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Um bicampeão mundial no Parlamento

Das lutas de boxe às urnas paulistanas, Eder Jofre poucas vezes saiu derrotado
Tempo estimado de leitura: 15 minutos

Sândor Vasconcelos | sandor@saopaulo.sp.leg.br

Publicada originalmente em dez/2012 – Revista do Parlamento  Paulistano – edição nº 3

O Galinho foi campeão do mundo em duas categorias | Gute Garbelotto/CMSP

Quando os preparativos para a entrevista com o ex-vereador paulistano e boxeador duas vezes campeão do mundo Eder Jofre começaram, ficou evidente o quanto o Galinho de Ouro deixou ótimas lembranças nos funcionários da Câmara Municipal. Assim que souberam que Eder seria o personagem deste perfil, servidores que conviveram com ele fizeram questão de enviar um abraço ou mandar os cumprimentos.

É praticamente impossível falar seriamente com o Galinho. Quando liguei para marcar a entrevista, ele fez piada com o meu nome, com o dia da semana, com o horário do encontro… Eder conversou com a Revista do Parlamento Paulistano (NR: atualmente, a revista chama-se Apartes) no prédio onde vive, no bairro dos Jardins, e na academia em que treina três vezes por semana, durante uma hora. Na chegada ao treino, é recepcionado pelos manobristas e porteiros como um velho amigo e distribui sorrisos e brincadeiras.

Aos 76 anos, o ex-pugilista treina três vezes por semana | Gute Garbelotto/CMSP

Aos 76 anos e ótima forma, com 60 quilos, o ex-campeão pega pesado nas pancadas distribuídas no saco de areia. Faz exercícios aeróbicos e pula corda como um garoto,instruído pelo seu treinador pessoal, Harry Rosemberg. Em meio aos aparelhos, Rosemberg pergunta a um aluno: “Sabe quem é?”. O rapaz, com os olhos arregalados e sem acreditar, arrisca: “Eder Jofre?”. Na despedida, passa pelo boxeador e agradece “por tudo o que fez pelo Brasil”.

Admiração e gratidão são sentimentos comuns dos brasileiros para com o ídolo, cuja trajetória começou na Rua do Seminário, no bairro da República, região central de São Paulo, passou pelos ringues do mundo todo, nos quais Eder conquistou os títulos de campeão das categorias galo e pena, e teve capítulo escrito no Palácio Anchieta, onde Eder foi vereador durante quatro mandatos.

DESAFIO NA CMSP

A carreira política de Eder Jofre começou em 1982, quando se elegeu vereador suplente pelo extinto Partido Democrático Social (PDS). “Eu já era bem conhecido, por ser campeão mundial”, explica. “Resolvi aproveitar essa fama para me candidatar e poder ajudar o povo.” Segundo Eder, mesmo sem o cargo, já atuava como político: “Arrumava emprego, remédio”, conta. “Ficava com dó, então dava dinheiro”, lembra.

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Eder recebe o título de Cidadão Emérito do vereador Brasil Vita, em 1979 | Acervo CMSP

A base eleitoral era os bairros Jardins, Saúde e Vila Mariana. Tinha força, também, no Parque Peruche, distrito da Casa Verde, onde Eder viveu a infância “nadando na biquinha d’água, onde lavavam roupa, jogando futebol no campo de terra, empinando barrilete (ou pipa, papagaio) e correndo atrás de balão”, sem a violência atual. “Ladrão era o que roubava fruta”, recorda-se, às gargalhadas.

Eder como vereador em 1984 | Acervo CMSP

Segundo Eder, as campanhas eram feitas no corpo a corpo. “Quando ia o candidato a prefeito, eu ia junto”, lembra. A presença nos compromissos sociais também era obrigatória: “O político tem que aparecer, então ia a aniversário, casamento”. Para Eder, o político precisa ser uma espécie de ídolo. E ele era, graças ao esporte. “Devo muito ao boxe pela votação que tive”, reconhece.

“As campanhas eram baratas”, conta Osmar de Oliveira, assessor parlamentar durante a trajetória de Eder na Câmara. “Ele não gostava de aceitar dinheiro de fora e uma vez teve até que dar explicação ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) por conta dos baixos valores”, lembra. “O maior trunfo era o nome do Eder e uma equipe que trabalhava muito, havia dedicação total”, orgulha-se.

