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Luta por comida saudável e barata

Na Câmara e em prefeituras da Grande São Paulo, João Carlos Alves liderou batalhas pela segurança alimentar
Tempo estimado de leitura: 6 minutos

Rodrigo Garcia rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br

Para um jovem criado em fazendas de café do interior de São Paulo, onde seu pai era administrador e havia fartura de comida, mudar-se para a periferia paulistana e perceber que nem todo mundo fazia as três refeições diárias foi um choque. Um choque transformador, que levou João Carlos Alves a lutar por comida barata e saudável para todos ao longo de sua carreira política, como vereador e secretário municipal. “Ele gostava mais de fazer do que de discutir”, lembra José Graziano, ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em um site que homenageia o político, o Memória João Carlos Alves. “Era um entusiasta dos produtos saudáveis”, completa.

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Cavalo
João nasceu no interior e fez a carreira na capital paulista | Crédito: Acervo pessoal

João Carlos nasceu em 7 de dezembro de 1947, em São José do Rio Pardo (SP). Passou a infância e parte da adolescência nas fazendas Graminha e Cancan, no município vizinho de Tapiratiba (SP), onde conheceu uma de suas grandes paixões: o futebol, principalmente o Corinthians. “Desde muito pequeno eu ganhava camisas do Corinthians”, conta, orgulhoso, o filho mais velho, Antonio Carlos Alves. “Quando cresci, ele passou a me levar aos estádios e, com o tempo, eu que comecei a levá-lo”, relembra Antonio. A paixão por futebol era tanta que João Carlos chegou a ser árbitro amador na várzea.

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Corinthians
João (à esquerda) passou para o filho Antonio Carlos a paixão pelo Corinthians | Crédito: Acervo pessoal

Em 1962, os pais de João Carlos, Sebastião e Belarmina Alves (dona Bela) se mudaram com a família para a Vila Prel, periferia da zona sul de São Paulo. O adolescente começou a vida profissional ajudando o pai no açougue e, depois, em uma banca de revista. Os dois empreendimentos eram da família.

O futuro político se tornou operário em 1964, trabalhando numa fábrica de cintos. Depois foi para uma de válvulas, até chegar à metalúrgica Massey Ferguson, onde ficou até 1982. Nessas indústrias, militou nas comissões de fábrica, grupo de empregados que no próprio local de trabalho se organizavam para lutar por reivindicações. Faziam oposição à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, considerada muito próxima dos interesses dos patrões.

João Carlos também se aproximou da Igreja Católica, principalmente das Comunidades Eclesiais de Base e da Pastoral Operária, sob influência da teologia da libertação, movimento que procura aliar cristianismo e preocupação social. Com o apoio da militância católica e da operária, lançou-se candidato a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 1982. Foi a primeira eleição do partido fundado em 1980, com raízes no movimento sindical, principalmente no ABC paulista.

“Ele gostava mais de fazer do que de discutir. Era um entusiasta dos produtos saudáveis” JOSÉ GRAZIANO

Em artigo para a Folha de S.Paulo, em 5 de novembro de 1982, Alves explicou os motivos para ser candidato e fez um diagnóstico da cidade. “A fonte de todas as mazelas da metrópole é a falta de participação popular na gestão do Município, aliada ao favorecimento de uns poucos empresários em setores como transporte, saúde, educação, habitação ou saneamento”, escreveu. Foi o vereador mais votado do PT no País, com 32.580 votos.

Liderança combativa

Escolhido como líder do PT na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) em 1987, João Carlos foi muito atuante. A ex-vereadora Tereza Lajolo, companheira de partido e de Legislatura, lembra que ele sabia dialogar: “A gente, a primeira bancada do PT, brigava muito nas reuniões da liderança, mas quando descíamos para o Plenário já estávamos unidos e não falávamos das brigas internas”.

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Em 1982, foi eleito com a maior votação de um vereador do PT no Brasil: 32.580 votos | Crédito: Acervo CMSP

Na época, o parlamentar já demonstrava interesse pelo tema da segurança alimentar. Participava das reuniões do Grupo de Trabalho de Política Agrária do PT, na sala do vereador Claudio Barroso.

Outro tema importante para João Carlos foi a luta pelos direitos humanos. Em 1987, propôs a entrega póstuma da Medalha Anchieta ao líder sindicalista Santo Dias Silva, morto pela Polícia Militar na frente de uma fábrica, numa greve geral em 1979. Segundo o vereador, o sindicalista foi “mártir da luta de um povo” e tinha direito à honraria.

“João Carlos era um companheirão” TEREZA LAJOLO

Também homenageou, em 1985, a Comunidade dos Sofredores de Rua, como era chamada na época a população em situação de rua. Na justificativa, apontou que os sofredores de rua “vivem geralmente no Centro, buscando formas de garantir a própria sobrevivência; sobrevivem de bicos, que lhes possibilitam ganhos esporádicos e insuficientes”. E denunciou a insegurança alimentar: “Muitos têm de buscar restos de feiras, mercados e restaurantes”. Mas João Carlos demonstrava otimismo. “Essa população começa a se organizar, a se conhecer melhor, discutindo e estudando soluções para os problemas que tanto a afligem.”

