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Texto: Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Edição: Sândor Vasconcelos | sandor@saopaulo.sp.leg.br
Publicada originalmente em set/2014 – edição nº 10
Texto atualizado em jun/2021
Em seus 454 anos, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) foi palco de milhares de discursos, mas um orador se destacou entre tantos: João Brasil Vita.
O ex-vereador é considerado por colegas de Parlamento e funcionários de sua época como um dos grandes oradores da história da cidade. Brasil Vita passou praticamente quatro décadas na Câmara e ainda tem muito prestígio. O salão nobre da Casa leva o seu nome e abriga um busto em sua homenagem. Vita também é o presidente emérito da CMSP. “A Câmara é boa porque representa a cidade, lá estão todos, do operário ao intelectual”, define o ex-parlamentar.
Filho do comerciante Antonio Vita e da professora Angelina Maffei Vita, Brasil Vita nasceu no bairro do Cambuci, em São Paulo, no dia 3 de maio de 1922. Precocemente, aos 10 anos, teve reconhecido seu talento para a oratória. O diretor do colégio marista em que estudava pediu-lhe que saudasse o governador Pedro Manuel de Toledo, que visitava a escola. Orgulhoso, o garoto preparou um discurso especialmente para receber o político.
Ainda em 1932, ele e os colegas de mesma idade que viviam na Rua Lavapés, no bairro onde nasceu, aderiram à Revolução Constitucionalista. Os meninos recolheram pedaços de madeira e cano, fizeram uma “espécie de canhão” e foram até a Praça da Sé, no Centro, com um cartaz em que se lia “Se preciso for, também iremos”.
Vita perdeu o pai em 1944. Ficaram a viúva, cinco filhos e uma filha. Dessa época, ele se lembra do enorme respeito que tinham pela mãe. “Nunca ergueu a voz, mas quando ela falava, todos nós fazíamos silêncio.” Angelina foi uma das primeiras professoras dedicada a alfabetizar gratuitamente imigrantes adultos. Tanto ela quanto Antonio tornaram-se nomes de ruas. Ele no Butantã e a educadora em Pinheiros.
Quando já estava na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na Universidade de São Paulo (USP), Brasil Vita combateu o Estado Novo. Em 1943, durante uma passeata, na qual os estudantes estavam com a boca amordaçada para protestar contra a censura, a Polícia Especial de Getúlio Vargas disparou contra os manifestantes. Um estudante e uma mulher que passava na rua morreram e mais de 20 pessoas ficaram feridas, entre elas o futuro parlamentar. “Fiquei uns quinze dias internado na Santa Casa de Misericórdia e cheguei a receber a extrema-unção”, narra Vita, que ainda hoje carrega a bala nas costas. “Ela funciona como um barômetro, quando o tempo vai mudar, dói um pouquinho”, brinca.
Brasil Vita sempre foi galanteador. E dos ousados. Ele conta que estava na Praia de Copacabana, quando viu umas moças falando em francês. Virou-se para uma delas e declarou no idioma falado por elas: “Se você não for jantar comigo hoje eu me alisto na Legião Estrangeira”. Ele não precisou entrar no Exército francês, pois Maria Dorothea aceitou o convite e meses depois se casaram. A união durou 34 anos, até a morte dela, em 1991. A esposa de Vita foi muito atuante, ajudando nas obras de caridade da Igreja Santo Antônio do Largo de São Francisco. Uma praça no bairro do Rio Pequeno leva seu nome.
O político não se casou novamente, apesar das várias namoradas. Ele lamenta que seu único neto, João Brasil Vita Neto, tenha apenas três anos. “Se ele fosse mais velho, iria para a farra comigo”, afirma gargalhando.
DEZ MANDATOS
A decisão de entrar em uma disputa eleitoral foi tomada em 1959 por incentivo de parentes e amigos. Vita estava em uma festa de aniversário quando disseram: “Você, que fala tão bem sobre política, deveria concorrer a algum cargo”. Ele perguntou qual era o cargo em disputa nas próximas eleições e informaram que era para a Câmara Municipal. “Decidi, então, que iria tentar.” Filiou-se ao Partido Social Trabalhista (PST), recebeu 4.580 votos e entrou para a CMSP em 1º de janeiro de 1960, onde passaria os próximos 44 anos.
"A Câmara traduz a vida de uma cidade como São Paulo, tudo o que a cidade precisa é decidido lá."
Logo nos primeiros meses de sua carreira política, recebeu um convite surpreendente do presidente eleito Jânio Quadros, que havia sido vizinho de Vita no Cambuci. “Quero que você seja governador”. “De São Paulo?”, perguntou o vereador. “Não, do Acre ou de Roraima”, respondeu Jânio. Naquela época, os dois estados ainda eram territórios e seus governadores eram escolhidos pelo presidente. Brasil Vita declinou do convite para não deixar São Paulo. A relação de Jânio com a família Vita era forte. Eleito prefeito de São Paulo pela segunda vez, em 1985, Quadros convidou Fiore Wallace Gontran Vita, irmão do vereador, para ser secretário de Obras e Serviços.
