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São Paulo nos trilhos

Nos 12 anos como prefeito, Antonio Prado foi responsável por novidades como o bonde elétrico, que deram a cara de metrópole para a cidade
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Rodrigo Garcia | rodrigogarcia@saopaulo.sp.leg.br

Fazendeiro e empresário, Antonio da Silva Prado era um apaixonado por inovações, principalmente por trens e eletricidade. Nos doze anos em que foi prefeito de São Paulo (1899 a 1911), trouxe para a capital uma novidade que representava a modernidade da época: o bonde elétrico.

Empresário e político, Prado iniciou a construção do Theatro Municipal | Foto: Reprodução

Esse sistema de transporte público já existia em São Paulo desde 1872, mas era puxado por burros. O prefeito achou que a cidade precisava de mais velocidade. Assim, em 7 de maio de 1900, foi inaugurada a primeira linha de bonde elétrico, a Barra Funda, que ligava o Largo de São Bento (Centro) ao fim da Rua Barão de Limeira (zona oeste), onde Prado morava.

O próprio prefeito, em alguns momentos, conduziu o bonde na viagem inaugural. Também estavam no vagão senadores, deputados e vereadores, além de representantes da Light, empresa responsável pelo serviço. O escritor Oswald de Andrade, na época com 10 anos, conta em seu livro de memórias que viu a inauguração da primeira linha. “Lá vem o bicho! O veículo amarelo e grande ocupou os trilhos no centro da via pública. Um homem de farda azul e boné o conduziu. Uma alavanca de ferro prendia-o ao fio esticado, no alto”, recorda-se em Um homem sem profissão. Oswald de Andrade também diz, no livro, que algumas pessoas tinham medo de levar choque quando entrassem no vagão e de o bonde sair dos trilhos por causa da velocidade alta.

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Autoridades na primeira viagem do bonde elétrico, em 1900 | Foto: Guilherme Gaensly / Acervo Fundação Energia e Saneamento
Autoridades na primeira viagem do bonde elétrico, em 1900 | Foto: Guilherme Gaensly / Acervo Fundação Energia e Saneamento

REFORMAS

A fim de preparar a cidade para o progresso, o prefeito realizou reformas urbanísticas que mudaram as características de São Paulo, como o alargamento de ruas no Centro, entre elas a Quinze de Novembro, a Álvares Penteado e a Quintino Bocaiúva. Para melhorar a circulação na Quinze de Novembro, a Prefeitura derrubou a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, ampliou o Largo do Rosário e o rebatizou, em 1909, como Praça Antonio Prado, nome que mantém até hoje. Ao lado da praça, foi construído o Palacete Martinico, nome de um irmão do prefeito, para ser sede das empresas da família. Atualmente no prédio funciona a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&FBovespa).

De acordo com o urbanista Ayrton Camargo e Silva, especialista em transporte público, Prado foi uma das primeiras autoridades a criar, em 1902, uma norma regulamentando a circulação de automóveis. As ruas seriam mão dupla, com exceção de algumas do Centro, como a Quinze de Novembro. No ano seguinte, determinou a velocidade máxima na região central: 12 km/h. A arborização de ruas e a ampliação de jardins e praças foram outras marcas da gestão Antonio Prado. Ele tornou a Avenida Tiradentes uma vitrine de sua gestão, com muitas árvores e palacetes, e reformou a Praça da República e o Jardim da Luz, além de mandar fazer um jardim no terreno em frente ao Museu do Ipiranga.

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Antonio Prado fez um jardim de estilo francês em frente ao Museu do Ipiranga | Foto: Acervo do Museu do Ipiranga
Antonio Prado fez um jardim de estilo francês em frente ao Museu do Ipiranga | Foto: Acervo do Museu do Ipiranga

Após a reforma do Jardim da Luz, ele ia com a esposa, Maria Catarina, e filhos ouvir os concertos da banda da Força Pública (a antecessora da Polícia Militar), que executava músicas clássicas no coreto do parque. Everardo Vallim Pereira de Sousa, amigo e biógrafo do prefeito, conta no livro 1° Centenário do Conselheiro Antonio da Silva Prado que o coreto teve de ser triplicado e que a banda ganhou novos instrumentos, pois “toda a sociedade começou a frequentar o aprazível jardim, cultivando assim o gosto pela música de valor”.

No campo cultural, o grande legado de Antonio Prado foi a construção do Theatro Municipal, que se tornou o principal palco da cidade. A obra, iniciada na sua gestão, foi inaugurada em 12 de setembro de 1911, oito meses depois de deixar o cargo. A construção provocou um grande debate sobre o que fazer com a região em torno do Theatro, o Vale do Anhangabaú. Após muitas discussões entre empresários do mercado imobiliário, governo do Estado, Prefeitura e vereadores, ficou decidido que a área iria se tornar o Parque Anhangabaú.