Da época na Câmara, Antonio Carlos se lembra do pai dizendo o quanto era difícil negociar com os colegas para aprovar projetos, mas que “sempre teve muito respeito dos vereadores dos outros partidos”. “Um dos dias mais complicados para ele na Câmara foi nas negociações da eleição do Suplicy (o atual deputado estadual Eduardo Suplicy, do PT) para a Presidência, quando ficou negociando até as 23h no dia 31 de dezembro de 1988 e chegou em casa em cima da hora da virada”, contou à Apartes. Tanto trabalho deu resultado: Suplicy acabou eleito presidente.

Alimento para todos

Em 1988, foi reeleito vereador com 16.455 votos, mas interrompeu o mandato no ano seguinte. A experiência de João Carlos na luta pela segurança alimentar levou a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, a convidá-lo para ser secretário de Abastecimento, cargo que ocupou até 1992.

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O ex-vereador trabalhava com agricultura familiar | Crédito: Arquivo pessoal

Na pasta, modernizou as feiras livres, incentivou o uso de alimentos orgânicos nas merendas escolares e criou os sacolões municipais, além das hortas, das cozinhas e das padarias comunitárias. Todos esses programas tinham o objetivo de fornecer produtos com preços acessíveis à população de baixa renda. Também defendia o consumo de alimentos sem agrotóxicos, vindos da agricultura familiar, direto da terra dos trabalhadores rurais para a mesa do consumidor.

João voltou para a CMSP em janeiro de 1992, onde ficou até o final do ano. Naquele ano tentou mais uma reeleição, mas não conseguiu. Trabalhou, então, em funções ligadas à segurança alimentar e nutricional em cidades como Santos, Diadema, Piracicaba, Campinas, Santo André, São Bernardo do Campo, Mauá e Suzano. Em Diadema e em Mauá, ocupou o cargo de secretário municipal de Abastecimento. Tornou-se um especialista na área.

“A segurança alimentar é uma ação social extremamente importante, mas é impossível você cuidar da segurança alimentar sem envolver a questão da educação, da saúde, da assistência social, dos direitos humanos, da igualdade racial, da violência social”, explicou João Carlos em depoimento à Rede Sans, grupo de defesa e proteção da alimentação saudável, adequada e solidária, em 2015. “É importante envolver a sociedade civil, é fundamental que todos os conselhos possam ter participação nesse debate”, dizia.

Seu último cargo público foi o de chefe de gabinete do subprefeito de Campo Limpo, de 2015 a 2016.  Apesar de ter se afastado da vida pública, o político não abandonou a luta pela comida barata e saudável. João Carlos passou a trabalhar com a divulgação e comercialização de produtos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizando feirinhas de produtos orgânicos em sindicatos, condomínios e em casa de amigos.

Reconhecimento

João Carlos morreu de enfarte aos 72 anos, em 5 de maio de 2020, em Mauá, cidade onde vivia. A viúva, Maria do Socorro Dias da Silva (com quem João era casado desde 1988), guarda muitas lembranças. “A mais contagiante é a alegria de estar sempre com as pessoas, contando seus causos e piadas, dançando, jogando truco, falando do PT ou do Corinthians”, relembra. João tinha quatro filhos com a primeira esposa, Odete de Souza Alves: Antonio, Elizabete e os gêmeos Magda e Marcos.

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A viúva Maria do Socorro Dias da Silva em frente à sala que leva o nome de João Carlos | Crédito: Marcelo Ximenez/CMSP

Um ano após a morte, a Câmara Municipal paulistana promoveu, em 6 de maio, uma sessão solene dedicada ao ex-vereador. Parentes, amigos, deputados e vereadores deram depoimentos e prestaram homenagens ao político.

Em 13 de março de 2023, a sala da Liderança do PT na CMSP passou a se chamar Vereador João Carlos Alves, por iniciativa dos vereadores Alessandro Guedes, Arselino Tatto, Jair Tatto e Senival Moura, além dos ex-vereadores Alfredinho e Juliana Cardoso (atualmente deputados federais) e Antonio Donato e Eduardo Suplicy (hoje deputados estaduais). Na mesma data, comemorou-se o aniversário de 40 anos da primeira bancada do PT, formada por João e os colegas Claudio Barroso (Capeta), Irede Cardoso, Luiza Erundina e Tereza Lajolo.

Vídeo com filhos, netos e bisneto de João Carlos Alves exibido na sessão solene para homenagear o ex-vereador

E as homenagens não ficam só na capital paulista. Em 2023, na cidade vizinha de Diadema, o restaurante popular do bairro Campanário (que funciona desde 2010) foi reformado e passou a se chamar João Carlos Alves.

Também em 2023, um grupo de amigos lançou um site que homenageia o político, o Memória João Carlos Alves, para preservar as informações. A responsável pela organização do memorial, Maria Isabel Lopes Correa (servidora aposentada da CMSP), diz na abertura do site que no espaço estão depoimentos “com detalhes emocionantes, completando a biografia da vida simples de um trabalhador que foi gigante na luta com o povo”.

Edição: Sândor Vasconcelos – sandor@saopaulo.sp.leg.br

Saiba mais

Site

Memória João Carlos Alves

Evento CMSP

Tributo a João Carlos Alves

Reportagens da TV Câmara

Sessão solene homenageia ex-vereador João Carlos Alves

Evento celebra 40 anos da bancada do PT na Câmara de SP

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