Quando estava para assumir o cargo de vereador pela primeira vez, em 11 de outubro de 1983, no lugar do titular Nelson Guerra Júnior, circulou o boato de que não poderia ser empossado porque teria assinado uma ficha de filiação ao PMDB. Osmar lembra a história: “Houve essa conversa de que o Eder havia assinado outra ficha de filiação, o que nunca existiu”, conta. “Aí ameaçaram não dar posse, alegando que havia trocado de partido após ser
eleito suplente pelo PDS”. Para se defender, Eder recorreu ao locutor Sílvio Luiz, que tinha um programa na TV Record. “O Sílvio mandou um câmera e nós fingimos fazer uma denúncia”, lembra Osmar, aos risos. “Armamos a situação e, no fim, o Eder foi empossado.” Há quem diga, entretanto, que a tal ficha existiu, mas foi rasgada por um assessor de Eder.

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Fernando Henrique recebe do vereador Eder o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo, em 1985 | Acervo CMSP

A trajetória parlamentar durou até o ano 2000, pois Jofre não conseguiu a reeleição. Osmar aponta as causas do insucesso nas urnas: “Ele já não queria mais, estava cansado”, conta Oliveira, e complementa: “Aí a revista Veja publicou uma matéria em que aparecia uma foto do Eder, dizendo quais vereadores não fariam falta, que ele não tinha projeto apresentado”, lembra. “A edição saiu um pouco antes das eleições e não tivemos tempo para responder.” Segundo Osmar, a maior preocupação de Jofre foi com sua equipe, que ficaria desempregada.

BOAS IDEIAS

A respeito da experiência de 18 anos como vereador paulistano, Eder Jofre classifica como “muito boa”. Não tem muitas lembranças sobre a época, mas reconhece que as maiores dificuldades eram “os colegas que não apoiavam alguns projetos porque eram muito bons”. Era bastante querido; o ex-vereador Brasil Vita chamava-o de “meu menino”.

Na política, o campeão afirma que seu maior ídolo é o líder comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990), “pela sua história de vida, pelas coisas que fez e pela coragem como defendia a sua luta”. Os contatos mais próximos eram com os ex-vereadores Arnaldo Madeira, Paulo Kobayashi e Ana Maria Quadros. Adorava o governador Mário Covas (1930-2001) e admira o senador Eduardo Suplicy, que também era boxeador. Com o vereador Goulart (PSD), brincava bastante em relação aos times. Eder é são-paulino e Goulart torce pelo Corinthians.

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Como vereador, visita a fábrica da Volkswagen | Acervo pessoal

Houve, porém, algumas más recordações. “Também tinha inveja, a disputa de quem iria fazer o melhor projeto”, lamenta. Entretanto a convivência com os colegas parlamentares, no geral, foi positiva. “Somente com um ou dois eu não conversava direito, porque eram metidos, só eles eram os bons, mas de resto com todos me dei bem”, conta. De acordo com o ex-vereador, sua maior decepção na política é ver o membro de um partido fazendo tudo para prejudicar colegas adversários.

Sobre o período parlamentar, Eder destaca, também, a cobrança do povo. “Eu havia sido campeão mundial, era conhecido em quase todo o mundo e o pessoal pensava que eu podia tudo, que era o dono da Câmara”, explica. “Paravam na rua, cumprimentavam e faziam os pedidos.” Por isso, o campeão do esporte chamado de “a nobre arte” precisou também ser um artista para “atender aos pedidos e às reivindicações”.

Eder foi vereador até o ano 2000 | Acervo CMSP

Osmar de Oliveira aponta que as principais virtudes de Eder foram a fidelidade e o respeito aos colegas e às determinações do partido. “E ele teve muito prejuízo por isso, fazia o que o partido determinava, nunca quis levar vantagem do cargo”, revela. “A assessoria ficava pê da vida, mas ele seguia suas convicções”, enaltece Osmar. O ex-assessor conta, também, que havia muito preconceito porque Eder não tinha formação acadêmica, sendo perseguido, inclusive, pela imprensa.

