50 anos - Palácio Anchieta

As artes do Palácio

Obras de artistas como Portinari e Sebastião Salgado integram o acervo da sede da Câmara Municipal
Tempo estimado de leitura: 5 minutos

Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br

Publicada originalmente em abr/2019 
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Quando, há 50 anos, os trabalhos da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) foram transferidos do Palacete Prates para o Palácio Anchieta, os vereadores não trouxeram apenas os debates sobre a cidade. Vieram também obras de artistas como Candido Portinari e Benedito Calixto. Para decorar a nova sede, foram encomendados painéis de Aldemir Martins e Clóvis Graciano.

Esses quadros, esculturas e fotografias estão na Câmara para contar a história da cidade e homenagear personalidades e fatos históricos. A pesquisadora de História da Arte Lúcia Klück Stumpf ressalta que as obras do Palácio Anchieta são importantes para contar o passado da cidade, pois transformam fatos históricos em imagens. Ela também diz que as obras tornam o local mais bonito. “Um prédio público deve ser um espaço que convide as pessoas a visitá-lo”, diz. Ao lado das principais obras há dados básicos (título, autoria, técnica utilizada, etc.) e um QR code com explicações adicionais.

De acordo com o historiador e supervisor do Arquivo Geral da CMSP, Ubirajara Prestes Filho, “durante a construção da sede atual, os vereadores entenderam que se tratava de um espaço ideal à celebração do passado paulistano”. Um exemplo disso está no Salão Nobre, um dos principais do Palácio. O quadro Instituição da Câmara Municipal de São Paulo, de Antônio Parreiras, representa de uma forma idealizada o momento no qual, em 1560, o pelourinho (símbolo da administração portuguesa) chega à vila de São Paulo, transferido da vila de Santo André da Borda do Campo. A mudança é considerada uma vitória dos jesuítas e uma derrota para o desbravador português João Ramalho, que já havia sido vereador de Santo André.

A cena traz Ramalho e uma de suas filhas, que observam a cerimônia de longe, além do governador-geral do Brasil da época, Mem de Sá, vereadores e outros moradores. Em segundo plano encontra-se o padre José de Anchieta com índios. A pesquisadora Stumpf, no livro Acervo artístico da Câmara Municipal de São Paulo, chama a atenção de que os únicos índios são crianças: “Não há qualquer gesto de resistência ou altivez nesses pequenos nativos, só passividade e submissão”. O quadro foi pintado em 1915, em Paris. Segundo Parreiras, não havia no Brasil modelos experientes, cenários e figurinos necessários para a composição histórica.

No Salão Nobre, outros dois quadros celebram a história, ambos de Clóvis Graciano, encomendados pela CMSP para o novo prédio: Colonizadores da Cidade de São Paulo e Partida dos Bandeirantes.

No primeiro, estão retratados João Ramalho, Bartira (sua esposa), os caciques Tibiriçá e Caiubi (pai e tio de Bartira, respectivamente), os padres Anchieta, Manuel da Nóbrega e Manuel de Paiva (celebrante da primeira missa da cidade), o militar Martim Afonso e os bandeirantes e ex-vereadores Fernão Dias e Raposo Tavares.

No painel ao lado, Partida dos Bandeirantes, destacam-se homens com roupas pesadas, armas e um porte nobre. No plano secundário, estão índios e negros. “A perspectiva heroica de Graciano faz parte das interpretações sobre o passado paulista”, afirma Prestes Filho. “Essa visão é considerada ultrapassada, mas o quadro serve como um registro das interpretações institucionais que havia sobre a colonização do Brasil”, completa o historiador.

Lúcia Stumpf salienta que os quadros históricos dizem muito sobre a época em que foram feitos. Como exemplo, cita o fato de Parreiras pintar, em 1915, Anchieta no fundo do quadro, e Graciano, em 1969, ter retratado o religioso na posição central do painel, revelando a importância que ele passou a ter. “A arte provoca muito, a gente tem de procurar menos respostas e mais perguntas, tem de olhar para as telas e pensar no que está por trás dessa representação”, explica.

Ainda no Salão Nobre, em uma posição mais alta que as demais, está a obra Apóstolo São Paulo, de Edmundo Migliaccio, em que o santo é registrado de forma tradicional, com auréola, segurando um livro que representa as cartas que escreveu e uma espada, arma com a qual foi executado. Chama a atenção o cenário: o padroeiro da cidade está em frente ao Pico do Jaraguá, o ponto mais alto do Município, com 1.135 metros.

