A voz da cidade
Nas audiências públicas do Plano Diretor, um retrato das várias caras de São Paulo
Fausto Salvadori Filho | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Duas São Paulo bem diferentes deram as caras nas principais audiências públicas convocadas para debater o novo Plano Diretor Estratégico (PDE), que vai definir os rumos do planejamento urbano para a cidade nos próximos dez anos.
Em 23 de novembro, o Centro Educacional Unificado (CEU) Vila Rubi foi ocupado por mais de mil pessoas, a maioria militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Gritos, palmas, tambores e discursos exaltados de quem busca um lugar para morar deram o tom da audiência da Macrorregião Sul. Uma semana depois, a audiência pública da Macrorregião Centro-Oeste atraiu um público mais velho e silencioso, preocupado com áreas verdes, especulação imobiliária e equipamentos de saúde.
De outubro a dezembro, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) realizou 45 audiências para ouvir o que a população tem a dizer a respeito da proposta de Plano Diretor enviado pela Prefeitura, por meio do Projeto de Lei (PL) 688/2013. Com base nessas sugestões, os vereadores devem apresentar, no início de 2014, um substitutivo para o projeto.
Das 45 audiências, quatro foram voltadas a debater os problemas das quatro Macrorregiões do município: Leste, Sul, Centro-Oeste e Norte. Além dessas, a Casa organiza uma audiência para cada Subprefeitura
(31, no total) e algumas temáticas, sobre assuntos como mobilidade, moradia e meio ambiente, entre outros.
Moradia antes de tudo
No dia 23, uma multidão de vermelho, com mais de mil militantes do MTST, tomou o auditório aos gritos de “Criar, criar, poder popular” e “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”.
Na fala inicial, os vereadores e o representante da Prefeitura ressaltaram que os grandes problemas da Macroárea Sul são a moradia e a questão ambiental, já que muitos habitantes vivem de forma irregular em áreas de mananciais. Quando o microfone foi aberto, contudo, a maioria dos cidadãos apontou problemas como a falta de moradia e pediu a implantação de novas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis).
“Tem que preservar mananciais, mas também o direito dos cidadãos à moradia”, disse Natália Rocha, do MTST. “Moro há 26 anos num loteamento irregular, na Ilha do Bororé, e a única luz que tenho ali é clandestina.” Valmir de Sena, presidente da Associação dos Sem Casa da Zona Sul (Ascaz), lembrou como a pressão dos movimentos populares levou o poder público a ampliar as fronteiras da legalidade. “Quando chegamos aqui, em 1987, era proibido entrar água, luz, asfalto. O Hospital Grajaú e o CEU em que estamos agora não poderiam ter sido construídos se a lei não fosse mudada.” Entre uma fala e outra, o público soltava seus refrões, acompanhados pelo som dos tambores.
O presidente da Câmara, vereador José Américo (PT), destacou que a capacidade de mobilização de setores da sociedade, como os sem-teto, pode influenciar no conteúdo do Plano Diretor. “Quem decide a cidade são as pessoas que se mobilizam. Isso dá muita força para as reivindicações. Dessa vez não é só o Secovi [Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo] que está mobilizado”, afirmou. “As propostas de alteração de Zeis que vocês trouxeram são pertinentes. Estamos estudando e vamos tratar com muito carinho porque precisamos ampliar o espaço de moradia em São Paulo”, disse.
“Muro de Berlim”
Ninguém levou tambores e poucos mencionaram a questão da moradia na audiência da Macrorregião Centro-Oeste, realizada no dia 30, no Sesc Pinheiros. Como aquela é a área que concentra os maiores índices de emprego do Município, as preocupações ali envolvem mais áreas verdes e o receio da especulação imobiliária, além do desejo de mais hospitais e melhores condições de transporte.
A questão ambiental foi uma das prioridades. O representante da Secretaria de Planejamento, Fernando Bruno, recebeu críticas ao mostrar um slide com a previsão das áreas verdes a serem implantadas na macrorregião durante os próximos três anos. “É muito pouco! Quase nada”, gritaram da plateia. “Concordo que não seja muito, mas acho que não é pouco para três anos, considerando custos de desapropriação, projeto, implantação”, respondeu Bruno.
Uma das principais propostas do projeto de Plano Diretor enviado pela Prefeitura, a de permitir o adensamento em torno dos corredores de transporte público, também foi criticada. Lucila Lacreta, do Defenda São Paulo, movimento que discute as questões sobre a cidade, disse que a proposta vai gerar um padrão de ocupação semelhante à da Avenida Paulista, com um “Muro de Berlim” de prédios altos se espalhando por áreas de várzeas e por trechos da Serra da Cantareira. “Não estamos prevendo as mudanças climáticas que isso pode causar numa cidade que já é uma ilha de calor”, afirmou.
Em resposta aos questionamentos, o relator do projeto do Plano Diretor Estratégico, vereador Nabil Bonduki (PT), disse que o adensamento em torno dos corredores de transporte foi pensado para “absorver as necessidades futuras da cidade, porque ela não pode mais crescer horizontalmente”.
SAIBA MAIS
Sites
Plano Diretor.
http://planodiretor.camara.sp.gov.br.