“O Eder defendia o monotrilho, aí vinha a imprensa e publicava que ele queria os bondes de volta”, relembra Osmar. “Aí hoje o monotrilho vai ser construído.”

O ex-assessor lembra outros projetos de Jofre. “Ele sugeria a pintura de cor diferente dos ônibus de acordo com cada região, tiravam sarro e hoje isso foi colocado em prática”, aponta. “Tinha um projeto muito parecido com o que são os CEUs de hoje, defendia que fosse proibido fumar em locais públicos”, recorda. “Quando íamos a um local fechado e alguém estava fumando, ele solicitava que fossem falar com a pessoa para apagar o cigarro.”

Não digo que ele era um visionário, mas um cara simples que conheceu o mundo todo e armazenava as informações para tentar aplicar aqui no Brasil Osmar de Oliveira

Outra bandeira levantada por Eder era a da fila preferencial para idosos em bancos, hoje uma realidade. “Não digo que ele era um visionário, mas um cara simples que conheceu o mundo todo e armazenava as informações para tentar aplicar aqui no Brasil”, analisa Osmar. “Mas diziam que ele era louco, de tanto tomar pancada na cabeça”, lamenta.

Perguntado sobre qual projeto gostaria de ver aprovado se fosse vereador hoje, Jofre revela que teria como principal meta fazer com que em cada bairro de São Paulo houvesse um centro esportivo para que a juventude pudesse treinar e, segundo ele, “deixar a agressividade apenas no ringue”.

NASCIDO NO RINGUE

As raízes de Eder Jofre misturam o sangue argentino do pai, José Aristides Jofre, e a origem brasileira da mãe, Angelina Zumbano, cuja família era de Mococa, interior de São Paulo, mas estabeleceu-se em São Paulo. Aristides Kid Jofre chegou ao Brasil em 1928 para lutar boxe e juntar-se ao irmão Armando, o Kid Pratt, para tocar uma academia montada no Palacete Santa Helena, na Praça da Sé. Angelina pertencia a uma família de boxeadores. Em 7 de novembro de 1933, as duas dinastias se juntaram, gerando os filhos Lucrécia, Eder, Dogalberto e Mauro.

Eder Jofre nasceu em 26 de março de 1936, trazido ao mundo pela parteira dona Rosa, em procedimento realizado no quarto dos pais, exatamente ao lado da academia de boxe em que Kid Jofre era treinador, na República. O nome é uma homenagem a Frank Eder, pseudônimo utilizado pelo tio Waldemar Zumbano nas lutas. Já nos primeiros anos, o pai o incentivava a assistir aos treinos e até mesmo a bater no saco de areia.

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Eder Jofre na pista do Clube Espéria, em São Paulo, como peso-pena | Zaca Feitosa/Jornal do Brasil

A primeira luta de Eder para o público aconteceu quando tinha três anos, contra sua irmã Lucrécia Maria Jofre, dois anos mais velha, numa exibição idealizada por empresários de Santos, antes dos combates principais da noite. Mesmo com tudo indicando que seguiria no boxe, chegou a pensar em fazer carreira em outro esporte. “Queria jogar futebol, de ponta esquerda”, revela. “Cheguei a ser artilheiro do time do Parque Peruche muitas vezes, por esse motivo eu falava que precisava jogar futebol, mas ninguém apoiava.”

Após as lutas, o pai, Kid Jofre, preparava os curativos; ao fundo, a esposa, Cidinha | Acervo pessoal

Além disso, havia a pressão da família, que sonhava ter um membro campeão do mundo. “Meu pai queria que eu lutasse boxe”, conta. “Fui escolhido pela família, pelos meus tios, nasci em uma academia, pegavam-me no colo pra eu bater no saco de areia e no pushing ball e eu fui pegando gosto”, justifica Jofre.

Ilustração feita por Eder para sua biografia O Galo de Ouro

Além do futebol, Eder quase escapou do boxe para seguir em outro tipo de arte, pintura e desenho. Segundo sua biografia O Galo de Ouro, escrita por Henrique Mateucci, aos onze anos Jofre estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Pouco antes de se tornar pugilista, chegou a ser observado pelo pintor Clóvis Graciano (1907-1988), que se surpreendeu com seus trabalhos e propôs ajudar-lhe a aprimorar a técnica, o que acabou não ocorrendo.