Além da cidade

No Plenário Prestes Maia encontram-se cinco quadros que formam a obra Integração da Cidade de São Paulo. O conjunto cinquentenário, encomendado pela Câmara ao pintor Aldemir Martins, mostra as cinco regiões do País.

O quadro do Sudeste exibe uma cena urbana bem colorida, com carros, fábricas e prédios. “A centralidade do painel dedicado à capital paulista é a mesma que a cidade ocupa no País: uma megalópole verticalizada, industrial, com pouco céu, mas muitas oportunidades”, explica o historiador Denis Donizeti Bruza Molino, no livro Acervo artístico da cidade de São Paulo.

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Integração do Brasil na Cidade de São Paulo
Aldemir Martins representou as cinco regiões do País em um painel. Você consegue identificá-las?

Acervo CMSP

O Plenário 1º de Maio, onde são realizadas as sessões legislativas, também tem sua obra de arte: Crucifixo, do escultor Alfredo Oliani. Em 8 de setembro de 1969, um dia depois da inauguração do Palácio Anchieta, a escultura foi abençoada e entronizada pelo então cardeal de São Paulo, dom Agnelo Rossi.

Os quadros e esculturas não estão limitados às salas e aos plenários do Palácio Anchieta. No corredor do 8º andar, por exemplo, fica a Galeria dos presidentes, com retratos dos vereadores que comandaram a Casa desde 1948, quando a Câmara voltou a funcionar após ficar fechada durante 10 anos, por ordem da ditadura de Getúlio Vargas. Os retratos foram pintados por artistas como Augusto Mendes da Silva (Augustus), Luiz Atílio Fiori, Tony Koegl, José Wasth Rodrigues, Joseph Traboulsi, Luiz Sôlha, Marcus Claudio, entre outros.

Cardeal abençoando
Dom Agnelo Rossi abençoa o crucifixo do Plenário um dia após a inauguração do Palácio Anchieta

Acervo CMSP

Cardeal abençoando
Dom Agnelo Rossi abençoa o crucifixo do Plenário um dia após a inauguração do Palácio Anchieta

Acervo CMSP

Na CMSP, também há retratos de outros brasileiros célebres, como o ex-presidente do País Deodoro da Fonseca, pintado por Benedito Calixto em 1892, o ex-prefeito de São Paulo Fabio da Silva Prado, de Candido Portinari (1935), e o ex-vereador de São Paulo e ex-presidente do Brasil Washington Luiz, feito por Antonio Rocco.

Barbárie na África e no Brasil

Uma imagem de refugiados chama a atenção de quem passa pelo segundo andar do Palácio Anchieta. A foto Campo de Refugiados Ruandenses em Benako, Tanzânia, tirada por Sebastião Salgado em 1994, mostra as consequências da guerra civil em Ruanda. A obra, doada à Câmara pelo próprio Salgado, faz parte da série Êxodos. Em fevereiro deste ano, passou por um processo de recuperação para retirar manchas.

As obras de arte da Câmara não estão apenas no Palácio Anchieta. Na Praça Vladimir Herzog, ao lado do Terminal Bandeira, há três trabalhos em homenagem ao jornalista que, como consta no Relatório da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, da CMSP, foi torturado até a morte pelos militares em 25 de outubro de 1975.

O mosaico de azulejo 25 de Outubro é uma releitura do quadro de mesmo nome, pintado por Elifas Andreato. A obra, feita em 2015 com a ajuda de 20 crianças orientadas pelo artista, foi inspirada na foto de Herzog morto e em instrumentos de tortura.

Por sua vez, a estátua Vlado Vitorioso mostra Herzog celebrando a vitória da geração do jornalista contra a ditadura. A escultura, uma cópia ampliada da obra de mesmo nome criada por Andreato, foi confeccionada pelo artista Giusepe Bôsica com 200 quilos de bronze. Foi inaugurada em 2016.

Em abril de 2019, uma escultura em alumínio de Elifas Andreato foi posta na praça: Troféu Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, versão ampliada da obra criada em 1979. Segundo o artista, as obras são uma forma de os brasileiros não se esquecerem da barbárie pela qual o País passou.

Andreato, conhecido por ter criado capas de discos de cantores famosos, como Adoniran Barbosa e Elis Regina, mostrou-se satisfeito com o fato de suas obras estarem bem acessíveis aos paulistanos. “Toda obra de arte tem o desejo de ser pública, nenhum artista quer que fique confinada”, diz.


SAIBA MAIS

Site
Veja as principais obras de arte do Palácio Anchieta no Centro de Memória CMSP.

Livro eletrônico
Leia online ou baixe o livro Acervo Artístico da Câmara Municipal de São Paulo para uma análise mais detalhada das obras.

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