Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br
Publicada originalmente em fev/2015 – edição nº 12
Apaixonado pela velocidade dos automóveis e por outras inovações tecnológicas, boa pinta e preso às tradições da política do café-com-leite, Washington Luís teve uma carreira política intensa. Foi vereador em duas cidades (Batatais e São Paulo), intendente da primeira e prefeito da segunda, deputado estadual, presidente do Estado, senador e, finalmente, presidente da República, deposto e exilado na Revolução de 30. Político que muito fez pelo progresso, tornou-se o símbolo do fim da República Velha.
Nos cargos que ocupou, procurou deixar marcas duradouras de um administrador moderno, afinado com as inovações tecnológicas da época, como o automóvel, e buscando a eficiência das políticas e dos funcionários públicos.
Washington Luís construiu uma “imagem de self-made man, de um homem de ação não só no desenvolvimento de políticas governamentais, mas também na montagem dos instrumentos burocráticos, que muitas vezes eram inexistentes”, explica à Apartes o historiador Robson Mendonça Pereira, especialista em política paulista nas primeiras décadas do século 20.
“Ele se destacava por conduzir e potencializar os esforços de pessoas em torno de objetivos comuns”, conta o pesquisador, que completa: “O ex-presidente usava o marketing pessoal tanto para mostrar a força dos bandeirantes, quanto a audácia dos administradores modernos, antecipando algumas estratégias dos governantes populistas pós-Revolução de 30”.
Washington Luís Pereira de Sousa nasceu em 26 de outubro de 1869, em Macaé, no litoral norte do Rio de Janeiro. Primogênito de uma família de fazendeiros, ele se formou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, aos 22 anos. Apesar de fluminense, foi no Estado de São Paulo que construiu sua vida política, tanto que era chamado de “o paulista de Macaé”.
Uma oportunidade de emprego como advogado o levou a se mudar para Batatais. Nessa cidade do nordeste paulista, durante um sarau, conheceu Sofia, filha de Rafael Paes de Barros, barão de Piracicaba e importante chefe político da região. Começaram o namoro, casaram-se em 1900 e tiveram quatro filhos: Florinda, Rafael Luís, Caio Luís e Vítor Luís.
Um dos netos do casal, Fernando Luiz Pereira de Souza, filho de Caio Luís, não conheceu a avó, que morreu em Lausanne, na Suíça, em 1934, durante o exílio junto do marido. Com o avô só teve contato aos 11 anos. Atualmente com 79, Fernando se lembra de Washington Luís como um homem recluso, muito fechado. “Ele conversava pouco com os netos, preferia passar a maior parte do tempo na imensa biblioteca de sua casa”, recorda-se o neto. “Era um intelectual, vivia escrevendo”, define.
No tempo de escola, Fernando sentia-se pressionado por causa do parentesco com o ex-presidente. “Todo mundo dizia que eu, sendo neto de Washington Luís, uma parte da história do Brasil, tinha de me sair bem nessa matéria”, conta.
Além de político, Washington Luís foi historiador. Escreveu o livro “A Capitania de São Paulo” e criou o Museu Republicano Convenção de Itu, quando era governador. Durante sua gestão como prefeito de São Paulo, contratou o taquígrafo Manuel Alves de Souza para decifrar as atas da Câmara Municipal de 1555 a 1826. Foi também membro da Academia Paulista de Letras e do Instituto Histórico e Arqueológico de São Paulo.
PRIMEIROS CARGOS
Em Batatais, foi eleito vereador em 1895. Dois anos depois, tornou-se intendente (antigo nome do chefe do Executivo municipal), realizando um governo que recebeu elogios dos batataenses. “Ele tornou mais técnica a gestão municipal, empenhando-se em resolver questões práticas, como a necessidade de aumento de captação de água potável”, afirma Robson Pereira em seu livro Washington Luís na administração de São Paulo.
A atuação como intendente de Batatais e, depois, como secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado impressionou o presidente de São Paulo (cargo correspondente ao de governador, atualmente), Bernardino de Campos, que procurava um político jovem, mas experiente, para reforçar a influência do Partido Republicano Paulista (PRP) na capital. Assim, Campos convidou Washington Luís, que já era líder da maioria no Congresso estadual (na época, havia Câmara e Senado estaduais), para se candidatar a vereador e, caso vencesse, ser escolhido prefeito. No começo do século 20, a eleição para a Prefeitura era indireta e, para se tornar chefe do Executivo municipal, antes era necessário ser eleito vereador, por votação direta. Essa situação ocorreu com os três primeiros prefeitos de São Paulo: Antônio Prado (1889-1911), Raimundo Duprat (1911-1914) e Washington Luís (1914-1919).