Eder também frequentou o estúdio do professor Walter Branco, mas desistiu. Depois, já como campeão de boxe, mais uma vez recebeu proposta para virar artista, feita pelo amigo e artista plástico Aldemir Martins (1922- 2006). Novamente, optou pela nobre arte.

O MAIOR DO MUNDO

Na noite de 15 de março de 1953, o Galinho estreou no circuito amador de pugilismo. “Com 16 anos, disputei o primeiro campeonato do Sesi e fui campeão. Aí, ganhei torneios da Gazeta, Novíssimos, Novos, Paulista e Brasileiro.” No total, foram sete títulos nos nove primeiros meses.

Em 1956, disputou os Jogos Olímpicos de Melbourne, na Austrália, perdendo nas quartas-de-final para o chileno Cláudio Barrientos, que levou o bronze. “No Brasil, ganhei de todo mundo para ser escolhido para disputar a Olimpíada. Cansei horrores de viajar para a Austrália, passei mal. Não consegui me adaptar e perdi por pontos”, lamenta. Dois anos depois, o chileno enfrentou Eder em São Paulo e perdeu por nocaute. Por esse motivo, Jofre crê que poderia ter subido ao pódio olímpico: “Se eu estivesse em condições físicas boas, teria ganhado.”

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Jofre unificou os títulos dos galos contra o irlandês Johnny Caldwell | Acervo pessoal

A primeira conquista mundial veio em 1960, contra o mexicano Eloy Sanchez, pela categoria galo. No sexto assalto do combate realizado em Los Angeles, em 18 de novembro, mandou o adversário à lona. Segundo o Galinho, sua maior alegria no esporte ocorreu naquele dia: “Meu irmão Dogalberto, que já faleceu, subiu no ringue e falou ‘eu sou irmão do campeão do mundo’, vibrando”, recorda Eder, emocionado. “Aí eu pensei: p…, sou eu!”

Eder treina em Tóquio, em 1963, para enfrentar Katsutoshi Aoki | Acervo pessoal

Após ser o primeiro brasileiro campeão mundial de boxe, Eder Jofre casou-se no civil, em 21 de abril de 1961, com Maria Aparecida Jofre, a Cidinha. Em 18 de janeiro de 1962, unificou os títulos dos galos, vencendo o irlandês Johnny Caldwell, reconhecido pela União Europeia como o legítimo campeão mundial. Ganhou por nocaute no décimo assalto, em São Paulo. Eder tornou-se, então, o maior peso-galo do planeta.

A primeira derrota como profissional foi perante o japonês Masahiko Fighting Harada, em maio de 1965, no Japão, acarretando a perda do título mundial. Na revanche, em junho de 1966, novamente o brasileiro foi superado. O segundo revés é considerado pelo brasileiro como a maior decepção na carreira: “Eu bati mais, me posicionei melhor”, lembra. “Foi a segunda luta, já sabia mais sobre ele e, para mim, eu tinha ganhado a luta”, avalia.

A rotina e o treinamento rígidos para se manter abaixo dos 53,5 quilos (limite máximo para um peso-galo) tornavam quase insuportável a vida de Eder, que passava fome e sede dias antes das lutas. “O peso era meu maior adversário”, declara. “Era vegetariano, comia muita macarronada, arroz e feijão, além dos doces, meu ponto fraco”, admite. Além disso, os inúmeros compromissos e as duas derrotas fizeram com que Jofre decidisse parar de lutar, aos 30 anos, para curtir a aposentadoria.

O EMPRESÁRIO PERITO EM BACH

Eder criou sua própria logomarca em 1959

O descanso de Eder Jofre durou três anos. Com as finanças comprometidas e o público pedindo seu retorno, a ideia de voltar aos ringues amadurecia.
O empurrão decisivo veio em uma tarde em que Eder cochilava após o almoço e foi acordado pelo filho Marcel com uma pergunta direta, sem chance de defesa: “Pai, você não trabalha?”.