Apesar de seu fascínio por bondes, trens e carros (Antonio Prado foi um dos fundadores do Automóvel Clube de São Paulo), o prefeito adorava andar a cavalo pelas ruas de cidade. “Para fins de inspeção, o cavalo é preferível, chega aonde não pode chegar a carruagem”, disse ao encontrar o biógrafo Pereira de Sousa durante uma inspeção nas obras de abertura da futura Avenida Angélica. Sousa afirmou, no livro sobre Antonio da Silva Prado, que o prefeito aproveitava as inspeções para trocar ideias com os engenheiros nos próprios locais, “onde melhor se vê o que é preciso fazer”.

Após quatro mandatos consecutivos (três eleito pelos vereadores e um pelo povo), Prado se recusou a participar de mais uma eleição. Quando deixou a Prefeitura, em 15 de janeiro de 1911, foi acompanhado por uma multidão até a sua casa, um palacete conhecido como Chácara do Carvalho, onde hoje funciona o Colégio Boni Consilli, na Barra Funda. Lá, agradeceu as manifestações de apoio e convidou a multidão a entrar. “Num impressionante gesto de requintada fidalguia, franqueou aos manifestantes os luxuosos salões de seu esplêndido palácio, nos quais passou a dançar a alegre mocidade de todas as classes sociais”, narra Pereira de Sousa.

Segundo Júlio Mesquita, fundador do jornal O Estado de S. Paulo, Antonio Prado tirou “a tanga tradicional” da cidade, ou seja, retirou suas características indígenas. “São Paulo de hoje é um atestado de civilização, seduz e atrai o estrangeiro inteligente”, escreveu o jornalista em um artigo publicado em 8 de janeiro de 1905.

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Quando deixou a Prefeitura, em 1911, Prado abriu os salões de seu palacete para a multidão | Foto: Guilherme Gaensly/Acervo Fundação Energia e Saneamento
Quando deixou a Prefeitura, em 1911, Prado abriu os salões de seu palacete para a multidão | Foto: Guilherme Gaensly / Acervo Fundação Energia e Saneamento

RAÍZES

Antonio da Silva Prado nasceu na cidade de São Paulo, em 25 de fevereiro de 1840, em uma tradicional família da aristocracia paulista. Seu avô, também Antonio da Silva Prado, era o barão de Iguape, que fez fortuna transportando mercadorias em mulas.

O barão decidiu que sua filha Veridiana Valéria iria se casar com o meio-irmão dele, Martinho da Silva Prado, para que a riqueza da família não se dividisse. Na época, ela tinha 13 anos. Décadas depois, aos 53, Dona Veridiana se mostrou bastante independente para a época ao se separar do marido. Em seu palacete, na rua que hoje tem seu nome no centro de São Paulo, ela organizava saraus para a elite econômica e intelectual.

Na família Prado, havia também empresários, políticos e escritores. Foi nesse ambiente que Antonio da Silva Prado recebeu sua educação.

Logo após ter se formado em Direito no Largo de São Francisco, em 1861, passou uma temporada de dois anos na Europa para conhecer modelos de empresas e instituições que pudessem ser implantadas no Brasil.

De volta ao País, o primeiro cargo público que ocupou foi o de vereador na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), em 1877. Depois, foi deputado provincial (estadual), deputado geral (federal), senador, ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores) e conselheiro (membro do Conselho do Império).

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Os novos bondes em atividade na Rua São João, em 1911 | Foto: Guilherme Gaensly / Acervo Fundação Energia e Saneamento
Os novos bondes em atividade na Rua São João, em 1911 | Foto: Guilherme Gaensly / Acervo Fundação Energia e Saneamento

O político recusou o título de visconde oferecido pelo imperador dom Pedro II. “Não me tentam os ouropéis [brilhos falsos] da realeza”, alegou. Apesar da recusa, manteve-se monarquista até o fim do regime, em 15 de novembro de 1889, quando foi proclamada a República.

Poucos dias depois da proclamação, durante uma conversa com uma comissão de representantes de vários setores que o tinham procurado para saber quais atitudes deviam tomar diante da mudança do regime, foi direto e prático: “tratando-se de um fato consumado, não há cabimento em nada discutir-se sob o ponto de vista constitucional”. E completou: “todos têm de aceitar as coisas como passaram a ser; prestigiar o governo e, principalmente, não fomentar a perturbação da ordem”.

Uma de suas filhas, Nazaré Prado, em uma entrevista publicada no livro 1° Centenário do Conselheiro Antonio da Silva Prado, lembrou os hábitos modestos do pai (“dormia em um quarto que parecia o de um monge”) e que ele prezava pela aparência:

Com mais de 80 anos, antes de sentar-se à mesa para as refeições refazia a toalete [arrumava-se], nos seus detalhes Nazaré Prado

A filha também disse que uma vez o pai e ela estavam em Paris, quando viram dois caminhões lavando a rua. Ele parou os veículos e os examinou. Poucas horas depois, havia comprado quatro irrigadeiras, que foram oferecidas à Prefeitura de São Paulo.

