Nº17 – Educação

O primeiro plano

Aprovada na CMSP, lei traça planejamento inédito para o sistema educacional nos próximos dez anos

Fausto Salvadori | fausto@saopaulo.sp.leg.br

Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Foi um processo de mais de duas décadas para a cidade de São Paulo conquistar o seu Plano Municipal de Educação (PME), o que, finalmente, ocorreu em 17 de setembro, quando o prefeito Fernando Haddad (PT) sancionou a Lei 16.271/2015, aprovada na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP). Com isso, o Município tem agora seu primeiro plano educacional de longo prazo.

Que a aprovação do PME é um avanço, todos os envolvidos no processo concordam. A divergência é quanto ao tamanho desse passo à frente. Para uns, é um “avanço importante”. Para outros, “uma montanha que pariu um rato”.

O PME estabelece 13 metas e 14 diretrizes válidas até 2025, que devem ser seguidas por todas as administrações durante esse período, independente de quem esteja no poder. “O Plano Municipal de Educação representa uma política de Estado e não de governo”, explica Edinei Arakaki Guskuma, consultor técnico legislativo em Administração da CMSP que participou da elaboração da proposta.

UM POUCO DE HISTÓRIA

A criação do PME paulistano havia sido prevista em várias normas, começando pela Lei Orgânica do Município, de 1990. Nove anos depois, a Comissão de Educação, Cultura e Esportes da CMSP apresentou o Projeto de Lei (PL) 180/1999, que criava o PME, mas não foi aprovado.

META - PME propõe atender 75% das crianças de até 3 anos e 11 meses. Foto: Heloisa Ballarini/Prefeitura de São Paulo
META – PME propõe atender 75% das crianças de até 3 anos e 11 meses.
Foto: Heloisa Ballarini/Prefeitura de São Paulo

 

Enquanto isso, em Brasília, a Presidência da República sancionou em 2001 o primeiro Plano Nacional da Educação (PNE), que obrigava Estados e Municípios a também criarem os seus planos. A obrigatoriedade foi reforçada pela segunda versão do Plano Nacional, sancionada em 2014. A novidade, dessa vez, foi que o novo PNE estabeleceu um prazo, de um ano, para a criação dos Planos de Educação municipais e estaduais.

O primeiro passo para a criação do atual Plano paulistano foi dado em 2008, com a criação de uma comissão organizadora convocada pela Secretaria Municipal de Educação, com representantes do governo, sindicatos, estudantes, instituições de pesquisa e da sociedade civil. Durante dois anos, as discussões em torno do PME mobilizaram mais de 2 mil atividades, que culminaram na Conferência Municipal de Educação, em 2010, com a participação de 22.247 pessoas. Finalmente, em 2012, o prefeito Gilberto Kassab enviou à Câmara Municipal o Projeto de Lei 415/2012, com a proposta do Executivo para a criação do PME. O PL passou três anos sendo debatido na Câmara.

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Na avaliação do vereador Toninho Vespoli (PSOL), relator do PL na Comissão de Educação, Cultural e Esportes da CMSP, a proposta do Executivo incorporava pouco do conteúdo que havia sido discutido antes com a população. “O projeto não dialogava nada com as orientações da sociedade civil que saíram da Conferência Municipal de 2010, que foi um processo muito rico”, afirma. A Comissão de Educação da Câmara decidiu, então, criar um grupo de trabalho com os antigos coordenadores dos debates da Conferência. O objetivo era “resgatar e atualizar” as propostas originais.

Depois disso, o PL também passou pela Comissão de Finanças e Orçamento e pelo Plenário do Legislativo municipal, onde recebeu novas mudanças. A mais ruidosa foi a retirada das menções à palavra “gênero”, atendendo ao pedido de entidades religiosas conservadoras. O projeto foi aprovado pela Câmara em 25 de agosto e sancionado pelo prefeito no mês seguinte.

AVANÇOS E CRÍTICAS

“O texto final do PME trouxe vários avanços importantes”, comemora o vereador Paulo Fiorilo (PT), um dos relatores do projeto na Comissão de Finanças. O principal avanço, segundo ele, é o aumento do investimento público em educação. A Meta 1 do Plano fala em passar para 33% a receita resultante de impostos a ser investida em educação – a porcentagem atual, prevista na Lei Orgânica, é de 31%. “Na peça orçamentária enviada pelo prefeito para o próximo ano já constam os 33%”, afirma Fiorilo.

POSITIVO - Paulo Fiorilo diz que Plano trouxe avanços importantes. Foto: Gute Garbelotto /CMSP
POSITIVO – Paulo Fiorilo diz que Plano trouxe avanços importantes.
Foto: Gute Garbelotto /CMSP

O presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo, Cláudio Fonseca, que era vereador pelo PPS no período de votação do PME, não vê tanto motivo para comemoração, já que somente 25% dos investimentos permanecem obrigatoriamente destinados a despesas em “manutenção e desenvolvimento para o ensino”. O restante vai para a “educação inclusiva”. Ele afirma que “o governo faz muito barulho dizendo que aumentou os gastos com educação, induzindo as pessoas a uma leitura errada”.