“Acabaram-se os tempos em que se acreditavam nas fadas e nas varinhas de condão que tudo transformavam; hoje é preciso um trabalho enorme para remodelar uma cidade como a capital de São Paulo”. Washington Luís
Em 30 de outubro de 1913, o político nascido em Macaé foi eleito vereador paulistano. Na sessão preparatória da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), em 14 de janeiro de 1914, cumprindo o acordo com Campos, os vereadores escolheram Washington para ser o novo prefeito.
Um editorial do jornal O Estado de S.Paulo, em 16 de janeiro, elogiou a escolha: “Moço, robusto, ativo e enérgico. É partidário, mas por convicção e por temperamento sabe, quando as conveniências do seu partido entram em conflito com as do público, resistir àquelas para atender a estas. É vereador, mas como prefeito está liberto da influência nociva e das exigências absurdas de vereadores de fracos escrúpulos”.
Logo no discurso de posse, o novo prefeito deixou claro como seria sua gestão: “Acabaram-se os tempos em que se acreditavam nas fadas e nas varinhas de condão que tudo transformavam; hoje é preciso um trabalho enorme para remodelar uma cidade como a capital de São Paulo”.
No relatório de prestação de contas referente a 1914, apresentado à CMSP, o prefeito admitiu que “a situação financeira do Município, diante da perspectiva que nos fazia entrever a conflagração europeia (Primeira Guerra Mundial), não aconselhava que a Prefeitura se abalançasse às grandes obras, que a população tinha o direito de esperar por tempos normais”. Washington Luís explicou que sua gestão se limitou a concluir obras cuja interrupção “traria a ruína ao que já fora feito” e a executar obras contra-tadas, já em andamento, “cuja suspensão daria lugar a indenizações”.
FEIRAS LIVRES
Em 1914, na tentativa de controlar a disparada dos preços e ajudar os pequenos agricultores da zona rural da cidade, Washington Luís criou as feiras livres, também chamadas de mercados francos, para suprimir os intermediários.
Ele era um entusiasta desse tipo de comércio. “A Prefeitura designa em dias e horas determinados os lugares em que se devem realizar os mercados, sem aí fazer instalação de espécie alguma, e vê que, nesses lugares, às horas marcadas, se reúne uma multidão enorme para vender e para comprar”, afirmou em relatório enviado à CMSP.
Segundo ele, o Município “consegue um resultado de grande alcance”: o barateamento do produto, sem prejuízo para o produtor, pela aproximação com o consumidor. Outra herança da gestão de Washington Luís na Prefeitura que dura até hoje é o brasão da cidade. Em 1916, ele lançou um edital de concorrência para a criação do símbolo. A proposta vencedora foi a do pintor José Wasth Rodrigues e do poeta Guilherme de Almeida.
O brasão, oficializado em 8 de março de 1917, é formado por um escudo com um braço empunhando a bandeira da cruz de Malta (símbolo da Ordem de Cristo) usada pelos navegantes portugueses, simbolizando a fé cristã. As laterais são adornadas por ramos de café, principal riqueza de São Paulo na época. A divisa “Non ducor duco” quer dizer “Não sou conduzido, conduzo”, e valoriza a independência das ações desenvolvidas pela cidade e seu papel de liderança no Estado e no País.
MANOBRA
Washington Luís enfrentava uma oposição ferrenha na CMSP, o que ameaçava sua reeleição. Como era amigo do novo presidente do Estado, Altino Arantes Marques, o prefeito lhe propôs uma lei tornando diretas as eleições para o Poder Executivo da capital. A influência de Altino foi decisiva para que o Congresso estadual aprovasse a mudança. Assim, em 1916, Washington Luís, candidato único, reelegeu-se para mais um triênio, mas pelo voto popular. O segundo mandato (1917-1919) foi marcado pelo que os historiadores chamam de 4 Gs: guerra, geada, greve e gripe. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) prejudicou bastante as exportações brasileiras de café, produto que estava sendo danificado pelas geadas.
