Texto: Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Edição: Sândor Vasconcelos | sandor@saopaulo.sp.leg.br
Industrial, nobre e político, Raymundo da Silva Duprat destacou-se na nas primeiras décadas do século 20 como vereador e também prefeito. Foi responsável pela inauguração do Theatro Municipal, reforma do Vale do Anhangabaú, construção do Viaduto Santa Ifigênia e ampliação da Avenida São João, entre outras obras que modernizaram São Paulo. Sob sua gestão, a capital testemunhou o primeiro engarrafamento de automóveis.
A crônica Bandolim, de Milton Hatoum, fala sobre a cidade de São Paulo e seus personagens. Em uma das passagens, o escritor admite, ao passar pela Rua Barão de Duprat, no Centro: “Não sei se foi um bom prefeito”. Embora não seja uma das figuras mais conhecidas da história paulistana, as ações de Duprat contribuíram para o progresso da atual maior cidade do País, e ele fazia questão de defender sua gestão.
Em relatório enviado à Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), em 13 de janeiro de 1914, no final de seu terceiro ano como prefeito, afirmou que suas obras prepararam a cidade para que, no futuro, pudesse mostrar “a beleza de suas grandes praças e avenidas”. Citou também “melhoramentos materiais de grande importância, como o asfaltamento e calçamento aperfeiçoado de diversas ruas, a organização do serviço de limpeza e irrigação, o aformoseamento dos nossos logradouros públicos, etc.”.
BERÇO PERNAMBUCANO
Filho de Bernardino de Augusto Duprat e de Cândida de Carvalho, Raymundo da Silva Duprat nasceu no Recife (PE), em 11 de dezembro de 1863. Com 17 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, para trabalhar no banco de seu tio Carlos Eduardo Duprat, o visconde de Duprat. Anos depois, morou em Santos, antes de chegar a São Paulo.
O primeiro emprego de Duprat na capital paulista foi como contador da Companhia Industrial de São Paulo. Fez carreira na empresa e se tornou diretor da Associação Comercial de São Paulo. Em 1902, ele e seu irmão Alfredo fundaram a tipografia Duprat & Cia. O empresário recebeu o título de barão, concedido pelo papa Pio X, em 1907. Nesse ano o pontífice distribuiu títulos de nobreza a personalidades brasileiras.
O empresário foi eleito pela primeira vez para a Câmara de Vereadores, pelo Partido Republicano Paulista (PRP), em 1904, para a legislatura que se iniciou no ano seguinte. “Duprat parecia ser aquela figura de gabinete, simpático, mas muito formal e de contato raro com o povo”, afirma o historiador Bernardo Schmidt, no site Patativa. “Estava entre o bancário e o banqueiro, não era protagonista, mas geralmente era o fiel da balança, por isso tinha prestígio político e comercial”, completa.
Entretanto, a simpatia do barão às vezes dava lugar a atitudes autoritárias. Segundo relato do jornal O Estado de S.Paulo, em 26 de março de 1913 um táxi caiu em um buraco ao lado do trilho de bonde elétrico na Rua Maranhão, em Higienópolis, interrompendo o trânsito. Duprat, que estavam em um bonde logo atrás, determinou que o carro fosse retirado do trilho. O taxista Carmine Terlitzzo se recusou e respondeu grosseiramente. O prefeito, então, ordenou que o bonde empurrasse o táxi para fora dos trilhos, danificando bastante o carro. Duprat ainda suspendeu a licença de trabalho de Terlitzzo por oito dias.
O SEGUNDO PREFEITO
O barão de Duprat foi eleito prefeito em 1911. Na época, a eleição para a Prefeitura era indireta, só os vereadores votavam. Ele assumiu no mesmo dia da eleição, em 15 de janeiro. Duprat foi o segundo prefeito da era republicana, substituiu Antonio Prado, que administrou a cidade de 1899 a 1911. O governo foi praticamente uma continuação da gestão Prado. “O barão de Duprat divergiu muito pouco da orientação do governo anterior, no que dizia respeito aos investimentos em melhoramentos urbanos, insistindo na constituição de uma espécie de ‘avenida central’ na capital, e em obras caríssimas que intensificaram os gastos e o endividamento público”, afirma o historiador Robson Mendonça Pereira em sua tese O prefeito do progresso: modernização da cidade de São Paulo na administração de Washington Luís (1914-1919).