A volta aos ringues aconteceu na categoria peso-pena, cujo limite é de 57,2 quilos. “Quando foi para outra categoria, meu pai sentia-se mais forte, dizia que estava em sua plenitude”, revela Marcel. O retorno contou com a participação de um grande amigo, o também ídolo nacional maestro João Carlos Martins, que se tornou um dos empresários de Eder.
“Quando moravam na Alameda Casa Branca, meus avós eram vizinhos dos pais do maestro”, conta Marcel, explicando a origem da amizade.

O então pianista Martins era um dos maiores intérpretes de Johann Sebastian Bach. Num jogo de futebol realizado no Central Park, em Nova York, teve uma queda e seu braço foi atingido por uma pedra. A lesão comprometeu os nervos e a cirurgia pela qual passou não foi bem-sucedida. Impedido de tocar, resolveu afastar-se completamente da música e escolheu o mundo do boxe como refúgio.

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Eder foi convidado a seguir carreira artística, mas optou pelo boxe; na foto, algumas de suas obras | Gute Garbelotto/CMSP

Na nova categoria, Eder Jofre realizou 14 lutas, vencendo todas, até enfrentar o cubano campeão mundial José Legrá, em Brasília, em 5 de maio de 1973. Ganhou por pontos, após 15 assaltos, conquistando o mundo pela segunda vez. Marcel Jofre descreve como foi ver o pai bicampeão: “Antes do anúncio do resultado, fui para o vestiário, para ser poupado em caso de derrota. A TV Tupi, que estava cobrindo o evento, veio até mim e pediu para falar alguma coisa e eu fiquei completamente travado, só chorava, e o microfone na minha frente”, revela Marcel. “Meu pai entra no vestiário e fala: ‘Isso é para você.’”

Em 2010, participa de evento na Câmara | Acervo CMSP

A emoção daquela noite ajudou a mudar os rumos profissionais de João Carlos Martins. Em depoimento ao programa SporTV Repórter, ele afirmou: “Quando vejo o juiz levantar a mão do Eder, eu falo ‘Esse homem voltou e eu não tentei o piano de novo, sou um covarde’”. Segundo o maestro, no dia seguinte comprou um piano, reformulou o modo de dedilhar e um ano e meio depois se apresentava novamente no Carnegie Hall, em Nova York.

Após o título, Eder fez mais 10 lutas, vencendo todas. Perdeu o pai, Aristides, em 24 de março de 1974, dois dias antes de o Galinho completar 38 anos. “Quando meu avô morreu, meu pai desanimou de continuar no boxe, porque havia perdido o pai, amigo e treinador de toda a vida”, revela Marcel.

Dois anos depois, faleceu o irmão Dogalberto, que Eder pretendia convidar para ser seu novo treinador. O golpe acabou de vez com o ânimo de Jofre, que entregou à imprensa sua “carta de despedida ao povo brasileiro” no dia 16 de fevereiro de 1977, aos 40 anos, após construir um cartel oficial de 78 lutas, 72 vitórias (sendo 50 por nocaute), quatro empates e duas derrotas, sem nunca ter sofrido um nocaute.

Algumas fontes dizem que Eder teve, na verdade, 81 lutas e 75 vitórias. Independentemente dos números, o Galinho de Ouro registrou seu nome na história. Está no hall da fama ao lado dos ídolos Joe Louis e Muhammad Ali e de lendas como George Foreman, Joe Frazier, Sugar Ray Leonard, Rocky Marciano e Mike Tyson. Especialistas e ex-lutadores apontam-no como o melhor pugilista nascido no Hemisfério Sul. Ex-adversários o reverenciam. Harada, único a ganhar de Eder, disse que o brasileiro foi o maior contra quem já lutou e que entrou em pânico quando soube que o enfrentaria.

Arte: Leonardo Pedrazzoli/CMSP
Arte: Leonardo Pedrazzoli/CMSP

Hoje, o ex-campeão vive sua rotina nos Jardins. O casamento deu-lhe os filhos Marcel e Andréa e os netos Eder Jofre Neto, Axel Damiã Martinez e Lanika Jofre. Sai pouco e costuma ver TV. Não acompanha o boxe e acredita que querem acabar com o esporte que, segundo ele, é uma forma justa de extravasar e contribui para diminuir a violência. “São dois pesos e categoria iguais, tem um juiz e os jurados”, explica. “Você sai do ringue tranquilo, não quer saber de confusão”. E lança a pergunta: “Qual lutador de boxe profissional sai por aí brigando?”.

