboração do Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado em junho pelos vereadores. “O Plano Diretor busca uma cidade aberta, solidária, em que sua gente não fique segregada nos espaços privados. Essa é uma visão que dialoga com a cultura”, explica o vereador licenciado Nabil Bonduki (PT), relator do PDE e atual secretário municipal de Cultura. Para garantir espaço às manifestações culturais, a lei limita os poderes do mercado. “Uma cidade não é só o negócio imobiliário. Também tem uma dimensão social, cultural e ambiental”, afirma o secretário.
A principal ferramenta do PDE para preservar espaços culturais ameaçados pela expansão imobil ária foi a criação da Zona Especial de Preservação Cultural – Área de Preservação Cultural (Zepec-APC), com objetivo de preservar “imóveis de produção e fruição cultural”. Além de serem beneficiados com incentivos fiscais e isenção de taxas municipais, as propriedades que o Município enquadrar como Zepecs-APC não podem ser demolidas sem a autorização do órgão competente. A ferramenta ainda não salvou nenhum espaço cultural porque aguarda regulamentação da Prefeitura.
VEM PRA RUA
Outra novidade trazida pelo Plano Diretor são os Polos de Economia Criativa (PEC) e os Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem (TICP), que delimitam áreas em que o Poder Público deve estimular atividades culturais. O texto do PDE cria um corredor cultural no cntro de São Paulo, ao estabelecer o PEC Sé-República e o TICP Paulista/Luz.
“Temos a perspectiva de passar a ter um complexo cultural de enorme importância, integrado pelas ciclovias, que vai desde o Theatro Municipal até o Parque do Tietê”, afirma Alfredo Manevy, secretário-adjunto de Cultura. Dentro desse corredor cultural, farão parte, entre outros equipamentos, os cinemas de rua que a Prefeitura espera trazer de volta, como fez com o Belas Artes. O primeiro deve ser o Art Palácio, na Avenida São João.
Para Manevy, os investimentos virão a calhar para muitos paulistanos que se cansaram de viver entre as paredes de condomínios e shoppings e começaram a redescobrir os espaços públicos, algo que pode ser percebido no interesse pelas ciclovias, nas festas ao ar livre, nas passeatas e no renascimento do carnaval de rua. “São Paulo está indo para a rua, e essa é uma tendência irreversível”, afirma. Quando o mercado imobiliário descobrir isso, Manevy espera que, em vez de demolir teatros, eles passem a investir em locais públicos de cultura.
Um pouco disso já acontece hoje em dia, graças ao trabalho do promotor de Justiça Maurício Ribeiro Lopes, um apaixonado pelas artes do palco. “Fui promotor de júri porque foi a oportunidade que tive de chegar mais perto do que eu fazia quando estudei teatro, na juventude”, conta. Conversando com as incorporadoras, ele conseguiu que aceitassem apoiar oito dos 22 teatros ameaçados: Commune, Companhia da Revista, Companhia Livre, Os Fofos Encenam, Heleny Guariba, Satyros e Sede Luz do Faroeste.
“Procurei essas empresas usando o conceito de responsabilidade cultural, que adaptei da ideia de responsabilidade social. Parte dos recursos auferidos com a atividade imobiliária precisa ser revertida para espaços culturais que não conseguem fazer frente à valorização dos imóveis”, explica Lopes. Neste ano, ele pretende buscar também o apoio de outros setores. Tudo para que a força da grana, além de destruir, também possa erguer coisas belas.