Logo no primeiro ano de governo, em 12 de setembro de 1911, Duprat inaugurou uma grande obra, quase que totalmente construída na gestão Prado: o Theatro Municipal, um marco da modernidade de São Paulo. A casa de espetáculos foi aberta “para ilustres convidados diante de uma multidão de 20 mil pessoas deslumbradas com a pompa e com uma iluminação espetacular para a época – o prédio foi o primeiro a ser totalmente abastecido por energia elétrica”, relata o site do Theatro Municipal. O evento provocou a aglomeração de aproximadamente cem veículos, o que é considerado o primeiro engarrafamento da cidade.
O barão também foi o responsável pelo Viaduto Santa Ifigênia, unindo o Largo São Bento ao Largo Santa Ifigênia, por cima do Vale do Anhangabaú. “Entregue ao trânsito público pelo prefeito do município, Raymundo Duprat, a 26 de julho de 1913”, conforme informa a placa de inauguração. A estrutura metálica veio da Bélgica e foi montada local.
Segundo o site São Paulo in foco, o poder público queria uma alternativa ao Viaduto do Chá para fazer a ligação entre os largos São Bento e Santa Ifigênia, com o intuito de “poupar os bondes da subida íngreme da ladeira de São João” e para fazer a conexão entre o Centro, a Luz e a Santa Ifigênia, regiões que estavam em desenvolvimento graças à proximidade com a Estação da Luz.
O POLÊMICO ANHANGABAÚ
Já naquela época, o Vale do Anhangabaú provocava debates, como mostrou a reportagem O vale da discórdia, da Apartes. Muito se debatia sobre como melhorar o local, que tinha se valorizado com a construção do Theatro Municipal. O prefeito Duprat decidiu aceitar o projeto do famoso Joseph-Antoine Bouvard, diretor dos Serviços de Arquitetura e dos Passeios, da Viação e do Plano de Paris, que passou 40 dias em São Paulo estudando a topografia, as construções e o trânsito da cidade. Em 1911, os vereadores aprovaram o plano Bouvard e as obras começaram. O parque foi inaugurado somente em 1917, mesmo assim sem estar totalmente concluído.
Nem só por grandes obras a administração Duprat foi marcada. O prefeito também se preocupava com questões menos grandiosas. Por exemplo, regulamentou a caça, proibindo a morte de “animais insetívoros e de pássaros canoros”, e ordenou que só carros da polícia e do Corpo de Bombeiros usassem sirenes.
Mesmo com tantas obras, a oposição ao barão foi dura. “Duprat é um nome execrado e abominado por todo paulista de bom senso, pois sua excelência até hoje nada fez em favor do município, como prefeito”, acusava o jornal O Pirralho em 1914, no fim do governo. A publicação era de propriedade do vereador José Oswald Nogueira de Andrade, que havia sido colega do prefeito na Câmara, entre 1908 e 1911. O principal redator de O Pirralho era Oswald de Andrade, filho de José Oswald, que se tornou um dos mais importantes escritores do Brasil.
O jornal fazia campanha para que o deputado estadual Washington Luís fosse eleito para a Prefeitura e criticava o “nefasto prefeito”. O jornal também protestava contra a possibilidade de Duprat ir para a presidência da Câmara: “Sua excelência é um nulo, poderá ser um esplêndido caixeiro ou mensageiro de recados, mas prefeito, presidente, nunca, nunca”.
Apesar das críticas, Duprat tentou um novo mandato, mas não conseguiu. Foi eleito vereador, mas seus colegas elegerem Washington Luís para a Prefeitura, após um acordo. No discurso de posse, o novo prefeito deixou claro que haveria mudanças. “Acabaram-se os tempos em que se acreditavam nas fadas e nas varinhas de condão que tudo transformavam; hoje é preciso um trabalho enorme para remodelar uma cidade como São Paulo”, afirmou o prefeito em 15 de janeiro de 1914.
Ao barão, restou se conformar com a presidência da Câmara, na qual fez oposição a Washington Luís. Foi reeleito vereador e presidente da Câmara seguidamente até 1924, ano em que, no dia 9 de fevereiro, renunciou à Presidência. Em 15 de janeiro de 1926, deixou o Parlamento e a vida pública. Foram sete legislaturas como vereador, incluindo a que ele atuou como prefeito paulistano.
Aos 62 anos, em 17 de maio de 1926, o barão morreu. O jornal Correio Paulistano informou que, à beira do túmulo no Cemitério da Consolação, o representante da União dos Funcionários Municipais, Gilberto Vidigal, fez uma homenagem ao ex-prefeito, lembrando o “modelar administrador” que deixou “uma obra gigantesca com um sem número de vias, parques e prédios, assinalando a vitória do trabalho fecundo”. Segundo Vidigal, Raymundo da Silva Duprat “soube honrar o voto de seus pares e corresponder cada vez mais à confiança de seus concidadãos”.