Há quatro anos, foi criado o Instituto Eder Jofre, atualmente gerenciado pelo filho Marcel e voltado à prática esportiva, com aulas de ginástica, vôlei adaptado, surfe, entre outros. As atividades são possíveis graças a convênios com o Estado e leis de incentivo.

Para os brasileiros, mais que um esportista vitorioso, Eder é um exemplo de compaixão (chegava a ir ao vestiário dos adversários para saber se estavam bem), de um político simples, mas com boas ideias, e de uma generosidade fora do comum. Um trecho de sua carta de despedida o resume bem: “Se eu
pudesse, partiria meu cinturão de ouro em cento e vinte milhões de pedaços”. Segundo o Galinho, para distribuir uma pequena parte a cada brasileiro que esteve com ele em seu corner.

(O ex-vereador Eder Jofre faleceu em outubro de 2022, em São Paulo)

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O ex-pugilista é homenageado pela Rosas de Ouro em 2000 | Acervo pessoal

AS LUTAS DE EDER, O VEREADOR

Na tribuna da CMSP, em 1984 | Acervo CMSP

Eder Jofre foi eleito vereador de São Paulo pela primeira vez em 1982, como suplente, pelo Partido Democrático Social (PDS), com 20.542 votos.
Ocupou as cadeiras dos titulares Nelson Guerra Junior, João Aparecido de Paula, Celso Matsuda, Osvaldo Giannotti e Alfredo Martins de 1983 a 1988, quando foi eleito, novamente pelo PDS, com 9.541 votos, assumindo uma cadeira de titular em 1989.

Naquele mesmo ano, filiou-se ao recém-criado Partido da Social  Democracia Brasileira (PSDB). No pleito seguinte, em 1992, também pelo PSDB, elegeu-se com 14.565 votos e ocupou o cargo de titular até 1996, quando foi eleito suplente mais uma vez pelo PSDB, com 11.105 votos, e substituiu os titulares Roberto Tripoli e Alberto Hiar (Turco Loco) até o ano 2000. Na eleição daquele ano, conheceu uma de suas poucas derrotas na vida.

Durante o trabalho como parlamentar, foi membro da Comissão de Educação, Cultura e Esportes e da Comissão de Trânsito, Transporte e Atividade Econômica. Também foi presidente da Comissão de Atividade Econômica.

Em 1993, no gabinete | Acervo CMSP

Entre os principais projetos que Eder conseguiu aprovar no parlamento paulistano, estão os relativos à educação e ao esporte. A Lei 11.118/91 criou o Conselho Municipal de Esportes (Comesp). A 11.383/93 determinou que as atividades desenvolvidas nas academias paulistanas fossem supervisionadas por um profissional de educação física e que os praticantes apresentassem exame médico prévio.

Outra lei de grande importância foi a 12.093/96, que tornou obrigatória a
manutenção de Unidades de Atendimento Médico Móveis com equipamentos de primeiros-socorros, equipe multiprofissional de saúde e dispositivos adequados para remoção nos estádios de futebol, ginásios esportivos e locais de grande concentração de pessoas.

Eder é autor, também, do projeto de lei que instituiu o Troféu São Silvestre, concedido aos vencedores da Corrida Internacional que é realizada no último dia do ano nas ruas de São Paulo. No campo da administração pública, é de autoria de Eder o projeto que culminou com a Lei 11.351/93, que obriga o Executivo Municipal a honrar os contratos firmados em administrações anteriores, estabelecendo critérios. Eder também é autor do projeto que criou a Lei 11.603/94, autorizando a utilização de gás natural como combustível na frota de veículos oficiais, no transporte público e coletivo de passageiros.

SAIBA MAIS

Livro

MATTEUCCI, Henrique. O Galo de Ouro: A História de Eder Jofre, Editora Soma, 1979.

Filmes

 GIORGETTI, Ugo. Quebrando a Cara, 1986.

JÚNIOR, José Alvarenga. 10 Segundos para Vencer, Globo filmes, 2018.

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