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Voz negra e pioneira nas tribunas

Theodosina Ribeiro foi a primeira afrodescendente eleita para a Câmara Municipal e para a Assembleia paulista
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Fausto Salvadori | fausto@saopaulo.sp.leg.br
Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br

Com um nome raro, Theodosina Rosário Ribeiro nasceu em 1930, quando as mulheres ainda não tinham nem o direito a voto. Em quase 90 anos de vida, ela superou desafios e foi eleita a primeira vereadora negra da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP). Como consequência de seus esforços em educação e na política, ela também foi professora, diretora de escola, advogada e deputada estadual. Sempre lutou por mais liberdades para as mulheres e todas as pessoas negras.

Sua paixão pela política teve uma forte influência do pai, o capitão da Força Pública (atual Polícia Militar) José Ignácio do Rosário, que era admirador do presidente Getúlio Vargas e do ex-governador de São Paulo Ademar de Barros.

Seu nome também é influência do pai. “Era pra eu me chamar Teodora, mas papai achou muito pesado para uma criança e escolheu este”, contou numa entrevista à Revista do Parlamento Paulistano em 2012.

EDUCAÇÃO POLÍTICA

EDUCAÇÃO POLÍTICA

Filha do capitão Rosário e da dona de casa Rosa, Theodosina nasceu em Barretos, interior de São Paulo, onde passou parte da infância. Depois morou em Araraquara e Pirassununga, até se estabelecer na capital. A jovem estudou Letras em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Formada, começou a trabalhar como professora na capital paulista.

Prestou um concurso e se tornou diretora de escola, considerado por ela um cargo político. “As diretoras fazem muita política, no bom sentido da palavra”, recordava-se com orgulho. “Na minha época, elas lutavam muito para que o professorado tivesse melhores condições de trabalho”. Aliás, a ex-parlamentar defendia que seus colegas professores seguissem a carreira política, por terem “boa noção da realidade do País”.

LINHA DO TEMPO

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PARLAMENTOS

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Em São Paulo, Theodosina graduou-se também em Direito. E, com o incentivo do empresário Adalberto Camargo, o primeiro deputado federal negro por São Paulo, decidiu entrar na carreira política. Em 1968, elegeu-se vereadora com 26.846 votos, a segunda mais votada do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura militar. Em 1970, conquistou uma cadeira na Assembleia Legislativa, onde ficou até 1983.

“Mulher negra sofre preconceito por ser mulher e por ser negra.” Theodosina Rosário Ribeiro

Da época como parlamentar, lamentava não ter podido fazer muito pela população, já que o Brasil estava em uma ditadura e os vereadores e deputados estaduais tinham pouco poder. Mas se orgulhava de ter participado de muitas comissões, sempre preocupada com as questões sociais. “A mulher negra sofre preconceito por ser mulher e por ser negra, ganha menos do que os homens e menos do que as mulheres brancas”, denunciava.

Ideologicamente, dizia acreditar numa democracia plena, respeitando os valores sociais, principalmente os inseridos na Constituição: “Sou uma democrata, contra o populismo barato e contra o radicalismo”. Em 1982, concorreu pela quarta vez seguida a uma vaga na Assembleia Legislativa. Porém não conseguiu se reeleger. Theodosina levou um choque, ficou triste e “frustrada por não poder continuar com meus projetos”.

EMPODERAMENTO FEMININO NEGRO

EMPODERAMENTO FEMININO NEGRO

Mas a professora e advogada não abandonou a vida pública. Fez parte da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, da qual se tornou membro consultora emérita.

“O País tem uma dívida histórica enorme com os negros, que após a ‘abolição’ da escravatura foram abandonados.”

Theodosina era a favor das cotas raciais para os afrodescendentes entrarem nas universidades. “O negro precisa se preparar para vencer na vida.” Segundo ela, “o País tem uma dívida histórica enorme com os negros, que após a ‘abolição’ – essa abolição deve vir entre aspas – da escravatura foram abandonados”.

A militante dizia nunca ter sofrido um preconceito direto. “Mas a gente percebia que havia racismo”, afirmou em entrevista à Apartes em 2018, uma de suas últimas. Ela se lembrou que sua irmã, Maria de Lourdes, foi vítima de hostilidades em Pirassununga por ter entrado na Escola Normal para fazer o magistério. Mesmo assim, tornou-se a primeira professora negra da cidade.

Em relação ao racismo no Brasil, considerava “velado”. “Mas é muito maior do que nos Estados Unidos, que já elegeram um presidente negro, Barack Obama.” Em palestras que dava para as comunidades negras, Theodosina defendia a importância da mobilização política e social, principalmente para mulheres negras jovens. “A mulher tem mais sensibilidade do que o homem; ela deveria participar mais da política”, aconselhava. “Os negros, e as mulheres negras em especial, têm de ocupar todos os espaços na sociedade.” Otimista, percebia avanços. “As coisas estão melhorando: já vemos engenheiras negras, médicas negras, advogadas negras”, alegrava-se.

A Câmara Municipal de São Paulo, em 2004, homenageou Theodosina concedendo-lhe o Título de Cidadã Paulistana. A então vereadora Claudete Alves, ao apresentar a proposta da homenagem, definiu a ex-parlamentar como “uma das mulheres negras que melhor representam o esforço, a abnegação e o espírito insubmisso do povo afro-brasileiro”.

Em 2014, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) criou a medalha Theodosina Rosário Ribeiro, conferida a “mulheres ou entidades de mulheres que se destacarem na sociedade em razão de sua contribuição ao enfrentamento da discriminação racial e na defesa dos direitos das mulheres no Estado”, conforme a Resolução da Alesp.

A deputada Leci Brandão (PCdoB), que apresentou a proposta da homenagem, justificou a ideia: “Theodosina sempre esteve comprometida com a valorização da cultura negra, a inclusão social e a luta antidiscriminatória”.

Prestes a completar 90 anos, Theodosina morreu em 22 de abril de 2020. Foi homenageada por políticos, militantes e instituições. A comissão de Igualdade Racial e Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra, ambas da seccional de São Paulo da OAB, emitiram nota afirmando que ela “retorna ao Orun [plano espiritual], deixando um legado inestimável na luta pelos direitos da população negra, ao qual todos nós devemos celebrar e fazer jus”.

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