Seguindo sua trajetória na CMSP, Brasil Vita foi reeleito em 1963, mas na eleição de 1968, disputada pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), ficou na quarta suplência. Mesmo assim, participou daquela legislatura quando um vereador de seu partido entrava em licença. Em 1972 e 1976 saiu novamente vencedor nas urnas.
Seis anos depois, já filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi o candidato a vereador mais votado do Brasil: 215.827 – 5,42% do eleitorado paulistano. Esse recorde não foi quebrado até hoje em números proporcionais (em 2002, José Eduardo Cardozo, atual ministro da Justiça, conseguiu 229.494 votos para vereador, número que correspondeu a 3,75% dos eleitores paulistanos). Na disputa de 1982, Brasil Vita sofreu um enfarte alguns meses antes da eleição, o que, segundo ele, impediu-o de trabalhar o necessário para ter ainda mais votos. Nos pleitos seguintes, em 1988, 1992 e 1996, foi reeleito.
Durante os dez mandatos, ganhou a simpatia e a admiração de colegas e funcionários. “O melhor orador do mundo, um excelente companheiro, de total confiança, respeitado por todos”, elogia o atual suplente de vereador Wadih Mutran, que durante 21 anos dividiu o Plenário com Vita.
FIM DA LINHA
Em 2000, Vita ficou na segunda suplência para vereador. Ele diz ter sido perseguido pela mídia por não ser de esquerda e que pagou um preço alto por atuar como líder do prefeito Celso Pitta (1997-2000), que deixou a administração envolvido em escândalos e com índices baixos de popularidade. Brasil Vita sempre apoiou Pitta. “Eu, como líder, não podia abandonar o navio e fui prejudicado politicamente por minha coerência”, explica. “Mas moralmente eu estava certo e agiria da mesma forma hoje.”
Em 2004, não foi candidato e em 2008 tentou mais uma vez ser vereador. Obteve apenas 1.854 votos e não se elegeu, ficando na 18ª suplência. De acordo com o filho, João Brasil Vita Júnior, que foi chefe de gabinete do pai, a derrota ocorreu porque muitos de seus eleitores tradicionais já tinham morrido.
Em apenas uma oportunidade Brasil Vita foi candidato a um cargo que não fosse vereador. Em 1994 tentou o Senado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e perdeu. Segundo o ex-vereador, ele só participou da eleição para formar chapa e não fez campanha. Sobre as derrotas, ele admite não ser agradável, mas garante que assimilou a experiência e seguiu adiante. “O ser humano tem um poder de assimilação muito grande”, acredita o ex-parlamentar.
Nas dez legislaturas em que esteve na CMSP, Brasil Vita se destacou como um vereador atuante. Foi líder de governo dos prefeitos Prestes Maia, Olavo Setúbal, Paulo Maluf e Celso Pitta, além de ter chegado à presidência do Parlamento em duas ocasiões, 1973 e 1996.
Por ser presidente da Casa, tornou-se prefeito de 22 a 27 de agosto de 1973. Naquela época, o cargo de chefe do Executivo nas capitais era uma indicação do governador. Na oportunidade Laudo Natel ocupava o cargo e havia exonerado José Carlos de Figueiredo Ferraz da Prefeitura por causa da declaração “São Paulo precisa parar de crescer”. O indicado para substituir Ferraz foi Miguel Colasuonno. Enquanto a Assembleia Legislativa aprovava a indicação, Vita foi prefeito em exercício, já que a cidade não tinha vice-prefeito.
Dos seis dias em que ficou no Parque Ibirapuera, antiga sede da Prefeitura, Brasil Vita se orgulha de ter melhorado a vida de muita gente “só com uma canetada”. O político conta que pôs um número telefônico à disposição dos cidadãos que quisessem falar com ele. Uma senhora ligou se queixando que o caminhão de lixo não passava em sua rua. O prefeito em exercício perguntou a um assessor sobre o motivo. A resposta foi que a tal rua não era oficial e Vita decidiu, então, regulamentar 5 mil ruas.
POLÊMICAS E HOMENAGENS
Dos projetos defendidos por Vita na CMSP, ele se lembra especialmente do Projeto de Lei (PL) 64/1975 (Lei 8.277/1975), enviado pelo prefeito Olavo Setúbal, que criava um curso de jardinagem no Município. Segundo Brasil Vita, essa foi uma das primeiras leis do País a tratar seriamente da questão do meio ambiente.
O ex-vereador também se preocupava com os animais. Apresentou o PL 388/1995, proibindo o transporte de cargas ou pessoas por tração animal num raio de 8 quilômetros a partir da Praça da Sé. As exceções eram o uso pelo Exército, pela Polícia Militar e para atividades desportivas, religiosas ou de lazer. Ele justificou que a proibição se limitava a essa área porque nos bairros periféricos as carroças ainda eram muito utilizadas. O projeto, apresentado após uma reivindicação da União Internacional Protetora dos Animais (Uipa), foi aprovado e se tornou a Lei 11.887/1995.