Houve uma crise econômica e os preços dispararam. O movimento sindical, de orientação anarquista, começou a protestar e convocou uma greve geral em julho de 1917. Segundo o historiador Robson Pereira, a imprensa divulgava números divergentes sobre os operários parados. No auge, o movimento alcançou por volta de 15 mil a 20 mil grevistas, enquanto as lideranças anarquistas falavam em 70 mil.
O presidente do Estado, Altino Arantes, chamou Washington Luís para fazer parte da comissão que iria intermediar as negociações. O prefeito garantiu empenho na fiscalização e controle dos preços de primeira necessidade e no aumento do número de feiras livres, fazendo-as funcionar duas vezes por semana. Mas alegou que a Prefeitura não tinha condições de ajudar ainda mais os grevistas.
Hoje, muita gente credita a Washington Luís a frase “a questão social é um caso de polícia”. Ele negava com veemência a autoria. Mas, quando se lançou candidato ao governo paulista, em 1920, afirmou, referindo-se ao movimento sindicalista, que “em São Paulo, pelo menos, a agitação operária é uma questão que interessa mais à ordem pública do que à ordem social; representa ela o estado de espírito de alguns operários, mas não o estado de uma sociedade”.
PANDEMIA
Em 1918, Washington Luís enfrentou o inimigo mais mortal de sua gestão, a gripe espanhola. Em outubro daquele ano, a CMSP aprovou por unanimidade uma resolução concedendo ao prefeito a responsabilidade de tomar as medidas para combater a pandemia. O esforço da Prefeitura foi, principalmente, garantir o abastecimento de comida, regularizar o serviço de limpeza e o funcionamento dos cemitérios e sepultamentos durante a crise.
O prefeito ampliou os cemitérios do Brás, do Araçá e de São Miguel. Em outros, foi instalada iluminação elétrica para permitir sepultamentos noturnos. Também faltava mão de obra nesses locais. “O desgosto de lidar com cadáveres, o medo de contrair a moléstia epidêmica, os ataques desta às pessoas ocupadas nos serviços internos dos cemitérios dificultam tal serviço, pelo que, não obstante a elevação dos salários, não era fácil encontrar pessoal que quisesse”, afirmava o relatório sobre as atividades da Prefeitura daquele ano. Esse documento, que está no Arquivo da Câmara, é considerado pelos historiadores como a única fonte oficial sobre como a cidade reagiu à pandemia.
Em seis semanas, a gripe espanhola atingiu 116.777 paulistanos (22,32% dos habitantes da capital) e o número de mortos chegou a 5.214 (1%). Apesar do volume de vítimas, Washington Luís defendeu, no relatório do final de ano, a atuação da Prefeitura, comparando a gripe espanhola à peste negra, que assolou a Europa na Idade Média. “Em toda a parte, a aparição virulenta foi brusca e sua disseminação fulminante; nós, como todas as grandes cidades, pagamos o equivalente tributo ao inimigo insidioso”, afirmou o prefeito.
ESTRADAS E FARRAS
Graças ao prestígio que conseguiu na Prefeitura de São Paulo, Washington Luís foi eleito para a Presidência do Estado, em 1920. Seu governo foi marcado pela abertura de estradas para automóveis, como a São Paulo- Santos e a São Paulo-Sorocaba. “Governar é abrir estradas”, dizia já na campanha eleitoral. Quando apresentou sua plataforma de governo, declarou: “As estradas facilitam a circulação do jornal, o acesso à escola, concorrendo para a difusão dos conhecimentos e da instrução; garantem a segurança à propriedade e mais pronta assistência às pessoas; são as semeadoras de cidade”.
Dois anos depois, em uma mensagem ao Senado estadual, fez um comentário sobre as mudanças que as estradas estavam provocando: “Encontro novas casas, onde estava o silêncio e o abandono, novos campos lavrados, onde havia o brejo, e as próprias estradas ruidosas, pejadas de carros a transportarem as colheitas”. Seus aliados o elogiavam, chamando-o de “estradeiro”. Já os adversários diziam que era apenas um “general de estrada de bobagem”.
Como ocorria frequentemente durante a República Velha, após sair da Presidência de São Paulo, Washington Luís foi candidato único a presidente do Brasil. Essa escolha dava prosseguimento à política café-com-leite, em que as oligarquias de São Paulo (grande produtor de café) e Minas Gerais (maior produtor de leite) revezavam-se no comando do País. Assumiu em 1926 e convidou um deputado federal gaúcho para o Ministério da Fazenda: Getúlio Vargas.
