O preço da industrialização
São Paulo tem 2,7 mil áreas contaminadas e Câmara busca soluções
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Em uma das muitas contradições existentes na cidade de São Paulo, o Campus Leste da Universidade de São Paulo (USP Leste), onde ocorrem aulas de gestão ambiental, ficou interditado durante sete meses por ter sido construído em um terreno contaminado por gás metano, que pode provocar explosões. Além disso, há quatro anos foi despejada no local grande quantidade de terra suspeita de estar contaminada. Os cerca de 4 mil alunos da USP Leste tiveram de ser deslocados para outros lugares para poderem assistir às aulas.
Após procedimentos para diminuir o risco, como a instalação de drenos para que o gás metano seja liberado do subsolo, colocação de tapumes de alumínio e plantação de um gramado, os alunos e professores voltaram para o campus da USP Leste. Mas ainda persiste a sensação de insegurança. “Parece que a USP não se preocupa com minha saúde, porque o isolamento desses contaminantes, do jeito que está, é muito preocupante”, afirmou a professora Adriana Tufaile, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) para investigar áreas contaminadas na cidade.
Gabinete do vereador Aurélio Nomura
A interdição da USP Leste é só mais um exemplo dos muitos casos de contaminação na capital paulista. Segundo a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), há aproximadamente 2,7 mil áreas nessas condições no Município, em diferentes níveis. Segundo consta no site da companhia, “a origem das áreas contaminadas está relacionada ao desconhecimento, no passado, de procedimentos seguros para o manejo de substâncias perigosas, ao desrespeito a esses procedimentos e à ocorrência de acidentes ou vazamentos dos processos produtivos, de transporte ou de armazenamento de matérias-primas e produtos”.
“A cidade está pagando o preço por ter se industrializado”, afirma o advogado especialista em direito ambiental Antonio Fernando Pinheiro Pedro. “Durante grande parte do século passado, as indústrias eram as responsáveis por cuidar de seus dejetos, o que faziam enterrando em seus terrenos”, completa. Pinheiro Pedro explica que, com o crescimento de São Paulo e o atual processo de desindustrialização, muitas áreas de antigas indústrias vêm sendo usadas para construir condomínios residenciais, escritórios ou espaços públicos. “Estão sendo descobertas novas áreas contaminadas”, revela o advogado. Segundo ele, a situação é muito grave, porque não há controle sobre a contaminação do solo paulistano.
Mistérios
Diante da complexidade do tema, a Câmara Municipal criou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Áreas Contaminadas, para apurar denúncias sobre contaminação. Durante um ano, o grupo, formado pelos vereadores Calvo (PMDB) – presidente, Vavá (PT) – vice-presidente, Aurélio Nomura (PSDB) – relator, José Police Neto (PSD) e Toninho Paiva (PR), ouviu autoridades ambientais, empresários e paulistanos que moram ou trabalham nas áreas afetadas.
O principal alvo de análise da CPI foram os problemas enfrentados na Escola de Artes e Ciências Humanas (Each) da USP Leste. O professor Marcelo Arno Nerling explicou aos vereadores da Comissão que a situação ambiental do campus deve-se ao fato de sua construção ter sido feita em cima de um aterro às margens do Rio Tietê, em 2005. A área possui muito material orgânico e recebeu, em 2011, mais de 100 mil m³ de terra de origem desconhecida. “A USP Leste virou um lixão, literalmente”, definiu Nerling.
Mozart Gomes/CMSP
O reitor da USP, Marco Antônio Zago, declarou à CPI que “a Reitoria não tem provas concretas de que há contaminação extensiva” que exija a remoção da terra. Entretanto, “se as orientações técnicas – sejam da Cetesb, sejam de empresas de prestação de serviços ambientais legalmente autorizadas – indicarem que é a solução necessária, nós a faremos”, informou ele. O reitor justificou que a terra misteriosa foi depositada sem o seu conhecimento, por ordem do então diretor da Each, José Jorge Boueri Filho, e que só ele tem condições de informar a origem. Boueri Filho responde a processo administrativo disciplinar da USP e é investigado pelo Ministério Público Estadual. O ex-diretor foi intimado pela CPI a prestar depoimento, mas não compareceu.
Saúde em perigo
Outro caso analisado pela CPI das Áreas Contaminadas foi o da Estação de Transbordo de Resíduos Domiciliares Ponte Pequena, no bairro Bom Retiro, zona central da capital paulista. O local foi utilizado como incinerador entre 1959 e 1997. Desde 1974, funciona como estação de transbordo, um ponto de destinação intermediário de resíduos coletados. Nessas estações, o lixo é descarregado dos caminhões compactadores e, depois, colocado em uma carreta que leva até o aterro sanitário, seu destino final. As estações foram criadas em função da longa distância entre as áreas de coleta e os aterros.
Em 2006, moradores, estudantes e trabalhadores das imediações da Estação Ponte Pequena formalizaram uma queixa, à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, sobre o cheiro forte, a presença de insetos e ratos e o trânsito de caminhões, segundo o relatório final da CPI das Áreas Contaminadas. Na ocasião, também relataram casos de pessoas com ânsia de vômito, dor de cabeça e mal-estar generalizado.
