Gisele Machado | gisele@saopaulo.sp.leg.br
Publicada originalmente em fevereiro de 2017 – ed. nº 23 – atualizada em fevereiro de 2022
Integrante do grupo da Semana de Arte Moderna de 1922, precursor da crítica cinematográfica no jornalismo do País e compositor parceiro de Villa-Lobos, Guilherme de Almeida foi um artista completo. Deixou mais de 70 publicações entre poesia, prosa, ensaios e material jornalístico. Num concurso patrocinado pelo jornal carioca Correio da Manhã em 1959, foi eleito príncipe dos poetas brasileiros após concorrer com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e Mauro Mota. Foi membro das academias Paulista e Brasileira de Letras e comandou a comissão responsável por celebrar o Quarto Centenário paulistano, em 1954.
Almeida é o poeta predileto da dramaturga Renata Pallottini: “ele tinha uma maneira de escrever em cujo espírito se pode entrar desde a adolescência, com versos que pareciam muito simples, mas sobre os quais havia muito o que pensar e sentir em mais profundidade”, diz. Para a escritora, o melhor do seu ídolo eram os sonetos, com métrica, melodia, ritmo e rimas muito bem cuidados.
“Era conhecido nas escolas, onde os alunos decoravam seus poemas porque os professores recomendavam, e seus livros vendiam edições sucessivas”, conta Marcelo Tápia, diretor da Casa Guilherme de Almeida – um espaço cultural do governo paulista que busca trazer à tona a memória sobre o intelectual, que caiu no ostracismo após a década de 1960.
Quando já não era tão famoso, Guilherme chegou a se candidatar, sem êxito, a uma vaga de deputado estadual por São Paulo, em 1950. O esquecimento, que pode ter atrapalhado sua candidatura, intensificou-se após sua morte, em 1969, pouco antes de completar 79 anos. “Há interesses que podem ter levado à marginalização de Guilherme”, supõe Tápia. Segundo ele, entre esses está “a utilização de sua participação na Revolução de 1932 para caracterizar que teria voltado a ser um passadista depois de ter experimentado o Modernismo, uma afirmação de muitos críticos que não resiste à leitura de sua obra”. Manteve, inclusive, a amizade com modernistas como Mário de Andrade e Oswald de Andrade.
Para Renata Pallottini, Guilherme foi um modernista moderado, mais comedido. “Era um poeta de muitos bons modos, que não se atirava a fazer grandes quebras, rupturas, a dizer coisas muito novas, enquanto havia modernistas como Oswald de Andrade, que dizia as maiores loucuras que lhe vinham à cabeça.”
Neta de Guilherme, Maria Izabel Barrozo de Almeida diz ter a sensação de que o avô era mais clássico do que moderno. Lembra que ele e a avó, Belkiss Barrozo de Almeida, a Baby, tinham pela casa inúmeros retratos seus presenteados e assinados pelos modernistas mais importantes da época, como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall e Victor Brecheret.
“Meu avô era notívago, tinha uma vida social intensa, recebia muitas visitas, como Menotti Del Picchia e Paulo Bomfim, e era o centro das atenções, falava coisas curiosas”, lembra-se Izabel, “com os olhos de uma criança”, já que era adolescente quando Guilherme de Almeida morreu. Ela recorda que o avô gostava de recontar a história de cada objeto que havia em casa.
“Ele tinha, digamos, um laivo de romantismo, mas eu não poderia considerar o Guilherme conservador”, diz Anna Maria Martins, primeira-secretária-geral da Academia Paulista de Letras. Paulo Bomfim, que viveu com Guilherme de Almeida a Semana de Arte Moderna, tenta descrevê-lo num depoimento em vídeo para a TV Cultura: “era um homem de profundas raízes, mas ao mesmo tempo, profundamente antenado com o presente e com o futuro”.
MODERNISTA ENGAJADO
Na opinião de Marcelo Tápia, o engajamento político que levou Guilherme a se candidatar a um cargo público pode ter sido o que o levou a se alistar (e a lutar) como soldado raso durante a Revolução Constitucionalista de 1932, época em que editava o Jornal das Trincheiras. Por conta disso, o poeta foi preso quando o movimento chegou ao fim, em outubro daquele ano. Ficou exilado em Portugal, onde permaneceu até 1933.