Segundo Lira Neto, um dos mais destacados biógrafos nacionais, o início do governo transcorreu sem problemas. “A popularidade de Washington Luís estava nas alturas; muito contribuía para isso sua personalidade extrovertida, sua boemia sofisticada, a presença constante do presidente em saraus, teatros e bailes carnavalescos”, explica Lira Neto no livro Getúlio: Dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). “O cavanhaque cultivado com esmero, o bigode estruturado com brilhantina, o fraque impecável e a indefectível cartola ajudavam a compor uma imagem elegante e sedutora, sublinhada pelos olhos vivazes, que costumavam arrancar suspiros femininos”, descreve o escritor
Durante sua presidência, uma hospitalização repentina causou preocupação. Oficialmente, a causa foi uma apendicite. Atualmente, alguns historiadores afirmam que o ex-presidente recebeu um tiro de sua amante, a marquesa italiana Elvira Vishi Maurich, então com 28 anos, quando estavam no Copacabana Palace. Quatro dias depois, a jovem foi encontrada morta. Segundo a polícia, suicídio.
Na Presidência da República, Washington Luís ficou famoso também por cantar frequentemente árias de óperas ou marchinhas de carnaval, o que lhe valeu o apelido de Rei da Fuzarca (farra).
Entretanto, o clima de festa não durou muito. Veio a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, detonando a economia mundial. A insatisfação com o governo aumentou bastante e, em 1930, uma revolução, liderada pelo ex-ministro Getúlio Vargas, começou em várias regiões do País. Naquele momento, a Câmara paulistana foi fiel a seu antigo membro. Os vereadores aprovaram uma decisão para que o manifesto do presidente fosse amplamente divulgado na cidade. Escrito em 9 de outubro, no documento Washington Luís garantia que os revoltosos não venceriam “pelas armas, traço primitivo e selvagem processo de resolver questões políticas”.
Quinze dias depois, uma junta militar, que assumiu o poder antes de entregá-lo a Getúlio, foi ao Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, sede do governo federal na época, exigir que o presidente renunciasse. Ele recusou e disse que lutaria até a morte. O cardeal-arcebispo do Rio, dom Sebastião Leme, foi chamado para intermediar um acordo. Quando falou com Washington Luís ouviu a declaração: “Já não tenho soldados nem armas, sou prisioneiro neste salão, o palácio e o jardim estão invadidos pelos soldados; deixarei, pois, o palácio, cedendo à violência”.
O cardeal fez questão de acompanhar o presidente até o Forte de Copacabana, onde passaria a noite antes de embarcar, no dia seguinte, para o exílio. Segundo dom Sebastião, o presidente deposto dirigiu-se ao comandante do quartel e lhe entregou o revólver que portava: “Sou prisioneiro, para que esta arma?”.
RECLUSÃO
O exílio de Washington Luís durou 17 anos, o maior de um ex-presidente brasileiro. Começou na Europa, onde morou em países como Portugal, França e Suíça. Durante a temporada europeia, enviuvou. Em 1934, Sofia Paes de Barros morreu na Suíça. Foi a única ex-primeira-dama a morrer no exílio.
Quando começou a Segunda Guerra Mundial, Washington Luís mudou-se para Nova York. Voltou ao Brasil apenas em 1947, justificando que o País tinha voltado ao Estado de direito. O ex-presidente foi recebido com festa no Rio e em São Paulo. Da estação ferroviária do Brás até a casa de sua filha no Jardim América, um trecho de cerca de 10 quilômetros, o carro que o transportava levou duas horas, por causa da multidão que queria saudá-lo.
Uma das poucas aparições públicas que fez após a volta do exílio foi em 1953, em Itu (SP), onde recebeu o título de cidadão daquela cidade. “Eu precisava demonstrar que não sou apenas um paulista de Macaé”, brincava. Poucos anos depois, em 4 de agosto de 1957, aos 87 anos, faleceu em São Paulo.
SAIBA MAIS
Livros
Washington Luís na administração de São Paulo (1914-1919). Robson Mendonça Pereira. Editora Unesp, 2010.
Washington Luís (Visto pelos contemporâneos no primeiro centenário de seu nascimento). Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. 1968.
Getúlio: Dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). Lira Neto. Companhia das Letras. 2012.