Desde então, a Logística Ambiental S.A. (Loga), responsável pela Estação Ponte Pequena, tem feito obras de modernização para que as atividades de transbordo fiquem mais limpas e ordenadas. Em novembro de 2014, o então presidente da empresa, Anrafel Vargas, garantiu aos membros da CPI que os cuidados com a saúde dos moradores da região é uma preocupação constante. Entretanto, o local continua na lista de áreas contaminadas, elaborada pela Cetesb. O gerente do Departamento de Áreas Contaminadas da companhia, Elton Gloende, declarou que ainda é cedo para afirmar que não há mais riscos à saúde da população, pois é necessário realizar mais análises.
Preocupada com esse tipo de questão, a Câmara Municipal analisa o projeto de lei (PL) 737/2009. Se aprovado, a Prefeitura ficará obrigada a elaborar e publicar, anualmente, um levantamento com as condições de saúde das pessoas que moram no entorno de aterros sanitários ativos e inativos, estações de transbordo e lixões do Município. A proposta foi apresentada pelo vereador Paulo Frange (PTB), com a justificativa de que os residentes nessas áreas sofrem “sistemática e indefinidamente o dano ambiental dessa atividade poluidora”.
Marcelo Ximenez/CMSP
Protesto
O debate sobre a Estação de Transbordo Ponte Pequena ganha mais importância porque a empresa Loga tem planos de construir a Estação Anhanguera, na Vila Jaguara, zona noroeste, em um terreno onde já funcionou uma indústria. Essa unidade está prevista no Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado no ano passado.
O presidente da Agência Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), Silvano Silvério, em depoimento à CPI das Áreas Contaminadas, defendeu a necessidade de uma nova estação, alegando que 98% dos resíduos da cidade vão para aterros sanitários, e as estações de transbordo facilitam a transferência desse material. Os moradores da região estão contra, devido aos efeitos colaterais, como barulho, mau cheiro, baratas e ratos, tráfego de caminhões de lixo e desvalorização de imóveis. “Esse projeto vai na contramão da história”, reclama o músico Osmar de Lima Sabiá. “Temos de aumentar a reciclagem de lixo, e não a produção.”
Sabiá acredita que uma área tranquila como a Vila Jaguara, com muitas casas e ruas estreitas, não aguente o tráfego previsto, de cerca de 300 viagens de caminhões de lixo por dia. Ele e outros moradores já organizaram uma passeata contra a instalação.
O trabalho dos vereadores da CPI também analisou a situação do Jardim Keralux, bairro vizinho à USP Leste, e da Bann Química, no bairro Ermelino Matarazzo (na zona leste), que já haviam sido investigados pela CPI dos Danos Ambientais realizada em 2009. As investigações mostraram que há lentidão na solução dos problemas. O presidente da Bann Química, Dwight Kaven Bann, admite que o processo de remediação é “lento, demorado”.
Gabinete do vereador Calvo
Lupa
O relatório final da CPI das Áreas Contaminadas conclui que existe “morosidade nos processos de reabilitação do solo de áreas contaminadas e o descaso com a saúde ambiental da cidade”. O texto foi encaminhado para órgãos como Ministério Público Estadual e Cetesb, para que tomem as providências necessárias.
O relator da Comissão, Aurélio Nomura, admitiu à Apartes que “as autoridades federais, estaduais e municipais não levam a sério a problemática” das áreas contaminadas. Segundo ele, “a legislação atual é muito permissiva”, por deixar que as empresas protelem a descontaminação. “Não há marcos regulatórios para os responsáveis quando o assunto é prazo”, lamenta.
Nomura apresentou o PL 76/2013, já aprovado em primeira votação, a fim de estabelecer o prazo de 18 meses, prorrogáveis por igual período, para que o proprietário do imóvel realize a descontaminação do terreno. O vereador acredita que a CPI das Áreas Contaminadas pôs uma lupa nos problemas ambientais, ressaltando seus riscos, e chamou a atenção da sociedade para buscar uma solução.
O presidente da Comissão, Rubens Calvo, afirma que a CPI serviu para alertar a população sobre a necessidade de haver uma avaliação do solo antes de se fazer qualquer uso do terreno. Ele disse que vai apresentar um projeto criando o Estatuto das Áreas Contaminadas, para que seja possível determinar com mais precisão qual parte do terreno está contaminada e qual pode ser utilizada.
Enquanto essas propostas não se tornam leis, o especialista em direito ambiental Antonio Pinheiro Pedro aconselha que o cidadão, antes de comprar um imóvel, consulte o site da Cetesb para saber se a área está contaminada. Contudo, ressalta que, até 10 anos após a contaminação ter sido descoberta, o novo proprietário ainda tem direito à indenização paga pelo antigo proprietário.
Saiba mais
Site
Cetesb. www.cetesb.sp.gov.br
Documento
Relatório da CPI das Áreas Contaminadas.
http://www.saopaulo.sp.leg.br/atividade-legislativa/cpis/comissoes-encerradas
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