Uma das decisões mais polêmicas foi em 1973, quando era presidente da Câmara e proibiu que as funcionárias do Palácio Anchieta, sede da CMSP, usassem calça comprida, minissaia e frente única. “Algumas funcionárias vinham trabalhar mal vestidas”, justifica-se ainda hoje.
Os vários anos de dedicação de Vita a São Paulo foram reconhecidos. Em uma homenagem com a qual apenas ele foi agraciado, em 1975 recebeu o título de presidente emérito da Câmara pelas obras que realizou e por ter erguido, nas palavras do então vereador Celso Matsuda, “um alicerce administrativo firme para que o Poder Legislativo possa, eficazmente, assistir a cidade de que se orgulha tanto”. Parlamentares de vários partidos apoiaram a ideia. Brasil Vita se emociona ao falar da homenagem: “Foi a maior alegria que senti na minha vida parlamentar”.
O ex-vereador também recebeu uma honraria inédita na Câmara para alguém vivo. Por determinação do então presidente Nelo Rodolfo, em 1997 o Salão Nobre do Palácio Anchieta, até então chamado Prestes Maia, foi rebatizado como Presidente João Brasil Vita. “A medida vem ao encontro de uma realidade inafastável: o Parlamento Municipal já se encontra há muito marcado pela pessoa do homenageado, pelas suas realizações políticas e pelas qualidades de um tribuno memorável”, afirmaram vereadores de três Comissões da Câmara em documento de apoio à proposta.
Entre as passagens negativas, foi acusado por uma Comissão Especial de Inquérito (CPI) de improbidade administrativa por ter dispensado licitação pública para a realização de reformas no heliponto do Palácio Anchieta. “Eu não tinha nada a ver com aquela história”, garante Vita. Em 1989, o Plenário da Câmara decidiu que ele não seria cassado.
Nas quatro décadas em que esteve na Câmara, um episódio marcou profundamente Brasil Vita: uma traição que sofreu em 1981. Na ocasião ele tentava mais uma vez ser presidente da Casa e disputava o cargo com Antônio Sampaio. A CMSP tinha 21 vereadores: 11 estavam com Vita e 10 com Sampaio. Os pró-Vita ficaram hospedados em um hotel próximo à Câmara para evitar deserções. Um deles, Paulo Rui de Oliveira, fazia aniversário naquele dia e pediu para passar a noite em casa, com a família. Teve o pedido aceito, mas fora do “confinamento” recebeu um presente inesperado: a proposta de Sampaio para que fosse o candidato a presidente. Paulo aceitou e foi eleito por 11 votos a 10. Vita nunca o perdoou. Passaram-se mais de três décadas desde a traição e ele ainda se refere a Paulo Rui, morto há 13 anos, com palavras duras.
Longe do cargo de vereador, continua a defender o Parlamento paulistano. “A Câmara traduz a vida de uma cidade como São Paulo, tudo o que a cidade precisa é decidido lá”, argumenta. Vita vai diariamente a seu escritório na Praça Ramos, ao lado do Theatro Municipal. Desde que se formou, em 1946, exerce advocacia criminalista. “Adoro a minha profissão”, diz com um entusiasmo de recém-formado. Também se ocupa revisando um livro de memórias escrito por ele mesmo, mas ainda não publicado “pois teme ser assassinado”. “Só será publicado após a minha morte, nele eu conto muitas verdades, algumas perigosíssimas”, avisa.
TRICOLOR PAULISTA
Além de apaixonado por São Paulo, a cidade, o ex-parlamentar também é apaixonado pelo São Paulo, o time. É o sócio número 1 e já presidiu o Conselho Consultivo e o Conselho Deliberativo. João Brasil Vita Júnior conta que o pai, antes de registrá-lo no cartório, registrou-o como sócio do São Paulo Futebol Clube. “Costumo dizer que me tornei são-paulino antes de me tornar brasileiro”, diz Júnior.
Como vereador, em 1982 Vita atuou para que a Câmara aprovasse projeto enviado pela Prefeitura concedendo ao São Paulo, pelo período de 40 anos, um terreno municipal para o clube instalar o centro de treinamento. Como agradecimento, o ex-parlamentar recebeu uma placa de homenagem do clube.
“Eu sempre acredito no São Paulo e estamos com um time de craques.”
Apesar dos convites que Brasil Vita diz ter recebido para ser presidente do time, nunca aceitou o cargo. “Acho que o presidente do São Paulo tem de ser um jovem, quero dizer, alguém com 40, 50 anos”, justificou. Quanto às chances de o São Paulo ganhar o Campeonato Brasileiro deste ano (2014), ele se mostra confiante. “Eu sempre acredito no São Paulo e estamos com um time de craques.”
Apesar do otimismo do torcedor, o São Paulo ficou com o vice-campeonato. O campeão da série A do Campeonato Brasileiro foi o Cruzeiro, de Minas Gerais.
Menos de três anos após ter recebido a reportagem da Apartes em seu escritório, João Brasil Vita morreu em 11 de março de 2017, aos 94 anos. Deixou um filho, um neto e muitas histórias.