“Ele estava interessado na defesa do estado de direito, em contrapartida à ditadura de Getúlio, sem o discurso separatista que o próprio governo federal quis relacionar à Revolução”, diz Tápia, ao explicar que Almeida tinha um perfil democrático, ainda que também tenha tido um lado conservador “bem forte”. “Acredito que nunca tenha se engajado ao integralismo como alguns modernistas dissidentes”, afirma.
O conservadorismo de Almeida está, por exemplo, na importante atuação cívica. Um poema seu virou letra do hino do Estado de São Paulo. Também era especialista em heráldica e, nessa condição, criou o brasão de Brasília e foi coautor do brasão da cidade de São Paulo. Também escreveu a Canção do expedicionário, considerada o hino da Força Expedicionária Brasileira (FEB), grupo militar que lutou pelo Brasil na II Guerra Mundial. A letra homenageia tradições e poemas famosos de brasileiros, como a Canção do exílio, de Gonçalves Dias. “Por mais terras que eu percorra / Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”, diz uma das estrofes de Almeida.
Assim como na vida, em sua obra literária Guilherme de Almeida transitou por conceitos diversos. “Talvez mais do que qualquer outro dos participantes da Semana de Arte Moderna, ele viveu o drama da conciliação estética do novo com o velho, da fôrma com a forma, da tradição com a invenção, da rotina e do automatismo das receitas com o clamor de criatividade”, explicou o escritor Lêdo Ivo na introdução de uma das edições do livro de poemas de Almeida intitulado Raça, que segue uma linha nacionalista do Modernismo, apegada às temáticas brasileiras.
Filho do jurista e professor de Direito Estevam de Almeida, Guilherme traduzia do grego com maestria (traduziu Antígona, de Sófocles), mas estava sempre atento às inovações de linguagem. “Ele foi divulgador do haikai (forma poética de origem japonesa) no Brasil e, pouco antes de morrer, deixou o livro Margem (sem publicar) dialogando com a vanguarda da poesia da década de 1960”, diz Tápia.
RECONHECIMENTO
Para relembrar a importância do poeta, a Câmara Municipal criou, por meio da Resolução 5/2015, proposta pelos vereadores Aurélio Nomura (PSDB), Reis (PT) e Toninho Paiva (PR), a honraria Colar Guilherme de Almeida – O poeta de São Paulo e da Epopeia de 32.
O Colar Guilherme de Almeida é concedido anualmente a até nove homenageados – pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que tenham prestado colaboração relevante à literatura, ao cinema, ao teatro, à música, às artes plásticas e a outras formas artístico-culturais de manifestação, bem como à preservação e à divulgação da história da cidade de São Paulo.
A decisão sobre quem receberá a honraria é de uma comissão composta por até dois representantes de cada uma dessas entidades: Museu Casa Guilherme de Almeida, Sociedade Veteranos de 32 – MMDC, Academia Paulista de Letras, Academia Paulista de História, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e Centro de Memória Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Um dos representantes do Museu Casa Guilherme de Almeida deve exercer também a presidência da comissão.
“Guilherme falou muito no paulistano, na importância da nossa cidade, dos bandeirantes, das características do habitante, do que ele trouxe à cidade”, lembra Anna Maria Martins, que integra a comissão julgadora do prêmio. Qualquer pessoa física ou jurídica, desde que esteja ligada ao tema da premiação, pode sugerir à Câmara nomes a serem homenageados.
Em 9 de dezembro de 2016, ocorreu a primeira edição da premiação, no Plenário da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP).
SAIBA MAIS
Site
Casa Guilherme de Almeida
Instalada no local em que o artista morou até morrer, preserva seus objetos pessoais, além de obras oferecidas a ele por artistas como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall e Victor Brecheret
Reportagens da TV Câmara
Cidade Viva | Casa Guilherme de Almeida
5ª edição do Prêmio Colar Guilherme de Almeida