NEGÓCIO

Além de dedicar-se às atividades políticas, Antonio Prado era um empreendedor. Juntou-se ao pai e ao irmão Martinho Filho (conhecido como Martinico) para expandir os cafezais da Província para o Oeste, na região que ia de Mogi Guaçu a Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Uma das fazendas dos Prados, a São Martinho, foi a maior produtora de café do mundo, com 3,54 milhões de pés.

Fundou a exportadora de café Prado Chaves e Companhia (em sociedade com o cunhado Elias Pacheco Chaves) e se arriscou em áreas diversas ao criar o Banco de Comércio e Indústria de São Paulo, a Vidraria Santa Marina, o Curtume da Água Branca, o Frigorífico de Barretos e um dos primeiros complexos turísticos do Guarujá (litoral norte de São Paulo), composto pelo Hotel La Plage, casas, embarcações e quiosques com serviço de apoio aos banhistas.

Antonio Prado era sisudo, trabalhador e dinâmico | Foto: Reprodução

Um dos maiores sucessos empresariais de Antonio Prado foi a Companhia Paulista de Estrada de Ferro, fundada em 1868 por ele e outros cafeicultores para facilitar o transporte da produção de suas fazendas. O político foi seu presidente de 1892 a 1927. Algumas vezes, para examinar melhor as condições da ferrovia, percorria o caminho sentado no limpa-trilhos da locomotiva.

Em 1906, quando era prefeito, os ferroviários entraram em greve. Antonio Prado deixou a capital e foi para Jundiaí, interior de São Paulo, onde o movimento havia começado. Chegando lá, o empresário se mostrou irredutível. A situação se agravou e a paralisação se espalhou por outras cidades, até a capital. Foi a primeira grande greve do Estado. As autoridades reagiram com repressão e censura à imprensa. Durante um tiroteio em Jundiaí, duas pessoas morreram. No dia seguinte, o 15º do movimento, os trabalhadores encerraram o movimento. “O único vencedor nesta luta será a força”, previu o político logo que a greve começou.

Os empresários elogiaram a atitude de Prado, mas o jornal O Populo, da comunidade italiana, o chamou de “Robespierre da burguesia”, em referência ao líder da Revolução Francesa conhecido por ter guilhotinado milhares de pessoas.

De acordo com o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, no livro A capital da vertigem, ninguém resume como Antonio Prado “as virtudes e as insuficiências, a determinação e as contradições do paulista da elite” no final do Império e começo da República.

Após deixar a Prefeitura, Prado não atuou mais na vida pública. Entretanto, em 1926, participou da fundação do Partido Democrático, criado para fazer oposição ao tradicional Partido Republicano Paulista (PRP). A reunião foi realizada em sua casa, demonstrando que seu prestígio continuava alto.

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Avenida Tiradentes (foto de 1911) foi uma das vitrines na gestão Prado | Foto: Guilherme Gaensly / Acervo Fundação Energia e Saneamento
Avenida Tiradentes (foto de 1911) foi uma das vitrines na gestão Prado | Foto: Guilherme Gaensly / Acervo Fundação Energia e Saneamento

Vítima de arteriosclerose, Prado morreu aos 89 anos no Rio de Janeiro, em 1929. Na época, Antonio da Silva Prado Filho era o prefeito da capital federal. O corpo foi transferido pra São Paulo e enterrado no Cemitério da Consolação.

Pompeu de Toledo afirma em seu livro que Antonio Prado, por ter atuado em tantas áreas e por ser “sisudo, trabalhador, dinâmico e empreendedor”, representava “uma ideia do paulistano que atravessará” o século 20.

O PRIMEIRO PREFEITO DE FATO E DE DIREITO

Apesar de Antonio Prado ser lembrado como o primeiro prefeito de São Paulo, quem assumiu o cargo primeira vez foi Luís Antônio de Souza Barros, indicado pelo presidente da Província (governador), Francisco Antonio de Souza Queiroz, em 1835.

Souza Barros ficou pouco tempo no cargo porque os vereadores se insurgiram contra a influência do presidente no poder municipal. Mais quatro homens ocuparam a Prefeitura, dois deles interinamente, até 1838, quando o cargo foi extinto.

São Paulo só voltaria a ter prefeito em 1899, já na República, quando as Intendências, que faziam o papel de Poder Executivo, voltaram a ser subordinadas a uma autoridade, o prefeito.

O chefe do Executivo seria eleito entre os vereadores, pelo voto dos próprios parlamentares, à exceção do período entre 1908 e 1910, quando Antonio Prado foi eleito pelo voto popular. Só em 1916 as eleições diretas para a Prefeitura foram instituídas. Para ser candidato, não havia mais a necessidade de ser vereador.

Edição: Sândor Vasconcelos sandor@saopaulo.sp.leg.br

SAIBA MAIS

Livros

1º Centenário do Conselheiro Antonio da Silva Prado. Vários autores. Sem editora, 1946.
A capital da vertigem: uma história de São Paulo de 1900 a 1954. Roberto Pompeu de Toledo. Objetiva, 2015.
Tudo passageiro: expansão urbana, transporte público e o extermínio dos bondes em São Paulo. Ayrton Camargo e Silva. Annablume, 2015.

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