Explicando. As despesas em “manutenção e desenvolvimento do ensino”, previstas na Lei de Diretrizes e Bases de Educação, são claramente gastos em educação, que incluem, por exemplo, os salários dos professores e a compra de materiais didáticos. Já o carimbo de “educação inclusiva” possibilita aos governos incluir despesas que, na visão de Fonseca e de outros profissionais e especialistas do setor, não são propriamente em educação, por exemplo, investimentos em telecentros e em programas de assistência social, como o Programa Leve Leite.

“O que o governo fez foi ampliar sua prerrogativa de se apropriar de 8% de recursos carimbados, como se fossem de educação, para várias políticas sociais e compensatórias”, afirma Fonseca. Para o sindicalista, o PME sancionado é bem menos do que poderia ter sido: “Depois de tantos debates, eu digo que lamentavelmente a montanha pariu um rato”.

Outro ponto controverso do PME é a importância dada à rede indireta e conveniada de creches, geridas por entidades privadas com verba municipal, no lugar da rede direta, totalmente gerida pela Prefeitura.
“A gente manteve a discussão sobre a importância da rede indireta, porque hoje ela é responsável por uma parcela considerável de crianças”, afirma Paulo Fiorilo. “Hoje é quase impossível, numa cidade como São Paulo, ter uma rede inteiramente direta, em função da demanda, da falta de terrenos e da urgência de conseguir vagas”, diz o vereador.

ESPAÇO - Um dos objetivos é ter salas de aula com menos alunos. César Ogata/Prefeitura de São Paulo
ESPAÇO – Um dos objetivos é ter salas de aula com menos alunos.
Foto: César Ogata/Prefeitura de São Paulo

 

Para Toninho Vespoli, o PME errou ao não apontar uma ampliação da rede direta de creches, como havia sido recomendado na Conferência Municipal da Educação de 2010. Ele afirma que as creches geridas por entidades privadas respondem hoje por cerca de 75% das vagas oferecidas na cidade de São Paulo, e que seria papel do Plano buscar, em dez anos, chegar pelo menos a um número igual de vagas nas redes direta e indireta.

Segundo o parlamentar, a importância assumida pelas creches conveniadas e indiretas equivale a uma “privatização do ensino”. “O Estado perde o poder de conduzir a política pública, que passa a ser determinada pelas empresas conveniadas da Prefeitura”, avalia. Após a aprovação do PME, Vespoli apresentou quatro projetos de lei (516, 517, 518 e 519) que preveem alterações em trechos do Plano, entre elas o combate às violências de gênero e a ampliação da rede direta.

“Na discussão do Plano, algumas pessoas queriam eliminar as creches conveniadas e indiretas, mas no final prevaleceu a percepção de que, sem elas, a educação infantil em São Paulo não sobrevive”, comemora a educadora Rosa Maria Marinho Acerba, do Fórum de Educação Infantil da Cidade de São Paulo, entidade que representa as creches geridas por particulares. Ela diz que as críticas feitas a esse modelo de gestão partem de sindicalistas com “interesses corporativistas” ou de pessoas que continuam presas a uma visão superada. “Acham que nossas creches ainda são um depósito de crianças, só para comer e dormir, mas faz mais de 20 anos que as indiretas e conveniadas privilegiam o projeto pedagógico e passam por fiscalizações tão rigorosas quanto as das diretas”, explica. Em sua avaliação, o resultado final da discussão sobre o PME foi “muito bom”.

CRÍTICA - Toninho Vespoli acusa PME de “privatizar o ensino”. Foto: Mozart Gomes/CMSP
CRÍTICA – Toninho Vespoli acusa PME de “privatizar o ensino”.
Foto: Mozart Gomes/CMSP

Já Ananda Grinkraut, assessora de diversidade, raça e participação da ONG Ação Educativa, uma das participantes dos debates sobre o PME na Câmara, afirma que as discussões com a sociedade civil mostraram que havia “uma demanda da sociedade” para que o PME “apontasse no sentido de congelar as matrículas nas creches conveniadas e retomasse as das diretas”. Ela concorda que é necessário reconhecer o papel das creches operadas por particulares, mas sem dar a estas mais importância do que à rede direta. “A prioridade hoje vai para o atendimento indireto. Só tem crescimento de vagas nas conveniadas”, critica.

Ananda diz que o PME incorporou apenas em parte as questões debatidas e acumuladas com a participação popular, deixando de fora temas como a ampliação do financiamento via manutenção e desenvolvimento do ensino, a ampliação da rede direta e o combate à discriminação de gênero nas escolas. Ela lembra que “algumas questões importantes não foram aprovadas, de tal forma que o Plano não alcançou a potência que poderia ter para possibilitar a superação das grandes desigualdades na cidade de São Paulo”.

Agora é hora, diz Ananda, de ficar de olho no futuro. A cada quatro anos, a Secretaria Municipal de Educação tem a obrigação de publicar estudos para medir a evolução no cumprimento das metas estabelecidas pelo PME. O acompanhamento, contudo, não pode ficar restrito a esses balanços: “Vamos precisar de um monitoramento contínuo, do governo e da sociedade civil, para saber como o PME está sendo aplicado”.

Saiba mais

Revista
Apartes edição 16 – Questão de gênero, questão de gente.
http://goo.gl/3u6FBC.

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