CPI ajudou a salvar cinemaO Cine Belas Artes fechou as portas em março de 2011, após 68 anos de história, porque seu proprietário queria retomar o imóvel para abrir uma loja. O fechamento de um dos cinemas mais tradicionais da cidade motivou a criação de um movimento de resistência que incluiu passeatas, protestos, bicicletadas, abaixo-assinados com 16 mil assinaturas e um pedido de tombamento do imóvel no Conpresp, inicialmente arquivado. |
Entrevista: José Celso Martinez Corrêa, criador do OficinaO conflito entre arte e mercado imobiliário, no meio do qual estão 22 teatros de rua de São Paulo, é velho conhecido de José Celso Martinez Corrêa, presidente da Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona e um dos principais nomes do teatro brasileiro. Em 1982, o Oficina começou a travar uma luta contra o Grupo Silvio Santos pelo terreno no entorno do teatro, na Rua Jaceguai, no bairro do Bixiga, onde a companhia tem sua sede desde 1958. Enquanto o grupo empresarial planeja usar o terreno para construir torres residenciais de alto padrão, Zé Celso luta para implantar lá o último projeto da arquiteta Lina Bo Bardi, criadora do prédio do Museu de Arte de São Paulo (Masp), que prevê transformar o entorno num misto de teatro e praça. Com a participação da Prefeitura e do governo federal, as negociações agora se aproximam de uma solução: o Grupo Silvio Santos abriria mão do terreno no Bixiga em troca de uma área na Anhanguera, pertencente à União. Para ir tão longe nessa briga de Davi contra Golias, Zé Celso não jogou sozinho: fez da disputa do Oficina a luta de outros moradores do bairro por mais cultura, natureza e lazer. Há muito tempo o Oficina enfrenta o mercado imobiliário e hoje mais de 20 teatros estão na briga. Como a cidade chegou a essa situação? Zé Celso: Há uma aceleração imensa na especulação imobiliária, que talvez seja a mais destruidora dessa cidade. Nós do Oficina estamos nessa batalha há 34 anos. Conseguimos ocupar o terreno, inclusive por uma proposta do Sílvio Santos, depois que o teatro foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2010. Esse espaço, durante muito tempo, foi um beco sem saída. O que vai acontecer agora depende muito da discussão do Plano Diretor sobre essa região. Como você vê a proposta do Plano Diretor que transforma a região num corredor cultural? Eu vejo como algo maravilhoso. A gente faz parte. As duas arquitetas que trabalham conosco construíram um projeto maravilhoso, junto com arquitetos belgas e de vários lugares da América Latina. O Bixiga é destinado a ser um coração cultural da cidade. Se for revitalizado, pode virar o que é a Lapa no Rio, que é um lugar de mistura total, onde de sexta-feira você acha que está na África, todos os negros se reúnem e é maravilhoso. Como é a proposta que integra o Oficina ao corredor cultural? É um projeto que transcendeu o Teatro Oficina e se abriu para a cidade toda. O Silvio Santos deixou um pomar que dá frutas e flores, dá tomate, dá rosa, é incrível. A ideia é prolongar isso em todo o corredor cultural, inclusive modificando o calçamento do Bixiga e ocupando embaixo do Minhocão. Mas não queremos atulhar o lugar. O vazio é extremamente importante. A respiração é mais importante do que tudo. Essa cidade não respira. As pessoas que moram em São Paulo têm um tipo de vida muito subdesenvolvido. Estive em Buenos Aires e fiquei besta. Lá tem calçadas largas, ruas arborizadas, os prédios não são colados. Projeto reconecta o BixigaNo final dos 60, a construção da Ligação Leste-Oeste rasgou o Bixiga ao meio, expulsando moradores e deixando uma série de vazios urbanos nas imediações do viaduto. O projeto do Oficina para o bairro pretende curar a ferida aberta pela obra, por meio de um corredor cultural, integrado ao TICP Paulista/Luz (previsto no PDE), para reconectar o Bixiga. O projeto foi desenvolvido durante a 10ª Bienal de Arquitetura, em 2013, pelas arquitetas Marília Gallmeister e Carila Matzenbacher, com a participação de urbanistas da Universidade KU Leuven (Bélgica), de outros arquitetos e de moradores do bairro. Para Marília, faz todo sentido usar a cultura para consertar fraturas da cidade. “A arte é infraestrutura da vida e precisa ser recolocada como eixo de onde tudo se desdobra.” A arquitetura brasileira tinha uma tradição maravilhosa, mas deixou de lado para fazer essas caixas de morar, apartamentos que são gavetas, onde mal cabe uma pessoa. A (Avenida) Berrini é um horror, um monte de caixotes. É a falta de cultura que determina isso. Qual a consequência dessa falta de cultura? A cultura é importantíssima. Corresponde a você cuidar da sua vida, do seu corpo, da sua saúde, da sua imaginação, da sua inteligência, do seu espírito crítico, do seu sonho. Isso tudo eliminado dá nessa porcaria que está aí. No Brasil, a cultura é a coisa mais desvalorizada que existe, e isso representa um perigo enorme. Sem ela, ninguém toca nos tabus, como o dos gays e o do aborto, ou o tabu da descriminalização das drogas, que esvaziaria as cadeias. Por que é importante para a cidade preservar esses teatros que estão ameaçados? Por coincidência, esses teatros todos trabalham com a cidade. Os Satyros, por exemplo, levantaram a Praça Roosevelt. Outras companhias, como a São Jorge, também trabalham com o bairro onde estão. É uma característica dessa geração. São os grupos que realmente pesquisam teatro, que continuam com essa arte. Teatro de shopping é uma porcaria. Você está numa gaveta e o espetáculo é o shopping, não o teatro. Eu não me sinto bem de ver uma peça num lugar assim, porque desde 1967 o teatro se abriu para a natureza. No Oficina você abre o teto e se relaciona com o céu, ou então olha o janelão que a Lina fez e se comunica com a cidade, com o universo. |
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